Em 2008, Rogério Ceni levou uma multa de trânsito com um veículo de uma empresa e, erroneamente, assinou seu nome no campo reservado ao proprietário do carro. O espaço destinado ao condutor foi preenchido por um despachante com os dados de uma outra condutora, que perdeu pontos na CNH - Carteira Nacional de Habilitação em decorrência da infração cometida pelo jogador.
Os impetrantes Antônio Claudio Mariz de Oliveira, Sérgio Eduardo Mendonça de Alvarenga e Gustavo Francez alegaram ausência de justa causa contra o paciente. Segundo eles, a "assinatura no campo 'proprietário do veículo' é absolutamente irrelevante para a consumação do crime em questão, já que a falsidade perpetrada era indiferente para que o paciente obtivesse a alteração da verdade jurídica que a própria acusação imputou como desejada: transferência de pontos".
De acordo com o desembargador designado Guilherme G. Strenger, "não há falar-se em falta de justa causa para a instauração da ação penal, pois a questão veiculada no writ exige análise da matéria probatória".
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Processo: 0261026-35.2011.8.26.0000
Veja a íntegra da decisão.
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n° 0261026-35.2011.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é paciente ROGÉRIO CENI, Impetrantes ANTÔNIO CLÁUDIO MARIZ DE OLIVEIRA, SÉRGIO EDUARDO MENDONÇA DE ALVARENGA e GUSTAVO FRANCEZ.
ACORDAM, em 11a Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "POR MAIORIA DE VOTOS, DENEGARAM A ORDEM, CASSADA A LIMINAR, VENCIDO O RELATOR SORTEADO QUE A CONCEDIA, NOS TERMOS DE SUA DECLARAÇÃO DE VOTO. ACÓRDÃO COM O 2º JUIZ.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores XAVIER DE SOUZA (Presidente sem voto), GUILHERME G.STRENGER, vencedor, ANTÔNIO MANSSUR, vencido e MARIA TEREZA DO AMARAL.
São Paulo, 4 de abril de 2012.
GUILHERME G.STRENGER
RELATOR DESIGNADO
VISTOS.
Os advogados Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, Sérgio Eduardo Mendonça de Alvarenga e Gustavo Francez impetram a presente ordem de habeas corpus em favor de ROGÉRIO CENI, que se encontra respondendo a processo-crime (n° 0072535-93.2008.8.26.0050), perante o MM. Juízo da 4a Vara Criminal da Capital, por suposta infração ao artigo 299 do Código Penal.
Alegam, em síntese, estar o paciente sofrendo constrangimento ilegal, por ver-se processado em ação penal carente de justa causa, devido à atipicidade objetiva e subjetiva da conduta, eis que: a) "não existe qualquer evidência (...) acerca de um suposto liame subjetivo entre o paciente e o denunciado Dorival Soares" (fls. 08); b) a conduta do paciente, consistente na "assinatura no campo 'proprietário do veículo' (fls. 09): b.1) é absolutamente irrelevante para a consumação do crime em questão, já que a falsidade perpetrada era indiferente para que o paciente obtivesse a alteração da verdade jurídica que a própria acusação imputou como desejada: transferência de pontos" (fls. 09); b.2) "não tem o condão de evidenciar adesão dolosa do paciente á indigitada prática criminosa" (fls. 09); c) "quanto ao proprietário, qualquer formulário ou questionamento seria despiciendo, pois o DETRAN possui tal informação em seus arquivos" (fls. 17). Sustentam, ainda, que, não ostentando o paciente registro de pontuação em sua Carteira Nacional de Habilitação, não possuiria ele razão para "se arriscar a passar quatro pontos para a habilitação de um estranho" (fls. 57).
Por esses motivos, pleiteiam o deferimento de liminar e, ao final, a concessão da ordem, a fim de que seja trancado o feito originário.
Deferida a liminar (fls. 28/29), foram requisitadas e prestadas informações (fls. 34/35), tendo a douta Procuradoria Geral de Justiça opinado pela denegação da ordem (fls. 50/53, 80/88 e 96/97).
É o relatório.
De acordo com as informações prestadas pela douta autoridade apontada como coatora, o paciente foi denunciado como incurso no artigo 299 do Código Penal.
Postula-se, neste writ, o trancamento da ação penal instaurada em desfavor do paciente, por ausência de justa causa - em razão da atipicidade objetiva e subjetiva da conduta - e, também, sob o argumento de que, inexistindo qualquer registro de pontuação na Carteira Nacional de Habilitação do acusado, não possuiria ele razão para use arriscar a passar quatro pontos para a habilitação de um estranho" (fls. 57).
Em que pesem os argumentos esposados pelo í. Des. Relator, reputo ser o caso de se denegar a segurança.
Insta salientar, ab initio, que o pleito em questão, por meio de habeas corpust somente comporta cabimento em situações excepcionais, quando ficar evidenciada a ausência de justa causa, sem necessidade de exame mais aprofundado de provas, o que não é o caso dos autos.
Compulsadas as cópias que instruem a presente impetração, constata-se que a denúncia está formalmente em ordem (fls. 36/41 dos autos principais e fls. 01/06 do apenso), contendo todos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal.
Consta que, em data incerta, porém entre os dias 16.01.2008 e 14.02.2008, o paciente, agindo em concurso com o correu Dorival Soares, teria feito inserir e inserido, em formulário de indicação de condutor/infrator (atinente à multa atribuída, em 03.01.2008, ao condutor do veículo de placas DEX-4773/Mauá-SP), declaração falsa e diversa da que devia ser escrita, com o fim de alterar a verdade
sobre fato juridicamente relevante e, com isso, prejudicar direito e criar obrigação em detrimento de Olga de Carvalho Scola.
Assim, vislumbrando-se presentes prova da materialidade delitiva e indícios de autoria – principalmente em virtude da existência, nos autos do feito originário, de laudo de exame documentoscópico (fls. 179 / 1 81 do apenso), atestando que "a assinatura atribuída ao proprietário do veículo aposta na Indicação do Condutor de fls. 74, procedeu do punho de ROGÉRIO CENI" (fls. 181 do apenso) -, não há que se falar em trancamento da ação penal.
A esta altura, aliás, cumpre salientar que, como bem observou o douto Procurador de Justiça preopinante, os elementos indiciários do feito originário estão a demonstrar que "o veículo com o qual se praticou a infração de trânsito foi cedido ao paciente em comodato, rezando o contrato com a sua responsabilidade em caso de multas. Isto afasta a alegação no sentido de que sua inércia em relação à notificação da falta administrativa redundaria nas consequências observadas, como com propriedade explanaram a ilustre subscritora da manifestação copiada a fls. 42/46, acolhida pela douta impetrada (fls. 47/48). A seu turno, a perícia afirmou que a assinatura que consta do documento falsificado emanou do punho do paciente, provando a materialidade do delito cuja autoria é a ele imputada. E, ao contrário do que pretende fazer crer a inicial, as assertivas da inicial a respeito do liame entre as condutas do paciente e as efetivadas pelo correu Dorival Soares não têm o condão de tornâ-la inepta. É certo que o primeiro era responsável pelas infrações de trânsito na condução do veículo apontado e, como tal, assinou o campo destinado ao proprietário do veículo, no documento destinado a apontar seu condutor, o qual foi preenchido falsamente pelo correu, no que diz respeito a tais informações, redundando em falsa atribuição da infração a Olga, que sofreu as conseqüências de tais atos, com a imputação dos respectivos pontos em seu prontuário. Não menos certo é que, para fins de acusação, desnecessário discorrer a respeito do desenrolar dos fatos entre a ação de Rogério e a de Dorival, não se constituindo a afirmativa no sentido de que o paciente contratou pessoa de qualificação ignorada que manteve contato com Dorival ausência de evidência do liame contestado. Por fim, eventual discussão a respeito da atipicidade da conduta, por ausência de dolo, demanda dilação probatória, a qual exige o desenrolar da ação penal que é promovida dentro dos ditames legais em primeiro grau" (fls. 52/53).
Nesse passo, oportuno ressaltar o entendimento esposado pelo saudoso Desembargador SÉRGIO PITOMBO:
"No mais, cumpre notar que justa causa, em palavras simples, cifra-se, de maneira prevalente, no binômio, já mencionado: prova da existência material do fato ilícito e típico e, ao menos, indícios de autoria, ambos em grau necessário, só e unicamente, para acusar, em Juízo. Há quem lhe some a imputabilidade. O trancamento da ação penal, qual modo de julgamento antecipado da causa, proferido em grau superior de jurisdição, importa em admitir-se a improbabilidade da acusação. Precisa a imputação, de modo evidente, ostensivo, irromper inviável, seja em razão da clara atipia da conduta; seja pela ausência completa de meios de prova a arrimá-la; ou, ainda, pela ocorrência manifesta de causa extintiva da punibilidade, por exemplo" (HC n° 259.710).
Ademais, é cediço que, em sede de habeas corpus, não se pode examinar com profundidade, matéria de prova. Apenas quando dos autos emerge ilegalidade flagrante é que o remédio heróico se presta para correção.
Assim, por óbvio que as teses veiculadas pelos impetrantes na petição inicial do presente habeas corpus - as quais se acham minudentemente arroladas no relatório do presente aresto - deverão ser apreciadas, oportunamente, pelo MM. Juízo a quo, pois tais questões, afetas ao mentum causae do feito originário, refogem ao restrito âmbito de cognição do writ, imprestável para exames valorativos de prova Este tem sido o entendimento de nossos Tribunais:
"Não é possível no âmbito estreito do habeas corpus, o exame aprofundado, interpretativo, valorativo ou analítico da prova, para trancamento da ação penal, por falta de justa causa" (Rei. WALTER TINTORI - RJDTACRIM 05/218).
"Em sede de habeas corpus, não é cabível a valoração do quadro probatório para aferição da responsabilidade criminal do paciente. Incabível a concessão de habeas corpus para trancamento de ação penal, se alegada falta de justa causa não se revela indiscutível, exigindo exame aprofundado de provas" (HC n° 1.882/4 - 5a Turma - Rei. Min. FLAQUER SCARTEZZINI - j. 18/08/93 - DJU 20/09/93 - p. 19.184).
"Não constitui o Habeas Corpus medida apropriada para apreciar aspectos que envolvam o exame acurado de elenco probatório. Recurso desprovido" (RHC n° 729/SP - 6a Turma - j. 21 /OS/90 - Rei. Min. WILLIAM PATTERSON - DJU 03/09/90 - RJDTACRIM 08/ 281)
Sendo assim, não há falar-se em falta de justa causa para a instauração da ação penal, pois a questão veiculada no writ exige análise da matéria probatória.
Diante do exposto, revogada a liminar, denega-se a ordem.
GUILHERME G. STRENGER
Relator Designado