Migalhas Quentes

USP terá que devolver doação de R$ 1 mi feita pela família de Pedro Conde

Pedido de devolução foi feito após a Faculdade barrar homenagens que seriam feitas em troca da doação.

21/4/2012

O juízo da 13ª vara de Fazenda Pública de SP condenou a USP a devolver R$ 1 mi que a família do banqueiro Pedro Conde doou à Faculdade de Direito do Largo S. Francisco. O pedido de devolução foi feito pela família do banqueiro, após a Faculdade barrar as homenagens que seriam feitas em troca da doação.

Em 2009, um contrato firmado por João Grandino Rodas, quando era diretor da Faculdade de Direito do Largo S. Francisco, vinculava a doação de verba para a construção de um auditório para 90 pessoas no prédio principal ao batismo da sala com o nome de Conde. Pela tradição, as salas da São Francisco recebem nomes de professores e ex-professores da casa. Após protestos de alunos, a Faculdade retirou o nome dado a duas salas em homenagem ao banqueiro.

O juiz de Direito Jayme Martins de Oliveira Neto considerou que a situação revelou o descumprimento do compromisso firmado no contrato. Situação que, para ele, autoriza revogação da doação.

A família também pediu indenização por danos morais, mas o magistrado rejeitou o pedido. "Não verifico que o descumprimento do contrato, ainda que com encargo sentimental, traga aos autores sofrimento particular que mereça indenização especial", afirmou.

Veja abaixo a íntegra da decisão.

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VISTOS.

Cuida-se de Procedimento Ordinário movido por Pedro Conde Filho em face de Universidade de São Paulo - USP alegando que teria doado um auditório e um conjunto de sanitários a serem construídos na Faculdade de Direito da USP, sendo que os únicos encargos da donatária seria o de nomear o auditório como "Sala Pedro Conde" e o de manter, em suas dependências, um quadro a óleo retratando o seu pai.

Afirma que houve descumprimento do contrato de doação firmado quando foi revogada a homenagem. Pede indenização por danos morais e o ressarcimento do valor despendido. Citada, Universidade de São Paulo - USP contestou o feito, alegando, preliminarmente, a necessidade da citação da Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito para integrar o pólo passivo, tendo em vista sua participação na iniciativa de modernização da Faculdade e em parte do valor doado.

No mérito, sustenta que, de acordo com o contrato firmado, primeiro a obra seria executada e só depois seria submetida aos órgãos colegiados a decisão sobre a atribuição do nome da sala, sem obrigação de resultado assumida. Aduz que não se trata de bem restituível, e que o encargo foi cumprido, ao ser encaminhada a questão para apreciação da Congregação. Oportunizou-se réplica. Foi requerida, pela Universidade de São Paulo a produção de prova testemunhal. Relatados.

FUNDAMENTO e DECIDO.

Afasto a preliminar que requeria a intervenção de terceira, ainda que anuente ao contrato de doação, porque sua participação se resume a colaborar anualmente com a manutenção do auditório e conjunto sanitários, independente do nome a que dado ao local. Nessa senda, sua participação dentro do objeto dos autos é absolutamente estranha à discussão do encargo de doação. Trata-se de ação que visa a revogação de doação por descumprimento de encargo.

Situo o tema.

A doação com encargo é um contrato em que há convergência de vontades para a concessão de um bem mediante execução de um ônus pelo beneficiário. Nas doações mediante encargo, se faz necessário que haja o adimplemento do encargo para o completo aperfeiçoamento do contrato. Do contrário, como se observa no art. 555 do Código Civil vigente, a revogação da doação poderá ocorrer em razão de ingratidão do donatário ou por inexecução do encargo.

No presente caso, observa-se que a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo firmou contrato de doação com o autor o qual dispunha expressamente sobre a intenção de homenagear seu pai. Aí moram o encargo e a discussão sobre a exigibilidade. Dentro do que narra a defesa, a cláusula 2.2, analisada isoladamente supõe que a doação irá posteriormente submeter o encargo à aprovação pela Congregação da Universidade, o que revelaria ou limitaria o alcance da interpretação do encargo, tanto quanto, sinalizaria que se trata de obrigação de meio.

Entretanto, não se interpreta o contrato pela dicção de uma cláusulas, mas as cláusulas pelo teor do contrato. Essa é a disposição que se orienta a partir do art. 112 do Código Civil, de forma que a conclusão evidente dentro do que contratado pelas partes não supõe a impossibilidade do cumprimento do encargo, ou quiçá a ressalva de responsabilidade da donatária, cingindo-se o contratado apenas ao encaminhamento da doação à Congregação da faculdade. O que se extrai efetivamente, permeável do início ao pé do contrato, é a exigibilidade do encargo, razão fundamental da doação, decorrente da honra e dos laços que cercam os doadores.

Assim sendo, considerando que nomear auditório com o nome de pessoa ligada aos doadores constitui inegável honra concedida, de rigor lembrar que o Código Civil é direto em prever que "O donatário é obrigado a cumprir os encargos da doação, caso forem a benefício do doador (...)", a teor do art. 553. Logo, pela vontade do contrato e pela Lei, há aqui indiscutível encargo exigível, quase obrigação principal.

Registre-se, de resultado.

Dentro dessa perspectiva, sobretudo pela redação dada às cláusulas, e mesmo na ótica da cláusula específica 2.2 do contrato de doação com encargo, no sentir do Juízo, não há como presumir a limitação de responsabilidade como mero esforço de nomeação do auditório.

Ainda que tal obstáculo administrativo exista por óbvia organização interna da Universidade, ou mesmo que se discuta a irresponsabilidade da ré em contratar obrigação de ato de terceiro - leia-se Congregação da Universidade - sugerindo-se que essas premissas constituem indiscutível ilegitimidade direta a ato próprio da donatária, caracterizando ato alheio e empecilho ao encargo, tal é tema que se manteve apenas no íntimo da Faculdade, não sendo em qualquer momento do contrato de doação esclarecida aos doadores.

A justificativa de que o ato de nomeação dependeria de aval da Congregação da Universidade jamais se apresentou na superfície do contrato, permitindo-se inferir aos doadores que se tratava de hipótese aparentemente formal, sem maior profundidade.

Ocorre que como se verificou, era questão de absoluta suma importância, dada a perspectiva e autonomia da Congregação, que na hipótese exerceu sua independência, e em recurso administrativo, não confirmou a nomeação pretendida pelos contratantes. Em face disso, no sentir do Juízo, a reserva mental levada a efeito, independente se ao tempo da doação houvesse diálogo entre a Faculdade e a Congregação, tanto quanto alheio às conveniências da Universidade, configura hipótese prevista no art. 110 do Código Civil atual, pelo qual, o que deve prevalecer é a manifestação da vontade das partes contratantes, exceção feita tão somente se o doador possuir conhecimento sobre a reserva mental. Não o caso. Logo, a vontade é de doar mediante encargo. Preserve-se, aqui, a vontade.

Portanto, toda essa dinâmica revela indisfarçável descumprimento do encargo. Situação direta que autoriza revogação da doação. Percebido o inadimplemento do encargo pela donatária, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, acolho as razões do autor para que haja a revogação da doação onerosa.

Contudo, tão somente dos danos materiais, referentes aos valores dispendidos com a realização das obras e investimento em móveis, equipamentos, honorários profissionais, ressalvado do advogado que patrocina o feito, conforme peça inicial e documentos, que não mereceram da contestação, resistência puntual e específica. No que tocam os danos morais, este Juízo não tem admitido o dano moral contratual, conforme farta jurisprudência em mesmo sentido.

De outro lado, ainda que fosse possível, não verifico que o descumprimento do contrato, ainda que com encargo sentimental, traga aos autores sofrimento particular que mereça indenização especial. Para não passar à margem, especificamente em relação aos honorários do advogado que patrocina o feito, tratam-se de evidente despesa do autor para recompor seu patrimônio jurídico que supõe violado, de maneira que configura parte do dano emergente indenizável. Contudo, não há procedência integral, porque não admitido o dano moral pretendido.

Nessa senda, a responsabilidade pelos custos de advogado são concorrentes, na medida em que o autor contratou profissional para pedir mais do que tinha realmente direito. Assim por equidade, fixo o valor, à luz do que vencido, em R$ 40.000,00.

Ante o exposto, julgo PROCEDENTE EM PARTE a ação, com supedâneo no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil para condenar a Ré: 1) à restituição de 1.073.012,70, corrigidos e com juros desde a citação, observada a redação em cada bloco de tempo da Lei Federal 9.494/97; 2) ao pagamento da importância de R$ 40.000,00, contratados como pró-labore ao procurador do autor, para a propositura da demanda, corrigidos e com juros desde a citação, observada a redação em cada bloco de tempo da Lei Federal 9.494/97.

Custas e despesas ex lege. Por força do princípio da causalidade, cada parte arcará com os honorários a que deram causa.

P.R.I.C.

Em caso de eventual recurso, haverá custas de preparo no valor de R$ 24142,52.

Porte de remessa e retorno no valor de R$ 25,00 por volume (os autos encontram-se com 2 volumes).

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