De acordo com os autos, o contratante adquiriu em janeiro de 2009 apólice de seguro para o veículo de seu irmão. Em maio do mesmo ano, por volta de 3h da manhã, uma outra mulher dirigia o carro assegurado e sofreu um acidente. Os consumidores afirmaram que o veículo, "Ao tentar desviar de um outro veículo, que trafegava à sua frente, acabou se chocando com um poste, ocasionando perda total".
A seguradora alegou que "negou qualquer tipo de pagamento ao segurado tendo em vista que o veículo, quando da ocorrência do acidente, estava sendo conduzido por pessoa comprovadamente embriagada". O juiz da 5ª vara Cível da comarca de BH julgou procedente o pedido dos segurados e condenou a empresa ao pagamento da indenização securitária no valor de R$ 17.845, indicado na tabela da FIPE - Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas.
A fornecedora de seguros recorreu alegando que "houve agravamento do risco pela ingestão confessada de álcool, o que implica em perda do direito à garantia". O pedido foi acatado pelo relator do recurso, desembargador José Marcos Rodrigues Vieira, que afirmou que "a sentença merece ser reformada para se julgar improcedente o pedido inicial". De acordo com ele, a cláusula contratual que afasta a cobertura no caso de embriaguez do condutor do veículo não é abusiva, "pois a partir da delimitação dos riscos do contrato de seguro é que são feitos os cálculos atuariais e definidos os valores dos prêmios e das indenizações".
O relator, acompanhado dos desembargadores Francisco Batista de Abreu e Sebastião Pereira de Souza, concluiu que "o fato de a condutora do veículo segurado estar embriagada foi decisivo, tendo a autora contribuído intencionalmente para a ocorrência do sinistro, o que afasta o dever indenizatório da seguradora".
-
Processo: 1227833-34.2010.8.13.0024
__________
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Apelação Cível nº 1.0024.10122783-3/001
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em DAR PROVIMENTO AO APELO.
Belo Horizonte, 06 de junho de 2012.
DES. JOSÉ MARCOS RODRIGUES VIEIRA
RELATOR
V O T O
Trata-se de apelação cível interposta por Liberty Seguros S.A. da sentença que, nos autos da Ação de Cobrança que lhe move R.L.V. e A.V., reconheceu a ilegitimidade ativa do segundo autor e julgou parcialmente procedentes os pedidos, condenando a ré ao pagamento da indenização securitária no valor de R$17.845,00, devendo o autor devolver o veículo (salvado) e os documentos para transferência.
Apela a ré, alegando que há nexo de causalidade entre o estado de embriaguez da condutora do veículo e o acidente, não havendo fator externo que tivesse provocado o descontrole direcional. Aduz que houve agravamento do risco pela ingestão confessada de álcool, o que implica em perda do direito à garantia. Pede a reforma da sentença.
Contrarrazões pelo improvimento do recurso.
É o relatório. Decido.
Conheço do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade recursal.
Data venia do entendimento do Digno Magistrado singular, a sentença merece ser reformada, para se julgar improcedente o pedido inicial.
É incontroversa nos autos a contratação de seguro entre as partes.
Também não há dúvida quanto à ocorrência do acidente envolvendo o veículo segurado, no momento em que era conduzido pela Sra. V.G.S.M.
A divergência se instaurou em função da negativa de pagamento da indenização pela Ré, ora Apelante, fundamentada na justificativa de que a condutora havia ingerido bebida alcoólica, o que excluiria a cobertura securitária.
De fato, a cláusula contratual que afasta a cobertura no caso de embriaguez do condutor do veículo não é abusiva, pois a partir da delimitação dos riscos do contrato de seguro é que são feitos os cálculos atuariais e definidos os valores dos prêmios e das indenizações, consoante determina o Código Civil de 2002:
“Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados”.
“Art. 760. A apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário”.
O segurador somente pode responder pelos riscos predeterminados, sob pena de se configurar o desequilíbrio contratual. Cláusula limitativa de risco não significa necessariamente abusividade contratual, prática vedada pelo Código de Defesa do Consumidor.
Ademais, a mencionada cláusula foi redigida de acordo com a orientação do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a embriaguez do condutor só exclui a responsabilidade da seguradora se for comprovadamente determinante para o sinistro:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEGURO DE VIDA. EMBRIAGUEZ DO CONDUTOR DO VEÍCULO. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A EMBRIAGUEZ E O SINISTRO. ALEGAÇÃO DE VALORAÇÃO INDEVIDA DAS PROVAS COLACIONADAS AOS AUTOS. REEXAME DE CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS DO CASO. SÚMULA 7/STJ.
1. A jurisprudência desta Eg. Corte firmou-se no sentido de que a constatação do estado de embriaguez do condutor do veículo, mesmo nos casos em que a dosagem etílica no sangue se revela superior à permitida em lei, não é causa apta, por si só, a eximir a seguradora de pagar a indenização pactuada. Ao revés, para que tenha sua responsabilidade excluída, tem a seguradora o ônus de provar que a embriaguez foi a causa determinante para o ocorrência do sinistro. (...) (AgRg no Ag 1322903-RS - Relator: Ministro RAUL ARAÚJO - Julgamento: 01/03/2011)
Eis o teor da cláusula: O presente Contrato de Seguro não cobre reclamações e/ou ações e respectivas decisões judiciais resultantes de: (...) danos decorrentes de acidente envolvendo o veículo segurado quando dirigido por pessoa sob o efeito de álcool ou drogas e entorpecentes, desde que comprovado que o estado de embriaguez/entorpecimento foi o causador do acidente.
No caso destes autos, restou incontroverso que a condutora do veículo, no momento do acidente, estava sob efeito de álcool, conforme afirmação dela própria, constante do Boletim de Ocorrência juntado pelo autor (f. 27).
Diante do conjunto probatório dos autos, mister concluir que o fato de a condutora do veículo segurado estar embriagada foi decisivo, tendo a autora contribuído intencionalmente para a ocorrência do sinistro em questão, o que afasta o dever indenizatório da seguradora, consoante regra do art. 768, do Código Civil. Não é possível dissociar tal fato da causação do sinistro, mormente porque não há outro veículo envolvido no acidente (segundo B.O. de f. 24/27), tendo a condutora perdido o controle direcional ao desviar de outro veículo, colidindo frontalmente com um poste.
Consta, ainda, do Boletim de Ocorrência, que a condutora apresentava sintomas de embriaguez (mas se recusou a soprar o etilômetro), andar cambaleante, fala desconexa e olhos avermelhados. Ainda que a autora tenha tido leve traumas no crânio e no tórax, além de lesão na língua, tenho que tais fatos não afastam a embriaguez constatada pela autoridade policial, especialmente porque a condutora admitiu ter ingerido bebida alcoólica.
Assim, confirmada a embriaguez da condutora, incontroverso que esta situação combinada com a direção de um automóvel, por si só, já representa um risco de acidentes.
Sobre o tema, leciona RUI STOCO:
"O álcool, inclusive em pequenas doses, como salienta Mário Arango Palácio, citado por Geraldo Faria Lemos Pinheiro deprime os centros coordenadores do cérebro e retarda sensivelmente as reações normais do condutor experimentado. Em conseqüência, apesar de sua lucidez mental aparente e de sua habilidade ao volante, o condutor que tenha ingerido bebidas embriagantes tarda muito mais que o normal em atuar ante circunstâncias imprevistas, o que é causa de numerosos e graves acidentes de trânsito.
Fato que se torna realmente arriscado é conduzir veículo depois de haver ingerido álcool, pois os transtornos neuromusculares (como retardos nas reações psicomotoras, diminuição da atenção e perturbação dos reflexos com aumento do tempo de reação) ocorrem muito antes de aparecerem sintomas de embriaguez, de modo que nem o condutor nem aqueles que o acompanham dão conta do transtorno, até que surge uma circunstância imprevista que exige decisão e reação rápidas da parte do condutor, mas então as decisões e reações rápidas são impossíveis porque existe álcool no organismo, mesmo sendo em pequena quantidade". ("Embriaguez ao volante", JTACSP 48/23 - apud, "Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial", Revista dos Tribunais, 7ª edição,São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2007, p. 1510).Neste sentido, a orientação jurisprudencial:
AÇÃO DE COBRANÇA. ACIDENTE DE TRÂNSITO. CONDUTOR DO VEÍCULO SEGURADO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ COMPROVADO. AGRAVAMENTO DO RISCO. NEGATIVA DE PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. LEGALIDADE. Comprovada a embriaguez do condutor do veículo segurado por boletim de ocorrência, o qual goza de presunção juris tantum de veracidade, corroborado por depoimentos de testemunhas do acidente, constata-se o agravamento do risco previsto no art. 768 do Código Civil. Assim, não afastado por provas robustas o nexo de causalidade entre o estado de embriaguez do condutor e o acidente, legítimo se mostra o afastamento da cobertura. (TJMG - Número do processo: 1.0672.07.274156-0/001 - Relator: DUARTE DE PAULA - DJ: 20/05/2009)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ DO SEGURADO. IMPRUDÊNCIA NA CONDUÇÃO DO VEÍCULO. AGRAVAMENTO DO RISCO. INDENIZAÇÃO AFASTADA. 1. No presente caso, o segurado, ao dirigir em estado de embriaguez e em alta velocidade, aumentou voluntariamente os riscos de acidente, infringindo, assim, o disposto no art. 1.454 do CC/1916 e a cláusula 13 do contrato, o que afasta a indenização ora requerida. 2. O ato de agravar os riscos abrangidos pela apólice afeta o princípio da boa-fé e do equilíbrio contratual, acarretando para a seguradora o dever de arcar com obrigações não pactuadas, o que não se pode admitir. 3. Recurso a que se nega provimento. (TJMG - Número do processo: 1.0372.02.000266-6/001 - Relator: WAGNER WILSON - DJ: 14/02/2008)
COBRANÇA. SEGURO. ESTADO DE EMBRIAGUEZ COMPROVADO. AGRAVAMENTO DO RISCO. NEGATIVA DE PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. LEGALIDADE. Comprovada a embriaguez do condutor do veículo segurado por avaliação neurológica do condutor do veículo, constata-se o agravamento do risco previsto no art. 768 do Código Civil. (TJMG - Número do processo: 1.0024.08.138083-4/001 - Relator: Des.(a) MOTA E SILVA - DJ: 11/08/2009)
Assim sendo, com estes fundamentos, dou provimento ao recurso, reformo a sentença apelada e julgo improcedente o pedido inicial.
Custas processuais e honorários advocatícios, estes que ora arbitro em R$ 2.000,00, pelo autor, suspensa a exigibilidade por litigar sob o pálio da justiça gratuita.
DES. FRANCISCO BATISTA DE ABREU (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. SEBASTIÃO PEREIRA DE SOUZA - De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO"