Walcyr Carrasco ajuizou ação contra a Band devido a uma sátira feita pelo humorista Evandro Santos, que interpreta o personagem "Walcyr Churrasco" no programa com trejeitos afeminados e linguajar chulo.
No último dia 9, Walcyr Carrasco afirmou em sua coluna da revista Época que o Pânico lhe prejudicou moralmente. "Foi um ataque como nunca recebi na vida. Também acredito que venha a me prejudicar financeiramente".
Segundo a desembargadora Elisabete Filizzola, relatora, "a liberdade de imprensa não pode ser exercida com desrespeito, seja em relação à coletividade que recebe a mensagem midiática, seja em relação a um cidadão, no caso, o ora agravante, colocado em situação de absoluto constrangimento e ridículo, conforme se verifica do vídeo trazido aos autos".
Em caso de exibição indevida, a Band terá que pagar multa de R$ 50 mil.
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Processo: 0037756-24.2012.8.19.0000
Veja a íntegra da decisão.
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL
Agravo de Instrumento nº. 0037756-24.2012.8.19.0000
Agravante: WALCYR RODRIGUES CARRASCO
Agravada: RÁDIO E TELEVISÃO BANDEIRANTES DO RIO DE JANEIRO LTDA.
Relatora: Des. ELISABETE FILIZZOLA
DECISÃO
AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA ANTECIPADA. AÇÃO INDENIZATÓRIA. VEICULAÇÃO DE VÍDEO PELO PROGRAMA “PÂNICO NA TV”.
Recurso contra decisão que indeferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela para que a ré se abstivesse de exibir vídeo com a imagem e caricatura do autor no programa “Pânico na TV”.
Da prova trazida pelo Agravante, é possível constatar, de modo inequívoco, a verossimilhança do alegado, no sentido de que o referido programa vulgarmente chama o Agravante de “Walcyr Churrasco”, representado por um ator caracterizado como se fosse o Agravante e que se porta com trejeitos afeminados, utilizando linguajar chulo que envolve sexo e relação homossexual.
Sem qualquer intenção de antecipar o julgamento meritório da lide, o vídeo veiculado pela Agravada em cadeia nacional de televisão exorbitou a função da arte e do humor, em suas múltiplas facetas, configurando, ao revés, um desrespeito à pessoa humana, cuja dignidade é postulado com proteção constitucional.
A liberdade de imprensa não pode ser exercida com desrespeito, seja em relação à coletividade que recebe a mensagem midiática, seja em relação a um cidadão, no caso, o ora Agravante, colocado em situação de absoluto constrangimento e ridículo, conforme se verifica do vídeo trazido aos autos.
Presentes os requisitos que autorizam o deferimento da tutela antecipada, antes mesmo de aperfeiçoado o contraditório, com fundamento no artigo 273, I do CPC, diante da existência da prova inequívoca do alegado e da possibilidade do dano irreparável ou de difícil reparação, não se podendo olvidar que se trata de um programa transmitido na TV aberta, em cadeia nacional, sendo provável que o vídeo já esteja sendo veiculado na internet.
RECURSO PROVIDO, NA FORMA DO ARTIGO 557, §1º-A, DO CPC.
Trata-se de Agravo de Instrumento interposto contra decisão do ilustre Juiz da 17ª Vara Cível da Comarca da Capital que, nos autos da ação indenizatória proposta pelo ora Agravante em face da Agravada, indeferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, verbis: “Independente de seu caráter decadencial e imoral, cuja medição leva a discussões necessariamente subjetivas, deve a arte ser expressada com liberdade, sem submissão a censura ou licença. Eventual abuso leva à responsabilidade do agente que, contudo, não pode ser compelido a se abster de exercitá-la, salvo em razão de norma prioritária em relação ao artigo 5º. IX, da Constituição Federal, como na proteção de interesse da pessoa em desenvolvimento (CF, artigo 227), o que não ocorre na espécie. Pelo que, indefiro o pedido antecipatório.” (fls. 132).
Inconformado insurge-se o autor, ora Agravante,alegando, em síntese, que: (a) é intelectual, membro da Academia Paulista de Letras, que mantém a vida pacata e discreta, longe dos holofotes, tendo se tornado pessoa pública em razão do grande sucesso dos seus livros – muitos deles infanto-juvenis, artigos em jornais e revistas, peças de teatro e, principalmente, novelas para televisão – atualmente, no horário nobre da Rede Globo, com o recorrente mantém contrato de exclusividade, vem sendo exibida a novela Gabriela, de sua autoria; (b) a decisão agravada merece reforma imediata, na medida que nega vigência ao inciso X do artigo 5º, da Constituição Federal, porquanto a liberdade de expressão não é absoluta, cedendo espaço ao princípio da dignidade da pessoa humana; (c) a Agravada, tradicional emissora de televisão, é a responsável pela exibição do programa “PÂNICO”, cujo histórico de condenações judiciais retrata a sua duvidosa linha editorial, falsamente calcada no “humor”; (d) nesse contexto, referido programa elegeu o Agravante como alvo de reprovável chacota e humilhação, em cadeia nacional, ao vulgarmente chamá-lo de “WALCYR CHURRASCO” (“churrasco por sendo o autor, homossexual ele gostaria de sentar num espeto ou numa linguiça, como se esses dois elementos fossem um pênis”), que vem sendo retratado por um ator com trejeitos afetadíssimos, afeminados, com linguajar chulo e banal, sempre envolvendo sexo e relação homossexual; (e) o Agravante nunca expôs sua intimidade e sua privacidade dessa maneira desairosa, nunca se apresentou publicamente como um homem afetado, nunca tratou, em sua obra literária, o homossexualismo de forma vulgar, nunca falou sobre sua vida afetiva; (f) e dano à imagem e à moral do autor está justamente no fato de que o programa “Pânico na Band”, ao criar um personagem que o retrata como um homossexual ridículo, vulgar, chulo, distancia Walcyr Carrasco do intelectual que ele realmente é, fazendo com que o grande público e até mesmo pessoas maldosas, bem como jovens em plena formação, o trate de forma humilhante, pois, como se sabe, o homossexual faz parte de uma minoria que é vítima de preconceito, é marginalizada e, conforme bastante noticiado, vem sendo vítima de ataques violentos dos homofóbicos; (g) como poderá ser visto na íntegra do vídeo acostado a este recurso, o referido programa, na carona do sucesso da novela “Gabriela”, se alojou na porta de evento privado da novela, assediando os convidados por meio de dois personagens, “Aguinaldo Senta”, em alusão ao autor de novelas Aguinaldo Silva, e “WALCYR CHURRASCO”, em alusão ao próprio Agravante; (h) refuta-se qualquer alegação no sentido de que tal “caracterização” possa ser identificada como paródia, sátira, caricatura ou qualquer outra justificativa amparada no exercício da liberdade de expressão e manifestação, o que se vê é o achincalhe público de pessoas de bem, configurando frontal ofensa a direitos da personalidade do autor; (i) a Agravada já está veiculando, na TV e na internet, de forma jocosa em sem permissão do Agravante, a sua imagem e caricatura no referido programa, exibido todos os domingos às 21h, com reprise às sextas-feiras.
Requer a atribuição do efeito suspensivo ativo ao presente recurso, para que seja determinado que a Agravada: (i) se abstenha de exibir as imagens, caricaturas e o nome do autor, com ou sem trocadilhos, no programa “Pânico na TV” ou nas suas chamadas; (ii) retire do ambiente da internet (inclusive no youtube), as imagens, caricaturas e o nome do autor, com ou sem trocadilhos, inseridas no programa “Pânico na Band”; (iii) determinar que a ré, por qualquer preposto, se abstenha de perseguir ou assediar o autor para que ele participe do programa “Pânico na Band”; (iv) a imposição de multa diária, no caso de descumprimento.
O recurso é tempestivo (fls. 02 e 132) e as custas foram regularmente recolhidas (fls. 15 e 134).
Sem contrarrazões, porquanto ainda não aperfeiçoado o contraditório.
É o relatório.
Passo a decidir na forma do art. 557 do CPC, porquanto incidente à hipótese o enunciado nº. 65 do Aviso TJ nº. 83/2009, verbis: “A tese recursal manifestamente procedente se insere entre as matérias previstas no art. 557, do CPC, e autoriza o relator a prover o recurso por decisão monocrática”.
Prestigia-se, ainda, o entendimento consubstanciado no verbete sumular 59 do TJ/RJ (“Somente se reforma a decisão concessiva ou não da antecipação de tutela, se teratológica, contrária à Lei ou à evidente prova dos autos.”), uma vez que há prova inequívoca trazida nestes autos de recurso que autorizam a reforma da decisão de 1º grau, conforme se passa a expor.
O Agravante instrui o presente recurso com dispositivo móvel de mídia (fls. 133), contendo cópia em vídeo do programa “PÂNICO NA TV”, veiculado pela Agravada.
Esta relatora assistiu ao vídeo, no qual é possível constatar, de modo inequívoco, a verossimilhança do alegado pelo Agravante, conforme este mesmo relata em sua peça recursal, no sentido de que o referido programa vulgarmente chama o Agravante de “Walcyr Churrasco”, representado por um ator caracterizado como se fosse o Agravante (o que facilmente se verifica observando-se o vídeo e a foto anexada a fls. 126), certo que o ator porta-se com trejeitos afeminados, utilizando linguajar chulo que envolve sexo e relação homossexual.
Com o devido respeito ao entendimento do douto magistrado a quo e sem qualquer intenção de antecipar o julgamento meritório da lide, o vídeo veiculado pela Agravada em cadeia nacional de televisão exorbitou a função da arte e do humor, em suas múltiplas facetas, configurando, ao revés, um desrespeito à pessoa humana, cuja dignidade é postulado com proteção constitucional.
No caso, observa-se que o direito à imagem do autor, cujo caráter é personalíssimo e com menção destacada no artigo 5º, X, da Constituição da República (“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...). X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação), restou violado pelo programa em questão.
É bastante conhecido o aparente conflito entre os direitos à informação, à livre manifestação do pensamento e à inviolabilidade da honra e imagem das pessoas, todos com assento constitucional.
Cediço, ainda, que à imprensa incumbe não só a veiculação de informação, mas também críticas quanto a fatos e comportamentos humanos, sendo conhecido que a mídia (impressa, televisiva e na internet) cede espaço a profissionais para que estes expressem suas opiniões, muitas vezes, com certa ironia, sem que isso configure qualquer afronta a direitos da personalidade. Daí, a dificuldade de se julgar casos como o presente, em que se discute os limites da liberdade de informação, sendo fundamental verificar o ânimo da notícia – se meramente informativo ou com o fim depreciar a honra e a imagem de alguém.
O Des. Sérgio Cavalieri, na sua clássica obra “Programa de Responsabilidade Civil”, 8ª edição, pág.113, bem pontua, verbis: “A crítica jornalística não se confunde com a ofensa; a primeira apresenta ânimo exclusivamente narrativo conclusivo dos acontecimentos em que se viu envolvida determinada pessoa, ao passo que a segunda descamba para o terreno do ataque pessoal. Não se nega ao jornalista, no regular exercício da sua profissão, o direito de divulgar fatos e até de emitir juízo de valor sobre a conduta de alguém, com a finalidade de informar a coletividade. Daí a descer ao ataque pessoal, todavia, em busca de sensacionalismo, vai uma barreira que não pode ser ultrapassada, sob pena de configurar o abuso de direito, e, consequentemente, o dano moral e até material.”
A circunstância de o Agravante ser pessoa conhecida, autor de novelas da Rede Globo e escritor de livros e crônicas, não dá à ninguém – mormente um programa de televisão, o direito de utilização da sua imagem sem consentimento, ainda que com o fim de “entretenimento”.
Ora, a liberdade de imprensa não pode ser exercida com desrespeito, seja em relação à coletividade que recebe a mensagem midiática, seja em relação a um cidadão, no caso, o ora Agravante, colocado em situação de absoluto constrangimento e ridículo, conforme se verifica do vídeo trazido aos autos.
Diante de todo o exposto, presentes os requisitos que autorizam o deferimento da tutela antecipada, antes mesmo de aperfeiçoado o contraditório, com fundamento no artigo 273, I do CPC, diante da existência da prova inequívoca do alegado e da possibilidade do dano irreparável ou de difícil reparação, não se podendo olvidar que se trata de um programa transmitido na TV aberta, em cadeia nacional, sendo provável que o vídeo já esteja sendo veiculado na internet.
Por fim, o artigo 461, §4º, do CPC, autoriza expressamente a imposição de multa diária (até mesmo de ofício), para o caso de descumprimento do comando judicial, aplicando-se também aos casos de antecipação dos efeitos da tutela, multa essa que possui função coercitiva, destinando-se a induzir o réu a cumprir o determinado na decisão que a fixou.
Por tais fundamentos, conheço do recurso e, com fulcro no artigo 557, §1º-A, do CPC, DOU-LHE PROVIMENTO para determinar que a ré, imediatamente: a) se abstenha de exibir as imagens, caricaturas e o nome do autor, com ou sem trocadilhos, no programa “Pânico na Band ou Pânico na TV” ou nas suas chamadas; b) providencie a retirada do ambiente da internet (inclusive no youtube), das imagens, caricaturas e o nome do autor, com ou sem trocadilhos, inseridas no programa “Pânico na Band ou Pânico na TV”; c) se abstenha, por qualquer dos seus prepostos, de perseguir ou assediar o autor para que ele participe do programa “Pânico na Band ou Pânico na TV”; d) fixa-se multa de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) por exibição indevida, nos termos do acima determinado.
Publique-se, intimem-se.
Rio de Janeiro, 13 de julho de 2012.
Des. ELISABETE FILIZZOLA
Relatora