Para a ministra Isabel Gallotti houve acentuada negligência das companhias aéreas, que, sabendo da situação de desespero do passageiro, não atuaram com presteza na busca de uma solução para encaminhá-lo ao destino o mais rápido possível. Ao contrário: ficaram discutindo entre si de quem era a responsabilidade pelo transporte após o endosso do bilhete, em razão de problemas ocorridos com aviões das duas empresas.
A decisão da turma foi proferida em agravo regimental contra decisão individual do então desembargador convocado para o STJ Honildo Amaral, que fixou a indenização em R$ 5 mil, a serem divididos entre as duas companhias.
No agravo, o passageiro alegou que, como se tratava de relação de consumo, deveria ser reconhecida a responsabilidade solidária das duas companhias, de forma que cada uma fosse responsável pela reparação integral dos danos. Pediu também compensação por danos materiais, com a restituição do valor da passagem, uma vez que o transporte foi inútil no seu maior propósito. Por fim, requereu o aumento dos danos morais para R$ 30 mil e que os honorários passassem de 10% para 20% do valor da condenação.
Danos materiais
A ministra Isabel Gallotti, relatora do agravo, considerou correta a decisão que afastou a devolução do valor pago pela passagem. “No caso concreto, não há dano material a ser composto, uma vez que não se alega nenhuma diminuição patrimonial decorrente do atraso, como seria o caso de negócio frustrado em decorrência da demora na chegada ao destino”, explicou.
Para a relatora, o dano sofrido foi apenas moral, puro e gravíssimo, pois o atraso impediu o passageiro de encontrar seu pai, internado em UTI, ainda com vida. Além disso, o serviço foi prestado, mesmo com atraso.
Ela fixou a indenização em R$ 20 mil, a serem suportados solidariamente pelas duas companhias, por entender que essa quantia cumpre, com razoabilidade, sua dupla função: punir o ato cometido e reparar a vítima pelo sofrimento experimentado. Os honorários foram mantidos em 10%.
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Processo Relacionado : REsp 689.257
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AgRg no AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 689.257 - PR (2004/0133691-2)
RELATORA : MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI
AGRAVANTE : A.K.A.C.
ADVOGADO : OTÁVIO ERNESTO MARCHESINI E OUTRO(S)
AGRAVADO : VIAÇÃO AÉREA SÃO PAULO S/A - VASP E OUTROS
ADVOGADO : ANA LÚCIA BARBETTI E OUTRO(S)
AGRAVADO : RURAL SEGURADORA S/A
ADVOGADOS : CLÁUDIO XAVIER PETRYK E OUTRO(S)
RÉGIS TOCACH
AGRAVADO : TRANSBRASIL S/A LINHAS AÉREAS
ADVOGADO : SÉRGIO DE ARAGON FERREIRA E OUTRO(S)
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ATRASO DE VÔO. RELAÇÃO DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. DANOS MATERIAIS INEXISTENTES. DANOS MORAIS. .
1. A responsabilidade civil das companhias aéreas em decorrência da má prestação de serviços é regulada pelo Código de Defesa do Consumidor, o que implica a solidariedade entre todos os responsáveis pelo dano sofrido pelo consumidor.
Precedentes.
2. Atraso de vôo de nove horas, que impediu a chegada do autor a tempo de presenciar as últimas horas de vida de seu pai. Dano moral gravíssimo.
3. Agravo regimental parcialmente provido.
ACÓRDÃO
A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao agravo regimental, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi, Luis Felipe Salomão e Raul Araújo votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília/DF, 28 de agosto de 2012(Data do Julgamento)
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI
Relatora
RELATÓRIO
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Cuida-se de agravo regimental interposto da decisão de fls. 491/497, proferida pelo Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador Convocado do TJ/AP), que deu parcial provimento a recurso especial, para reconhecer o dever de indenizar das agravadas em decorrência de atraso de vôo, fixando, em 4.8.2010, o valor devido a título de danos morais em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), metade a cargo de cada agravada. A decisão foi resumida na seguinte ementa:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. LITISCONSORTES PASSIVOS COM PROCURADORES DIVERSOS. ART. 191, CPC. APLICABILIDADE. PRESCINDIBILIDADE DE REQUERIMENTO OU DE APRESENTAÇÃO DE DEFESA POR TODOS OS LITISCONSORTES. VIOLAÇÃO AO ART. 93, IX, DA CF/88. ANÁLISE. IMPOSSIBILIDADE. DANO MORAL. EXISTÊNCIA.
1. Jurisprudência pacífica desta Corte entende que a orientação do art. 191 do CPC incide independentemente de requerimento das partes e ainda que só um dos litisconsortes com procuradores iversos tenha apresentado defesa, porquanto os integrantes do polo passivo não tem como antever se o(s) outro(s) demandado(s) irá(ão) ou não comparecer à lide.
2. Não é possível a esta Corte a análise de ofensa a dispositivo constitucional, ainda que para fins de prequestionamento, sob pena de usurpação da competência do Pretório Excelso.
3. O dano moral decorrente de atraso de vôo prescinde de prova, sendo que a responsabilidade de seu causador opera-se in re ipsa, por força do simples fato da sua violação em virtude do desconforto, da aflição e dos transtornos suportados pelo passageiro.
4. Caso em que o autor, se tivesse chegado ao destino no horário contratado, teria encontrado seu genitor com vida, ainda que em unidade de terapia intensiva, propósito de sua viagem.
5. Agravo regimental a que se dá provimento. Recurso especial a que se dá parcial provimento.
O agravante sustenta, em síntese, que, sendo a hipótese de relação de consumo, deve ser reconhecida a responsabilidade solidária das agravadas, conforme previsto no art. 25, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, de forma que ambas agravadas sejam responsáveis pela reparação integral dos danos.
Alega, também, que a decisão agravada não se pronunciou quanto aos danos materiais alegados na petição de recurso especial, devendo as agravadas ser condenadas à "restituição do valor desembolsado pelo Agravante na aquisição de bilhetes para o transporte aéreo que culminou inócuo em seu maior propósito".
Afirma, ainda, que o valor arbitrado a título de indenização por danos morais é irrisório, pugnando para que seja majorada a verba indenizatória para R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
Por fim, sustenta que a verba sucumbencial deve ser fixada no patamar de 20% (vinte por cento) do valor da condenação em decorrência das peculiaridades do presente feito, o qual teve início em 1999.
É o relatório.
VOTO
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI (Relatora): O recurso merece prosperar em parte.
De início, no que pertine à alegação de que, sendo a hipótese de relação de consumo, deve ser reconhecida a responsabilidade solidária das agravadas, razão assiste ao ora agravante.
Com efeito, "o Superior Tribunal de Justiça entende que a responsabilidade civil das companhias aéreas em decorrência da má prestação de serviços, após a entrada em vigor da Lei 8.078/90, não é mais regulada pela Convenção de Varsóvia e suas posteriores modificações (Convenção de Haia e Convenção de Montreal), ou pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, subordinando-se, portanto, ao Código Consumerista" (AgRg no AREsp 13.283/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, DJe de 15.6.2012).
Sendo certo, portanto, que, no presente caso, está configurada relação de consumo, deve ser reconhecida a responsabilidade solidária das agravadas para a reparação dos danos. Nesse sentido:
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. PACOTE TURÍSTICO. MÁ PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA OPERADORA. ART. 14 DO CDC. CONTRATO DE SEGURO SAÚDE PARA VIAGEM. CONTRATAÇÃO CASADA. NEGATIVA INDEVIDA DE COBERTURA NO EXTERIOR. CADEIA DE CONSUMO. SOLIDARIEDADE LEGAL ENTRE A OPERADORA E A SEGURADORA. ART. 7º DO CDC. RESSARCIMENTO DAS DESPESAS COM TRANSPORTE EM UTI AÉREA PARA O BRASIL E DEMAIS DESPESAS MÉDICAS. CABIMENTO.
(...)
2.- Acresce que o parágrafo único do art. 7º do Código consumerista adotou o princípio da solidariedade legal para a responsabilidade pela reparação dos danos causados ao consumidor, podendo, pois, ele escolher quem acionará. E, por tratar-se de solidariedade, caberá ao responsável solidário acionado, depois de reparar o dano, caso queira, voltar-se contra os demais responsáveis solidários para se ressarcir ou repartir os gastos, com base na relação de consumo existente entre eles.
(...)
4.- Recurso Especial improvido.
(REsp 1.102.849/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, DJe de 26.4.2012)
Quanto aos danos materiais, correto o acórdão recorrido ao considerar que, realizado, embora com atraso, o transporte contratado, não cabe o pedido de devolução do valor pago pela passagem. No caso concreto, não há dano material a ser composto, uma vez que não se alega nenhuma diminuição patrimonial decorrente do atraso, como seria o caso de negócio frustrado em decorrência da demora na chegada ao destino.
O dano sofrido pelo autor não foi material, mas dano moral puro e gravíssimo, uma vez que o atraso do vôo o impediu de encontrar seu pai, internado em UTI, ainda com vida.
Em casos precedentes relativos a dano moral em decorrência de atraso de vôo, o Superior Tribunal de Justiça tem julgado razoável, o arbitramento de indenização entre R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e R$ 10.000,00 (dez mil reais) (cf, entre muitos outros, os acórdãos nos EDcl no Ag 977.762/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe de 24.8.2011; AgRg no AREsp 60.120/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, DJe de 1.2.2012; AgRg no AREsp 145.989/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, DJe de 13.6.2012; AgRg no AREsp 47.629/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe de 25.5.2012; AgRg no Ag 1.389.642/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe de 20.9.2011), podendo, todavia, ser estabelecida em valor superior ou inferior a depender das peculiaridades do caso.
A decisão agravada regimentalmente fixou o valor total da indenização em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com as seguintes considerações:
No presente caso, tendo em vista que o propósito do recorrente era travar derradeiro encontro com seu pai que se encontrava internado em Unidade de Terapia Intensiva e, considerando que, em virtude do atraso de seu vôo em mais de nove horas, chegou poucas horas após o falecimento de seu genitor, entendo que o valor da indenização por danos morais, com base em entendimento cristalizado nesta Corte, deve ser fixado em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a ser suportado de forma igualitária pelas empresas VASP e TRANSBRASIL, ou seja, cada uma arcará com a quantia de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), contados desta data.
A negligência das agravadas foi acentuada, pois, cientes da situação de desespero vivenciada pelo agravante, não atuaram com presteza na busca de meio de encaminhá-lo o mais rapidamente possível ao destino, tendo ficado a discutir entre si as responsabilidades pelo transporte do passageiro após o endosso do bilhete, em virtude dos problemas ocorridos sucessivamente com as aeronaves de ambas as rés.
Tendo isso em conta, entendo razoável a fixação de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) pelo dano moral sofrido pelo ora agravante, uma vez que se trata de quantia que cumpre, com razoabilidade, a sua dupla finalidade, isto é, a de punir pelo ato ilícito cometido e, de outro lado, a de reparar a vítima pelo sofrimento moral experimentado.
Quanto aos honorários de advogado, mantenho a fixação em 10% sobre o valor da condenação ora majorada, atendidos os critérios do art. 20, §3º, do CPC.
Em face do exposto, dou parcial provimento ao agravo regimental e, de logo, ao recurso especial, para condenar solidariamente a Viação Aérea São Paulo S/A - VASP e Transbrasil S/A Linhas Aéreas ao pagamento de indenização a título de danos morais no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), corrigidos a partir da presente data, com juros de mora a partir da citação. Honorários de advogado fixados em favor do autor no percentual de 10% sobre a condenação.
É como voto.