Diz a autora da ação que, diante do cancelamento de dois voos e do tratamento não cordial dispensado pelos funcionários da empresa, sofreu prejuízos de ordem moral.
A desembargadora Ligia Araújo Bisogni, relatora, reconheceu ser a relação entre as partes tipicamente de consumo, sendo a passageira, indiscutivelmente, destinatária final dos serviços prestados, nos exatos termos do artigo 2º da lei 8.078/90 (CDC).
Segundo a magistrada, pelo fato de a empresa aérea não ter propiciado o embarque da passageira nos voos contratados, somado ao descaso com a situação provocada, de fato causou à autora situação incômoda, constrangedora e inafastável humilhação.
Com essa atitude, houve descumprimento contratual por parte da empresa aeroviária, uma vez que ela não forneceu a devida segurança e atendimento contratados pelo cliente.
O escritório Azevedo Neto Advogados patrocinou a causa.
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Processo: 0063782-35.2010.8.26.0000
Veja a íntegra da decisão.
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PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0063782-35.2010.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é apelante PAULA ABDUL HAK FORTE sendo apelado TAM LINHAS AÉREAS S/A.
ACORDAM, em 14a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "POR MAIORIA DE VOTOS, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO EM PARTE O DES. REVISOR QUE DECLARA VOTO.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores MELO COLOMBI (Presidente sem voto), CARDOSO NETO E PEDRO ABLAS.
São Paulo, 11 de abril de 2012.
LIGIA ARAÚJO BISOGNI
RELATORA
VOTO N°: 12127
APEL. Nº: 0063782-35.2010.8.26.0000
COMARCA: SÃO PAULO
APTE.: P.A.H.F.
APDA.: TAM LINHAS AÉREAS S/A.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – Transporte aéreo; de passageiros - Atraso de voo – Descumprimento contratual - Relação de consumo - Aplicabilidade do Código de defesa do Consumidor - Inversão do ônus da prova - Abalo moral caracterizado - Verba indenizatória devida em observância aos princípios da moderação e proporcionalidade - Recurso provido.
Trata-se de ação de indenização por danos morais ajuizada por P.A.H.F. contra TAM Linhas Aéreas S/A, aduzindo, em síntese, que, diante do cancelamento de dois vôos e do tratamento não cordial dispensado pelos funcionários da companhia aérea, tanto na viagem de ida quanto no retorno, sofreu prejuízos de ordem moral. Pugnou, assim, pela condenação da ré no pagamento de verba indenizatória em montante a ser fixado pelo r. Juízo de primeiro grau.
A r. sentença de fls. 74/79, da lavra do d. Magistrado ANDRÉ GONÇALVES FERNANDES, afastou a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e julgou improcedente o pedido, condenando a autora ao pagamento das custas, ^despesas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em R$ 1000,00 (mil reais).
Irresignada, apelou a autora alegando, em síntese, a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, com a inversão do ônus da prova, pugnando pela condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais.
Recurso regularmente processado, com resposta, subiram os autos.
É o relatório.
Respeitada a orientação adotada pelo magistrado ANDRÉ GONÇALVES FERNANDES, merece reforma a r. sentença de primeiro grau.
O fato descrito nos autos - atraso devido a cancelamento dos voos de ida e de regresso, prestados pela ré - é incontroverso. Assim, a questão estabelecida no caso em discussão cinge-se na ocorrência da legislação aplicável, bem como ao prejuízo moral advindo do fato.
A hipótese é típica de relação de consumo - transporte aéreo de passageiro - sendo a apelante destinatária final do serviço prestado, portanto, aplicável, ao caso, as regras inseridas no Código de Defesa do Consumidor, em prejuízo às normas insertas em Convenções Internacionais, como a Convenção de Montreal ou a Convenção de Varsóvia.
O dano moral, de outro lado, é facilmente perceptível, merecendo reforma a r. sentença, pois dúvida não há que, em razão do ocorrido, a apelante viu-se numa situação, no mínimo, incômoda, constrangedora e de inafastável humilhação.
O ato praticado pela apelada, e em que se funda o pedido indenizatório, foi não ter propiciado os embarques da apelante nos horários contratados, cujo cancelamento, do voo de ida - com a retirada dos passageiros com destino a Salvador, para o ingresso de passageiros com destino à Brasília – resultou no atraso de 2 (duas) horas para a chegada na Bahia. E o mesmo ocorreu quando de seu regresso a São Paulo, com o cancelamento do voo JJ 3175, quando foram acomodados no voo JJ 3897, com decolagem para pouco mais de uma hora depois do primeiro.
Logicamente, tal atitude constituiu descumprimento contratual, pois a companhia aérea tinha a obrigação de embarcar a apelante nos voos por ela contratados, na conformidade das respectivas passagens aéreas e nos horários estipulados.
O descumprimento do contrato, salvo as hipóteses legais de caso fortuito ou foiça maior, obriga o contratante faltoso a indenizar os danos materiais e morais causados ao outro contratante.
No caso, não se comprovaram as alegações da companhia aérea no sentido de que o embarque da autora não teria ocorrido diante de problemas mecânicos na aeronave que pudessem colocar em risco a segurança dos passageiros.
Além do mais, suposta falha mecânica na aeronave não serve para caracterizar caso fortuito, pois as condições adequadas do meio de transporte, e aqui se incluem o: tipo da aeronave, segurança, e tudo mais que se oferta para atrair o público e tornar um negócio economicamente rentável deve ser considerado, haja vista que a apelada dispõe de um número expressivo de aeronaves modernas e equipadas para concorrer nesse, mercado internacional aéreo.
No caso, como apontado pela apelante, quando de sua ida à Bahia, causa estranheza a alegação de que a aeronave passaria por manutenção inesperada, havendo, em seguida, a "troca" dos passageiros com destino a Salvador, por passageiros com destino à Brasília. Ocorrendo o cancelamento do voo, devido à manutenção de emergência, inesperada, a aeronave não iniciaria, imediatamente, nova viagem.
De outro lado, não há controvérsia que a autora foi deixada em desamparo, o que caracteriza como defeituoso o serviço prestado, devendo, por essa razão, reparar os danos suportados, haja vista não ter fornecido a segurança e atendimento no momento que precisavam, da maneira contratada.
No caso, houve dano causado à apelante, por culpa da conduta da empresa aérea, sendo legítima a pretensão indenizatória daquela.
A respeito do; tema, AÍRTON ROCHA NÓBREGA assevera:
"Ressumbra induvidoso, assim, ante o que dispõem as normas em vigor, que o ato irregular que se permitem praticar algumas empresas de transporte aéreo, impingindo ao usuário a perda de compromissos e a frustração de programas previamente ajustados, não se justifica e não pode deixar de ser tratada como grave infração ao direito do usuário e ao dever de prestar serviço adequado. O descaso e o desrespeito devem, em tais circunstâncias, ensejar a respectiva reparação dos danos causados da forma mais completa e abrangente possível, inclusive no plano meramente moral, quando não se puder quantificar e demonstrar danos materiais". (Overbooking e reparação de danos - Revista Jurídica A Priori).
O dano, moral, no caso, é facilmente perceptível, pois dúvida não há que, em razão do ocorrido, a apelante viu-se numa situação, no mínimo, incômoda, assim cabível a pleiteada indenização por danos morais, pois: "o simples atraso no voo, de per si, já caracteriza a prestação de serviço como inadequada, posto que o contrato de transporte é de resultado, sendo irrelevante a demonstração dos danos suportados pêlos passageiros (arts. 14 e 20 do CDC). Ao descumprir as normas que regulam o transporte aéreo de;passageiros em razão de seus próprios interesses, origina-se a responsabilidade civil da companhia aérea em indenizar o incômodo causado ao seu passageiro. A obrigação de indenizar das companhias aéreas é objetiva, pois se trata de companhia concessionária de serviço público de transporte aéreo (§ 6o, art. 37, CF), tanto no que tange aos danos patrimoniais, quanto aos danos morais" (TJDF - AC 20000150003805 - 3a T. Cív. - Rei. Des. Campos Amaral - D JU 17.05.2000).
Por fim, no que diz respeito ao "quantum" indenizatório, é cediço que o ressarcimento do dano moral há de ser arbitrado com moderação, devendo-se levar em conta a gravidade e a repercussão da ofensa, a posição social do ofendido e a situação econômica do ofensor. Outrossim, não se pode perder de vista que o ofensor deve ser penalizado, mas também não se admite que o pretendido ressarcimento seja fonte de lucro para o ofendido.
Assim, diante das circunstâncias fáticas que nortearam o caso presente, pelos transtornos causados à autora, fixo indenização por dano moral em R$ 7.000,00 (sete mil reais), montante que está em consonância com a atual jurisprudência a respeito da matéria aqui tratada, corrigido monetariamente desde a data desta decisão (Súmula 362, do STJ) e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir do evento danoso, conforme entendimento do STJ (REsp 1132866-SP), porque a eficácia da contrapartida pecuniária está na aptidão para proporcionar tal satisfação em justa medida, de modo que tampouco signifique um enriquecimento sem causa da vítima, mas está também em produzir no causador do mal, impacto bastante para dissuadi-lo de igual.e novo atentado.
Pelo exposto, dou provimento ao recurso da autora para julgar procedente a ação, condenando a apelada no pagamento da indenização por danos morais no valor acima mencionado, invertendo-se, assim, os ônus sucumbenciais, carreando à vencida o pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 20% sobre valor corrigido da condenação.
LIGIA ARAÚJO BISOGNI
RELATORA
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