A juíza de Direito Carmen Cristina F. Teijeiro e Oliveira, da 5ª vara da Fazenda Pública de SP, julgou parcialmente procedente ação ajuizada por Maristela Basso e anulou concurso da USP para cargo de Professor Titular de Direito Comercial Internacional.
Em abril de 2011, o TJ/SP reformou a decisão de 1ª instância que indeferiu o pedido de antecipação de tutela.
De acordo com a autora da ação, a banca examinadora do concurso sofreu alterações que a descaracterizou por completo, "a ponto de não contar com um especialista em Direito Internacional para avaliar os candidatos".
Ao analisar o mérito da ação, a juíza Carmen Cristina concluiu que a ilegalidade existia na inserção de um segundo membro na banca com formação não jurídica., quando todos os professores estrangeiros indicados recusaram o convite para participar da comissão.
"A ata da reunião da Comissão não estabelece se o membro estrangeiro deve ou não ter formação jurídica. Não obstante, extrai-se dos currículos de fls. 75/126, que todos os membros estrangeiros indicados pela Congregação possuíam formação jurídica. Assim, diante da impossibilidade destes professores estrangeiros comporem a comissão, reputo ter havido inegável alteração da estrutura inicialmente estabelecida ao substituí-los por um professor nacional de formação não jurídica", sentenciou.
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Processo : 0045865-38.2010.8.26.0053
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SENTENÇA
Processo nº: 0045865-38.2010.8.26.0053
Classe - Assunto Procedimento Ordinário - Concurso Público / Edital
Requerente: Maristela Basso
RequeridoLitisconsorte
Passivo:
Universidade de São Paulo - USP e outro, JOSÉ AUGUSTO FONTOURA COSTA
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Carmen Cristina Fernandez Teijeiro e Oliveira
VISTOS.
MARISTELA BASSO ajuizou a presente AÇÃO DECLARATÓRIA, pelo rito ordinário, em face de UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO e JOSÉ AUGUSTO FONTOURA COSTA, alegando, em síntese, a existência de nulidades no concurso para professor titular da Faculdade de Direito da USP, notadamente em razão da substituição dos titulares da banca examinadora, sendo que os substitutos não apresentavam conhecimento aprofundado na área de direito do comércio internacional. Requereu, assim, a procedência da ação, a fim de que seja declarada a nulidade, em parte, do processo administrativo, com a formação de nova banca examinadora para refazimento do concurso ou, subsidiariamente, a declaração de nulidade total, com abertura de novo concurso.
Houve pedido de tutela antecipada (fls. 02/35).
Com a inicial vieram a procuração e os documentos de fls. 36/463.
A tutela antecipada foi indeferida as fls. 464/465, decisão contra a qual foram opostos embargos de declaração, que restaram rejeitados. Após, foi interposto recurso de agravo de instrumento, ao qual foi dado provimento.
Regularmente citado, o corréu JOSÉ AUGUSTO FONTOURA COSTA apresentou contestação, na qual arguiu, preliminarmente, a falta de interesse processual. No mérito, sustentou a desnecessidade de especialização no tema do concurso para a constituição da comissão julgadora, bem como que, no caso em tela, a composição desta se deu nos moldes previstos pela Congregação. Por fim, informou que a referida Congregação homologou o resultado do concurso (fls. 522/550).
Já a corré UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO sustentou a regularidade na composição da banca examinadora, por não haver exigência de especialista da área na sua composição. Acrescentou, ademais, que os membros da banca possuíam conhecimentos na área do concurso realizado. Aduziu, ainda, que houve preclusão do direito da autora de questionar a decisão que designou a comissão julgadora (fls. 586/604).
Adveio réplica as fls. 747/755.
O feito foi saneado em decisão de fls 799, sendo designada audiência de instrução e julgamento. Opostos embargos de declaração, os mesmos não foram acolhidos, decisão contra a qual foi interposto recurso de agravo de instrumento, o qual perdeu o objeto pelo cancelamento da audiência.
As fls. 1045/1047 foi proferida decisão que indeferiu a produção de prova pericial, decisão contra a qual foram opostos embargos de declaração, os quais foram rejeitados.
É O RELATÓRIO.
DECIDO.
Conforme já exposto na decisão de fls. 1.045/1.047, que não foi objeto de recurso de agravo de instrumento, a solução da presente demanda prescinde de dilação probatória.
Com efeito, reside a irresignação da autora em suposta alteração substancial da composição da comissão julgadora, em desobediência aos termos do edital, do Regimento Interno da Universidade, bem como das normas estabelecidas pela Congregação, e ainda pela inexistência de especialista na área específica de arguição.
Conclui-se, pois, que a prova é exclusivamente documental, e que a apreciação se restringe à análise de currículos lattes, editais, regimentos e atas de reuniões da Congregação, mostrando-se absolutamente descabida a pretensão de degravação de mídia de procedência desconhecida, com a finalidade de avaliar-se o nível de conhecimento jurídico dos membros da comissão, ou ainda, a obtenção de informações acerca de trocas de mensagens eletrônicas entre membros da comissão e candidatos ao preenchimento da vaga, porquanto supostos favorecimentos pessoais em prejuízo da autora não foram descritos na inicial e, portanto, não são objeto da presente ação.
Afasto, ademais, a preliminar de falta de interesse de agir, pois a preclusão administrativa operada pela ausência de impugnação tempestiva ao edital e aos nomes dos possíveis componentes da Comissão estabelecidos pela Congregação não tem o condão de impedir a discussão judicial da questão por meio desta ação, que se revela adequada ao fim a que se destina.
E, no mérito propriamente dito, a ação é procedente.
No que se refere à formação da Comissão Julgadora, o edital do concurso em tela, para preenchimento de cargo de Professor de Direito Comercial Internacional da Universidade de São Paulo, não faz qualquer referência, limitando-se a estabelecer os requisitos a serem atendidos pelos candidatos.
Já o Regimento Interno da Universidade assim dispõe sobre a questão:
"Art. 186 – A comissão julgadora de concurso para o cargo de professor titular será formada por cinco professores titulares, indicados pela Congregação, por proposta do Departamento, dos quais, no mínimo um e no máximo dois, da própria Unidade."
Assim, o Regimento determina apenas que no máximo dois dos cinco componentes da Comissão poderão ser professores titulares da própria Unidade, sendo que o detalhamento da formação desta Comissão, especialmente no que se refere a sua estrutura, cabe à Congregação.
E, assim, em obediência ao artigo supra transcrito, o Departamento de Direito Internacional da USP indicou os professores titulares e seus suplentes à Congregação (73/74), a qual aprovou os nomes sugeridos, com exceção de dois, indicando em substituição a estes, para comporem a comissão como membros TITULARES, o Professor Hélio Nogueira, e a Professora Paula Andrea Forgioni (fls. 146/147).
Ocorre que os outros três membros titulares da Comissão sugeridos pelo Departamento de Direito Internacional e indicados pela Congregação, recusaram os convites, assim como todos os membros estrangeiros (fls. 606/614).
Neste ponto, oportuno esclarecer que a Congregação estabeleceu a estrutura da Comissão Julgadora, a fim de que fosse composta de dois professores titulares da unidade, um professor estrangeiro, e dois professores nacionais não pertencentes à unidade, sendo um com formação jurídica, e outro com formação não jurídica.
Na mesma oportunidade, indicou os titulares, bem como todos os membros suplentes.
Em razão das recusas à alguns convites formulados, a Comissão Julgadora acabou mantendo, dentre os titulares, os dois supra referidos, que haviam sido originalmente indicados pela própria Congregação, e outros três que haviam sido aprovados na condição de suplentes, dentre eles, dois membros com formação não jurídica não pertencentes à unidade, a saber, Maria Arminda do Nascimento Arruda e Hélio Nogueira da Cruz, e como membro de formação jurídica não pertencente à unidade, o Professor Fábio Ulhôa Coelho.
Absolutamente sem razão à autora no que concerne à irresignação quanto à convocação dos suplentes.
Ora, todos os suplentes convocados para assumir a condição de membros titulares foram devidamente aprovados pela Congregação.
Ademais, a função deles é justamente a de substituir os titulares em qualquer eventualidade, de forma que não há como acolher a alegação de que eles foram aprovados apenas como "suplentes". Ao indicar e aprovar estes nomes, tanto o Departamento de Direito Internacional, como também a Congregação, e os próprios candidatos, tinham plena ciência de que eles poderiam vir a ser titulares da comissão, notadamente porque os convites ainda não haviam sido realizados, e provavelmente haveria recusas.
Tendo sido indicados como suplentes, a sua inserção como membros titulares da comissão é absolutamente legal.
Igualmente não há como acolher a alegação de que os membros com formação não jurídica da comissão desconheciam conceitos básicos de Direito Internacional.
É óbvio e ululante que pessoas não graduadas em direito certamente não terão a mesma compreensão de determinados temas como um bacharel, sendo que o argumento da autora desborda os estreitos limites da obediência à composição da comissão e alcança a sugestão do DIN e a indicação da Congregação quanto a esta categoria de membros.
Embora repute tratar-se de decisão que se insere no âmbito da conveniência e oportunidade da própria Universidade, e portanto, alheia à apreciação judicial, considero adequada e sadia a existência deste membro com formação não jurídica na banca examinadora.
De fato, conforme consignou o jurista Miguel Reale, relator da decisão da Congregação que aprovou os nomes da Comissão Julgadora e de seus suplentes, a indicação de um membro não jurídico se justifica, na medida em que a área de Direito Internacional na Universidade de São Paulo atua de forma estreita com sociólogos, economistas, e outros profissionais no Instituto de Relações Internacionais, sendo de sua essência a interdisciplinaridade, de forma que a existência deste membro não jurídico proporciona uma visão distinta e necessária à adequação do candidato ao cargo pretendido.
Insta salientar que o Instituto referido era presidido à época por Maria Arminda do Nascimento Arruda, graduada em Ciências Sociais, com mestrado e doutorado em Sociologia, pela Universidade de São Paulo, onde também é vice-reitora (fls. 664), e que foi indicada para formar a comissão como membro de formação não jurídica não pertencente à Unidade.
Conclui-se, pois, que não se tratou de uma escolha desmotivada ou ilegal, razão pela qual não cabe ao Poder Judiciário imiscuirse no seu conteúdo, porquanto o mérito, como já exposto, é de exclusiva pertinência da Universidade.
Não há, outrossim, obrigatoriedade no Regimento Interno, a que os membros da comissão julgadora sejam especialistas na área de arguição.
É evidente que não se pode admitir uma banca composta de membros que não estejam familiarizados com o tema, mas igualmente não podem ser impostos requisitos não previstos pelas normas de regência.
E, no caso dos autos, os currículos lattes dos membros da comissão julgadora demonstram que eles tinham vasto conhecimento na área, o qual lhes qualificava para dela participar.
Com efeito, verifica-se que a Professora Paula Andréa Forgioni é Professora Titular de Direito Comercial da USP, e tem várias atividades acadêmicas na área de Direito Comercial e Estrangeiro (fls. 318/331); o Professor Luis Eduardo Schoueri é Professor Titular de Direito Tributário da USP, e ostenta inegável conhecimento em Direito Internacional, possuindo inclusive mestrado e formação complementar na Universidade de Munique (fls. 335/339); O Professor Fábio Ulhôa Coelho é Professor Titular de Direito Comercial da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e também tem atividades acadêmicas relacionadas ao Direito Comercial e Direito Comercial Internacional (fls. 632/650); O Professor Hélio Nogueira da Cruz era vice-reitor da USP e tem pós-doutorado em economia na Universidade de Yale, EUA, o que revela sua intimidade com a área internacional, além de outras atividades acadêmicas relacionadas (fls. 650/663); no mesmo sentido é o currículo da Professora Maria Arminda do Nascimento Arruda, já citada acima (fls. 664/691).
A ilegalidade reside, contudo, na inserção de um segundo membro com formação não jurídica.
Como já exposto acima, todos os professores estrangeiros indicados pela Congregação recusaram o convite para participar da comissão julgadora do concurso, razão pela qual, em razão do esgotamento desta a substituição se deu por um outro membro com formação não jurídica e não pertencente aos quadros da unidade.
É certo que a ata da reunião da Comissão não estabelece se o membro estrangeiro deve ou não ter formação jurídica.
Não obstante, extrai-se dos currículos de fls. 75/126, que todos os membros estrangeiros indicados pela Congregação possuíam formação jurídica.
Assim, diante da impossibilidade destes professores estrangeiros comporem a comissão, reputo ter havido inegável alteração da estrutura inicialmente estabelecida ao substituí-los por um professor nacional de formação não jurídica.
Compreensível que o requisito "estrangeiro" não pudesse ser atendido, em razão das recusas, do prazo de 180 dias para realizar o concurso, conforme previsto no art. 151, § 2º, do Regimento Interno da Universidade, bem como em decorrência das dificuldades de encontrar profissionais que mantenham intimidade com o assunto, mas a substituição por um membro com formação não jurídica desvirtua totalmente as diretrizes estabelecidas pela Congregação e desnatura a composição da comissão julgadora.
Não se desconhece a informação de que nenhum outro nome indicado pela Congregação com formação jurídica e não pertencente à unidade aceitou o convite.
Não obstante, neste caso, deveria a Congregação ter sido cientificada de tal fato, a fim de buscar a indicação de outros nomes, outras possibilidades, pois é certo que os nomes contidos na ata da Congregação obviamente não esgotam os profissionais nacionais e internacionais ligados à área de arguição.
Inadmissível, contudo, o prosseguimento do concurso em desrespeito a estrutura de composição da comissão julgadora previamente estabelecida pela Congregação.
Importa salientar que nem mesmo a homologação posterior do resultado do concurso pela Congregação tem o condão de sanar a ilegalidade apontada.
Isto porque, extrai-se do relato da ata referida que alguns membros pronunciaram-se a favor da homologação em razão da ausência de impugnação administrativa tempestiva da autora quanto aos membros da comissão, o que fez apenas depois de não ter sido aprovada (fls. 389/398).
Alguns deles consignaram expressamente que concordavam com as colocações da autora, mas que as regras alusivas ao momento da impugnação não haviam sido observadas e, em razão disso, votavam pela homologação do concurso.
Desta feita, não fosse este fundamento específico, a decisão provavelmente teria sido favorável à autora.
E como já exposto na decisão acerca da preliminar de falta de interesse de agir, este impedimento não se verifica nesta via judicial.
Ademais, ainda que assim não fosse, a homologação da Congregação não impede o reconhecimento judicial da nulidade.
Inadmissível, outrossim, adotar-se o raciocínio de que o corréu José Augusto Fontoura Costa foi aprovado por unanimidade e, a alteração de um único membro da comissão não teria o condão de modificar o resultado.
Isto porque, a inclusão deste membro diferente poderia implicar em performances distintas, tanto pela autora, como também pelo corréu, e ensejar aplicações de notas diversas daquelas que foram aplicadas, não apenas à autora, mas também ao próprio corréu.
E a diferença das atuações dos candidatos poderia influenciar não apenas nas notas aplicadas por este examinador em particular, mas também pelos outros.
Em verdade, não há como saber se, presente o membro estrangeiro, ou ao menos um outro membro com formação jurídica, o resultado seria distinto.
Fato é que assiste à autora e a todos os demais candidatos o direito de ver respeitadas as diretrizes do concurso estabelecidas pelo órgão competente.
Anoto, contudo, por fim, que não cabe ao Poder Judiciário determinar que a Universidade requerida prossiga com o concurso cuja anulação parcial ora se declara, porquanto tal decisão é ato discricionário que lhe compete exclusivamente.
Posto isto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, para o fim de anular o concurso de edital nº 10/09, para preenchimento do cargo de Professor Titular de Direito Comercial Internacional da Universidade de São Paulo, a partir do ato de publicação dos nomes da comissão julgadora pela assistente acadêmica (fls. 149/150).
Tendo a autora sucumbido em parte ínfima do pedido, arcarão os réus, em proporções iguais, com o pagamento de custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios, os quais arbitro em R$ 5.000,00, devidamente atualizados.
P.R.I.
São Paulo, 11 de junho de 2012.
Carmen Cristina F. Teijeiro e Oliveira
Juíza de Direito