Migalhas Quentes

Juiz estadual não pode invalidar, incidentalmente, registro junto ao INPI

A conclusão é da 3ª turma do STJ.

19/4/2012

A 3ª turma do STJ entendeu que juiz estadual não pode, incidentalmente, considerar inválido um registro vigente de marca, patente ou desenho industrial, perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Nas hipóteses de registro irregular, o terceiro interessado em produzir as mercadorias indevidamente registrada deve, primeiro, ajuizar uma ação de nulidade perante a JF, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela. A conclusão é da 3ª turma do STJ.

A questão teve início quando uma empresa de materiais eletrônicos do Paraná entrou na Justiça com ação de abstenção de uso de desenho industrial e marca cumulada com pedido de indenização contra outra empresa, que estaria comercializando produtos que conteriam imitações de marca e desenho desenvolvidos por ela.

Os objetos de imitação seriam o desenho industrial de chaveiro contendo alarme antifurto para automóveis e uma marca desenhada em peças com letras e números. Foi requerida antecipação de tutela.

O juiz deferiu a liminar, determinando a imediata suspensão da comercialização de tais bens, sob pena de multa diária, e ainda busca e apreensão das peças, moldes e demais implementos necessários à sua produção, nas dependências da ré – a qual recorreu, com agravo de instrumento, para o TJ/PR.

O TJ/PR deu provimento ao agravo para revogar a antecipação de tutela, entendendo que, se há dúvidas e são necessárias provas de que o desenho é original ou de natureza técnica, a alegada titularidade exclusiva fica comprometida.

A 3ª turma deu provimento ao recurso, entendendo que, sem a discussão administrativa, ou judicial perante a JF, com a participação do INPI na causa, os registros emitidos pelo órgão devem ser reputados válidos e produtores de todos os efeitos de direito.

"Não faria sentido exigir que, para o reconhecimento da nulidade pela via principal, seja prevista uma regra especial de competência e a indispensável participação do INPI, mas para o mero reconhecimento incidental da invalidade do registro não se exija cautela alguma", afirmou a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso. "Ao reconhecer a invalidade de um registro incidentalmente, o TJ/PR violou a regra do artigo 57 da lei da propriedade industrial", acrescentou.

A ministra observou, ainda, que tais considerações não inviabilizam o exercício de eventual direito do réu de utilizar o produto alegadamente copiado, caso seu registro seja nulo, bastando que proponha, perante a JF, a competente ação de nulidade, requerendo, conforme o caso, antecipação dos efeitos da tutela. "Assim, seu comportamento seria lícito na origem e protegido por uma tutela de urgência emanada da autoridade competente", ressaltou.

Veja a íntegra do acórdão.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.132.449 - PR (2009/0062354-4)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: PST ELETRÔNICA S/A

ADVOGADO: GIORGIA CRISTIANE PACHECO E OUTRO(S)

RECORRIDO: SKEI PROJETOS E SERVIÇOS DE AUTOMAÇÕES INDUSTRIAIS LTDA

ADVOGADO: GABRIEL A H NEIVA DE LIMA FILHO E OUTRO(S)

EMENTA

PROCESSO CIVIL E DIREITO DE PROPRIEDADE INTELECUTAL. REGISTRO DE DESENHO INDUSTRIAL E DE MARCA. ALEGADA CONTRAFAÇÃO. PROPOSITURA DE AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO. NULIDADE DO REGISTRO ALEGADO EM MATÉRIA DE DEFESA. RECONHECIMENTO PELO TRIBUNAL, COM REVOGAÇÃO DE LIMINAR CONCEDIDA EM PRIMEIRO GRAU. IMPOSSIBILIDADE. REVESÃO DO JULGAMENTO. NULIDADE DE PATENTE, MARCA OU DESENHO DEVE SER ALEGADA EM AÇÃO PRÓPRIA, PARA A QUAL É COMPETENTE A JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO PROVIDO.

1. A alegação de que é inválido o registro, obtido pela titular de marca, patente ou desenho industrial perante o INPI, deve ser formulada em ação própria, para a qual é competente a Justiça Federal. Ao juiz estadual não é possível, incidentalmente, considerar inválido um registro vigente, perante o INPI.

Precedente.

2. A impossibilidade de reconhecimento incidental da nulidade do registro não implica prejuízo para o exercício do direito de defesa do réu de uma ação de abstenção. Nas hipóteses de registro irregular de marca, patente ou desenho, o terceiro interessado em produzir as mercadorias indevidamente registrada deve, primeiro, ajuizar uma ação de nulidade perante a Justiça Federal, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela. Assim, todo o peso da demonstração do direito recairia sobre o suposto contrafator que, apenas depois de juridicamente respaldado, poderia iniciar a comercialização do produto.

3. Autorizar que o produto seja comercializado e que apenas depois, em matéria de defesa numa ação de abstenção, seja alegada a nulidade pelo suposto contrafeitor, implica inverter a ordem das coisas. O peso de demonstrar os requisitos da medida liminar recairia sobre o titular da marca e cria-se, em favor do suposto contrafeitor, um poderoso fato consumado: eventualmente o prejuízo que ele experimentaria com a interrupção de um ato que sequer deveria ter se iniciado pode impedir a concessão da medida liminar em favor do titular do direito.

4. Recurso especial provido, com o restabelecimento da decisão proferida em primeiro grau.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr(a). ALBERTO LUÍS CAMELIER DA SILVA, pela parte RECORRENTE: PST ELETRÔNICA S/A.

Brasília (DF), 13 de março de 2012(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto por PST ELETRÔNICA S/A objetivando impugnar acórdão exarado pelo TJ/PR no julgamento de agravo de instrumento.

Ação: de abstenção de uso de desenho industrial e marca cumulada com pedido de indenização, ajuizada pela recorrente em face de SKEI PROJETOS E SERVIÇOS DE AUTOMAÇÕES INDUSTRIAIS LTDA.

Na inicial, a autora afirma que criou, desenvolveu, divulgou e registrou perante o INPI, sob o nº DI 6403062-8, um determinado desenho industrial de chaveiro contendo alarme anti-furto para veículo automotor, que teria sido indevidamente imitado pelo réu, sem autorização. Além disso, seria também titular da marca "AX-1010", registrada sob o nº 819.763.217, sob a qual comercializa referidas peças, também indevidamente imitadas pela ré, que os contrafaz sob denominação "AX-100". Por esses motivos, solicitou, inclusive em antecipação de efeitos da tutela, a imediata suspensão da comercialização desses bens, sob pena de multa diária, bem como a busca e apreensão das peças, moldes e demais implementos necessários à sua produção, nas dependências da ré.

Decisão: deferiu a antecipação de tutela requerida.

Agravo de instrumento: interposto pela ré. Nele, a agravante argumenta que a Lei 9.279/96 comporta quatro formas de proteção à propriedade intelectual: patente de invenção, modelo de utilidade, desenho industrial e marca. Conquanto o deferimento de registros de patentes de invenção e de modelos de utilidade, por sua importância econômica e suas peculiaridades técnicas, seja precedido de minucioso estudo preliminar pelo INPI, o registro de desenho industrial não carece de tamanha formalidade. Seu deferimento se dá em todas as situações em que o pedido não está revestido de irregularidade formal, independentemente de análise de mérito. Assim, referido registro é sempre passível de oposição, manifestada por terceiros, pela via judicial, seja em ação de nulidade, seja como matéria de defesa em processos judiciais em que se discuta contrafação.

Na hipótese dos autos, não haveria, nem originalidade, nem novidade no desenho registrado, sem análise de mérito, perante o INPI, porquanto o chaveiro produzido pela autora da ação seria substancialmente semelhante ao produto comercializado, já há muitos anos, pela empresa americana Stanley Works, de modo que não se pode argumentar que haja novidade ou originalidade, atributos indispensáveis de um desenho industrial registrável.

Quanto à marca, afirma que "AX-100", bem como "AX-1010", são meras referências , não marcas , estabelecendo a diferença entre os dois institutos.

Por fim, sustenta que, na dúvida quanto à possibilidade de proteção ao desenho e à marca discutidas, seria impossível a concessão de tutela antecipada que, de resto, traria enormes prejuízos à agravante.

Decisão: concedeu efeito suspensivo ao agravo de instrumento.

Acórdão: deu provimento ao recurso, nos termos da seguinte ementa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO DE DESENHO INDUSTRIAL E MARCA CUMULADA COM PEDIDO INDENIZATÓRIO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. DÚVIDA QUANTO À EXCLUSIVA TITULARIDADE DO DESENHO INDUSTRIAL REGISTRADO EM FAVOR DA AGRAVADA JUNTO AO INPI. VEROSSIMILHANÇA DA ALEGAÇÃO AUSENTE. PERIGO DE DANO GRAVE E DE DIFÍCIL REPARAÇÃO NÃO COMPROVADO. REQUISITOS DO ARTIGO 273, INCISOS E §§ DO CPC DEPENDENTES DE EXAME PROBATÓRIO. CONCESSÃO LIMINAR DA TUTELA. INADMISSIBILIDADE. DECISÃO RECORRIDA REVOGADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO.

1. Se o desenho industrial, cujo registro foi deferido pelo INPI, em favor da agravada, levanta dúvida se é original ou de natureza técnica, comprometida

fica a alegada titularidade exclusiva sobre o registro, afastando, de consequência, a verossimilhança da alegação.

2. Ausente, ab initio, a prova do perigo de dano irreparável e dependente a demanda de dilação probatória, para o deferimento liminar do provimento mostra-se incabível a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, impondo-se a sua revogação.

3. Agravo de instrumento conhecido e provido.

Embargos de declaração: interpostos por PST, foram rejeitados.

Recurso especial: interposto por PST, com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional. Alega-se, além da ofensa do art. 535 do CPC, violação dos arts. 57, 109, 118, 129 e 209, §§ 1º e 2º, todos da LPI (fls. 421 a 441, e-STJ)

Admissibilidade: devidamente contrarrazoado (fls. 454 a 467, e-STJ), o recurso foi admitido na origem (fls. 469 a 471, e-STJ).

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cinge-se a lide a estabelecer, para além do pedido de anulação do acórdão recorrido pela violação do art. 535 do CPC: (i) se é possível reconhecer, incidentalmente, que há dúvidas quanto à validade de registro de um desenho industrial e, com base nessa dúvida, negar ao respectivo titular o direito de pleitear sua utilização exclusiva, em

antecipação de tutela; (ii) se é possível ao juízo estadual negar a proteção liminar com base na aparente nulidade do registro, dado que a competência, em princípio, para a ação direta de nulidade, seria da Justiça Federal; (iii) se, ultrapassadas essas questões, é

possível reverter a decisão que negou o pedido de antecipação de tutela para a proteção do desenho industrial e da marca aqui discutidos, com base nas peculiaridades da situação concreta.

I - Negativa de prestação jurisdicional. Violação do art. 535 do CPC.

Os embargos de declaração constituem instrumento processual de emprego excepcional, visando ao aprimoramento dos julgados que encerrem obscuridade, contradição ou omissão. O acórdão recorrido se manifestou sobre todos os pontos suscitados nas apelações, inclusive os vários temas enumerados nas razões recursais e reputados de omissos ou contraditórios, alcançando solução tida como a mais justa e apropriada para a hipótese vertente.

A prestação jurisdicional dada, portanto, corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes, sem omissão a ser sanada, tampouco contradição a ser aclarada.

O Tribunal não está obrigado a julgar a questão posta a seu exame nos termos pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento, consoante dispõe o art. 131 do CPC, utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso.

Por outro lado, já é pacífico o entendimento no STJ, e também nos demais Tribunais Superiores, de que os embargos declaratórios, mesmo quando manejados com o propósito de prequestionamento, são inadmissíveis se a decisão embargada não ostentar qualquer dos vícios que autorizariam a sua interposição (AgRg no Ag 680.045/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Félix Fischer, DJ de 03.10.2005; EDcl no AgRg no REsp 647.747/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 09.05.2005; EDcl no MS 11.038/DF, 1ª Seção, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 12.02.2007).

Constata-se, em verdade, a irresignação da recorrente e a tentativa de emprestar aos embargos de declaração efeitos infringentes, o que não se mostra viável no contexto do art. 535 do CPC.

II - Pressuposto fático: Enunciado 7 da Súmula/STJ

Antes de ingressar propriamente na análise dos fundamentos do recurso

especial, é importante ressaltar que esta Corte, por força do Enunciado 7 da Súmula/STJ, não poderá alterar o substrato fático estabelecido pelo TJ/PR no julgamento aqui

impugnado.

Contudo, a insurgência veiculada no recurso especial pode ser apreciada independentemente do revolvimento da matéria fática probatória, já que é incontroverso, pelos termos do acórdão recorrido e das manifestações das partes em recurso e em

contrarrazões, que: (i) a recorrente é titular do desenho industrial discutido; (ii) há grande semelhança entre o produto comercializado pela recorrida e referido desenho; (iii) há dúvidas sobre a viabilidade do registro de referido desenho industrial mas, não obstante, o registro desse desenho não foi invalidado ou suspenso, até o momento do julgamento, por via administrativa ou mediante ação direta de nulidade; (iv) a recorrente comercializa seus produtos sob a designação "AX-1010", ao passo que a recorrida utiliza a designação "AX-100"; (v) não há questionamento sobre a existência de registro da expressão "AX-1010" como marca, limitando-se a recorrida a afirmar que o termo "AX-1010" não consubstanciaria propriamente uma marca, mas mera referência de produto, não passível de proteção.

Esse, portanto, é o arcabouço fático estabelecido neste processo, a partir do qual será promovido o presente julgamento.

III - O reconhecimento incidental da possível invalidade dos registros de desenho industrial e de marca, sem ação direta, e a negativa de proteção ao direito de exclusividade.

Sempre é possível ao juízo estadual negar ao titular de uma marca, de uma patente ou de um desenho industrial, o pedido de medida liminar que restrinja a comercialização de determinado produto por suposta contrafação. Para fazê-lo, contudo, normalmente é necessário que não vislumbre, ao menos de plano, a existência da alegada contrafação, seja pela ausência de semelhança entre produtos ou marcas, seja pela inexistência de registro prévio, ou ainda por qualquer outro motivo fático que justifique a negativa de proteção.

Não é isso, entretanto, que se discute neste processo. A pergunta que se faz, aqui, é: pode o juiz ou o Tribunal estadual, ao apreciar um pedido de antecipação de tutela, negar proteção a uma marca, patente ou desenho registrados, mesmo que diante de notória semelhança, com fundamento apenas na aparente invalidade do registro, não declarada pela Justiça Federal?

O recorrente sustenta que não, porque o art. 57 da LPI é expresso ao determinar que "a ação de nulidade de patente será ajuizada no foro da Justiça Federal e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito". Assim, para que o juízo estadual negue a proteção conferida pelo registro do desenho industrial, seria necessário que, antes, a invalidade desse registro tivesse sido reconhecida pelo juízo federal competente, em processo que contasse com a participação do INPI. O recorrido, em contrapartida, sustenta que a competência da Justiça Federal deve ser mantida apenas para as ações de nulidade por via principal , mas a própria LPI autoriza, em seu art. 56, §1º, que a nulidade de uma patente seja "arguida, a qualquer tempo, como matéria de defesa", o que

necessariamente implica possibilitar seu reconhecimento pelo juízo estadual, perante o qual, usualmente, tramitam ações em que se busca fazer valer o direito de exclusividade de uso de uma marca ou patente.

Nas oportunidades que teve para enfrentar a questão, o STJ tem oscilado.

Com efeito, por ocasião do julgamento do AgRg no Ag 526.187/SP (Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 3/9/2007), a 4ª Turma desta Corte estabeleceu que "a nulidade da patente, com efeito 'erga omnes', só pode ser declarada em ação própria, proposta pelo INPI, ou com sua intervenção, perante a Justiça Federal. Porém, o reconhecimento da nulidade como questão prejudicial, com a suspensão dos efeitos da patente, pode ocorrer na Justiça comum estadual". A C. 4ª Turma, nessa oportunidade, baseou-se no escólio de Luiz Guilherme de A. V. Loureiro para assim decidir.

Ao julgar o REsp 325.158/SP, contudo (de minha relatoria, Relator para acórdão Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 9/10/2006), a 3ª Turma, debatendo amplamente a questão, assumiu posicionamento favorável à pretensão do recorrente.

Naquela oportunidade ficou definido que "estando registrada a marca no INPI, não é possível a sua utilização por terceiro antes de desconstituído o respectivo registro via ação própria". Nesse julgado, o i. Relator para acórdão, saudoso ministro Carlos Alberto Menezes Direito, fez ampla pesquisa jurisprudencial, apoiando seu posicionamento nos precedentes exarados por ocasião do julgamento dos REsp 242.083/RJ, 57.556/RS, 11.767/SP, 36.898/SP, 128.136/RJ, entre outros. Destacam-se de seu voto os seguintes fundamentos:

O que se verifica da jurisprudência da Corte é que a desconstituição do registro, por ação própria, é necessária para que possa ser afastada a garantia da exclusividade em todo o território nacional. Naqueles casos em que a Corte autorizou o uso apesar do registro constatou-se que houve circunstâncias peculiares, a partir da condição do registro deferido pelo próprio INPI.

E creio, com todo respeito aos votos que me precederam acompanhando a posição da ilustre Relatora, que os precedentes da Corte não merecem alterados (sic). Observo que o artigo 205 da Lei nº 9.279/96, mencionado pela Minsitra Nancy Andrighi, que autoriza a invocação como matéria de defesa a alegação da nulidade da patente ou do registro é específico da ação penal, ressalvando, ainda, o dispositivo que a absolvição do réu 'não impotará a nulidade da patente ou do registro, que só poderá ser demandada pela ação competente'. Ora, na verdade, tanto o art. 124, VI, que veda o registro como marca de 'sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço (...)", como o art. 165 que prescreve ser 'nulo o registro que for concedido em desacordo com as disposições desta Lei', na minha compreensão, não desqualificam o fato de que o deferimento do registro somente pode ser desconstituído por ação própria, sob pena de construir-se interpretação que viola o direito de exclusividade enquanto mantido o registro em vigor. Aquele que detém o registro tem direito a opor-se ao uso da marca de sua titularidade por qualquer outro, não sendo possível a declaração pontual de ineficácia do registro no INPI, como pretendeu o acórdão recorrido, com a consequência de produzir, tão-somente 'efeito administrativo perante tal órgão'.

(...)

É necessário, ainda, considerar que a ação de nulidade do registro da marca está regulada, especificamente, nos artigos 173 a 175 da Lei nº 9.279/96 e deve ser ajuizada no foro da Justiça Federal, devendo nela intervir o INPI, quando não seja ele o autor, com prazo de prescrição próprio e com possibilidade de suspensão liminar dos efeitos do registro e do uso da marca.

Manter o acórdão recorrido, com todo respeito aos que me antecederam, significa violentar a disciplina própria do Código de Propriedade Industrial, que não autoriza a desconstituição do registro salvo pela via do processo administrativo (artigos 168 a 172) e da ação de nulidade, não tendo previsão alguma para autorizar-se a sua declaração incidental de ineficácia, sem que intervenha no processo o INPI e sem que tenha sido ajuizada no foro que a lei especial de regência indicou competente, ou seja, a Justiça Federal.

A tais argumentos, acresceu-se a pertinente observação do i. Min. Castro Filho:

É de se considerar, nesses casos, que o ato administrativo relativo à concessão do registro possui conteúdo decisório e, desempenhando o INPI atividade típica de Estado, qual seja a de regular a propriedade industrial em âmbito nacional, o interesse federal no sentido de que a autarquia atue na dialética estabelecida em razão do registro de marca, questão de sua exclusiva atribuição, resta patente, especialmente por tratar-se de matéria de extrema relevância social e econômica, como já se observou nas razões delineadas nos votos predecessores.

Quando do julgamento desse processo, proferi voto vencido, defendendo a possibilidade de reconhecimento incidental da nulidade de marca - com argumentos que poderiam ser estendidos à hipótese deste processo, que trata de desenho industrial (art. 118 da LPI). Contudo, curvo-me à posição que se sagrou vencedora no âmbito desta 3ª Turma, não apenas por uma questão de disciplina judiciária, mas também porque, no mérito, convenci-me, depois, de que esta é a melhor posição acerca do assunto.

Ainda que a lei preveja, em seu art. 56, §1º, a possibilidade de alegação de nulidade do registro como matéria de defesa, a melhor interpretação de tal dispositivo aponta no sentido de que ele deve estar inserido numa ação que discuta, na Justiça

Federal, a nulidade do registro. Não faria sentido exigir que, para o reconhecimento da nulidade pela via principal, seja prevista uma regra especial de competência e a indispensável participação do INPI, mas para o mero reconhecimento incidental da invalidade do registro não se exija cautela alguma. Interpretar a lei deste modo, como bem observado pelo i. Min. Direito, equivaleria a conferir ao registro perante o INPI uma eficácia meramente formal e administrativa.

Importante observar também que essas considerações não inviabilizam, de modo algum, o exercício de eventual direito do réu, aqui recorrido, de utilizar o produto alegadamete contrafeito, caso seu registro seja de fato nulo. Basta, para tanto, que ele proponha, perante a Justiça Federal, a competente ação de nulidade requerendo,

conforme o caso, antecipação dos efeitos da tutela pretendida. Assim, seu comportamento seria lícito na origem e protegido, portanto, ab initio, por uma tutela de urgência emanada da autoridade competente. Nessa hipótese, todo o peso de demonstrar a viabilidade da concessão da tutela antecipada recairia sobre o suposto contrafator, ou seja, sobre a parte que pretende atuar de maneira contrária ao registro formalmente expedido. Seria ele, portanto, que teria de demonstrar a verossimilhança de suas alegações e a prova inequívoca de seu direito. Se as provasse, todo o investimento que fez, posteriormente, no desenvolvimento e comercialização do produto supostamente contrafeito estaria protegido.

Na situação dos autos, tudo se inverteu. A recorrida, em lugar de obter prévia proteção, investiu em seu ilícito criando um fato consumado . Vale dizer, praticou um ato que, ao menos formalmente, teria aparência ilícita (porque contrário ao registro concedido pelo INPI) e, a partir disso, considerável parcela de seu faturamento passou a depender da venda do produto aparentemente contrafeito. Tal atitude transferiu ao titular do registro do desenho industrial todo o peso de requerer uma antecipação de tutela, tendo ele, que a priori seria vítima da contrafação, de comprovar a verossimilhança de seu direito, a intensidade de seu prejuízo e assim por diante. O fato consumado criado pelo recorrido estabeleceu, inclusive, um receio adicional ao julgador, já que deferir liminarmente a busca e apreensão dos bens indevidamente copiados poderia gerar prejuízos incomensuráveis à ré, com a paralisação de sua produção, reflexos na geração de empregos e assim por diante. Todas essas consequências, conquanto pareçam graves, foram geradas pela própria ré que, mesmo diante de um registro vigente no INPI (ainda que irregular), optou por simplesmente copiar o produto em lugar de buscar a proteção judicial prévia à sua conduta. Não é assim que tem de se comportar o sistema em um Estado Democrático de Direito.

A discussão sobre a validade de um registro de marca, patente ou desenho industrial, nos termos da Lei, tem de ser travada administrativamente ou, caso a parte opte por recorrer ao judiciário, deve ser empreendida em ação proposta perante a Justiça Federal, com a participação do INPI na causa. Sem essa discussão, os registros emitidos por esse órgão devem ser reputados válidos e produtores de todos os efeitos de direito.

Destarte, ao reconhecer a invalidade de um registro incidentalmente, o TJ/PR violou a regra do art. 57 da LPI.

IV - O risco de prejuízos reconhecido pelo TJ/PR.

Resta, ainda, analisar o risco de prejuízos que seriam causados ao recorrido, caso a antecipação de tutela requerida pelo recorrente seja mantida, em contraposição à suposta ausência de riscos para o recorrente que justificassem a concessão da medida.

Como se sabe, para além da verossimilhança da alegação (que analisamos acima), também o risco de dano irreparável ou de difícil reparação é requisito fundamental da antecipação de tutela jurisdicional. Sem a conjugação dos dois requisitos, a medida não pode ser deferida.

Sobre o risco de danos, o TJ/PR fez a seguinte ponderação:

Também, ab initio, há que se considerar que não há comprovação cabal em favor da agravada, a respeito do alegado perigo de lesão irreparável. Além do que a manutenção da antecipação de tutela, ao contrário, poderá tornar irreversível o provimento, ocasionando prejuízo de monta à agravante, e quiçá superior a eventual lucro cessante da agravada caso, ao final, restar improcedente a pretensão posta ação principal.

Novamente, seria possível dizer que a apuração do risco de prejuízos não comporta revisão nesta sede por força do óbice do Enunciado 7, da Súmula/STJ.

Contudo, devo ressaltar que o enunciado referido impede que esta Corte revolva matéria fática e probatória , apenas. Não impede que, a partir dos fatos apurados pelo próprio Tribunal, seja extraída uma consequência jurídica diversa.

As ponderações feitas pelo TJ/PR acerca dos prejuízos comportam duas observações: em primeiro lugar, o Tribunal afirma que "não há comprovação (...) do alegado perigo de lesão irreparável" em favor da autora da ação, aqui recorrente. O réu, aqui recorrido, contudo, estaria sob ameaça, já que a antecipação de tutela "poderá tornar irreversível o provimento, ocasionando prejuízo de monta à agravante".

Curioso, contudo, é notar que se discute, aqui, a comercialização de um produto, nada mais. Esse produto é oferecido ao mercado e adquirido por consumidores, mediante o pagamento de preço. Os supostos prejuízos que seriam causados ao réu pela suspensão de comercialização das peças, portanto, não podem ser considerados menores que os prejuízos que o autor teria com a permissão de continuidade da contrafação. Os consumidores que adquirem o produto são os mesmos, e o dinheiro envolvido na aquisição também é o mesmo, com alguma pequena variação de preço. A diferença é apenas de quem os produtos serão adquiridos e, portanto, quem sofre o prejuízo que, em sua expressão econômica, é sempre o mesmo.

Essa constatação nos remete novamente às ponderações feitas acima, relativas à criação de um fato consumado pelo réu. Ao comercializar o produto registrado por outrem, sem prévia autorização judicial, é perfeitamente possível que o suposto contrafator desenvolva clientela e tenha, na alegada contrafação, parcela considerável de sua receita de vendas. O juiz não pode se impressionar por esse fato, sob pena de ficar com as mãos amarradas para a repressão de um ilícito.

Mais que isso: se a parcela de vendas representada pelo produto aqui discutido tem tamanha repercussão na receita da recorrida, é possível que a proteção a seu interesse de vender as mercadorias alegadamente copiadas gere, para o autor, um dano faticamente irreparável.

Para que se possa compreender isso, deve ser citado um estudo antigo do ilustre Prof. José Ignácio Botelho de Mesquita, no qual são analisadas medidas cautelares antecipatórias (o estudo foi levado a cabo antes da introdução do instituto da antecipação de tutela no direito brasileiro). Nesse estudo, o ilustre professor da Universidade de São Paulo identifica e separa as hipóteses em que a concessão de uma cautelar antecipatória é proibida , obrigatória e simplesmente permitida ao juiz ("Limites do Poder do Juiz nas Cautelares Antecipatórias", Revista Brasileira de Direito Processual - RBDPro, Belo Horizonte, ano 15, n. 59, jul. 2007). Nesse sentido, sustenta o professor Mesquita:

Estas classificações podem ser resumidas graficamente no seguinte quadro:

(I) Direitos para os quais o tempo do processo não obsta a sua satisfação específica, porque ela pode ser obtida da mesma forma no final do processo (o tempo lhes é indiferente).

(II) Direitos para os quais o tempo do processo impede sua satisfação específica, que só pode ser realizada em prazo inferior ao demandado pelo processo (o tempo é, para eles, prejudicial ). Classificam-se em duas espécies, a saber:

(1) direitos de reparação econômica juridicamente impossível (direitos inalienáveis )

(2) direitos de reparação econômica juridicamente possível (direitos alienáveis ). Estes se subdividem em duas espécies, a saber:

(a) de reparação faticamente impossível.

(b) de reparação faticamente possível , sendo estes classificados em duas subespécies:

(b.1) reparação possível e fácil.

(b.2) reparação possível mas difícil.

Em face dos direitos (I), para os quais o tempo do processo é indiferente, a garantia constitucional da liberdade jurídica do réu proíbe a concessão de medidas cautelares antecipatórias, porque com ela se harmoniza a garantia da efetividade do processo.

Diante dos direitos (II, 1), para os quais o tempo do processo é prejudicial e de substituição pela via subsidiária juridicamente impossível (direitos inalienáveis ) a garantia constitucional da efetividade do processo obriga a concessão das cautelares antecipatórias, porque, do contrário, o direito feito valer se tornaria, ele mesmo, violável.

Perante os direitos (II 2, a), para os quais o tempo do processo é prejudicial e de substituição pela via subsidiária juridicamente possível (direitos alienáveis ), mas de reparação facticamente impossível, a garantia constitucional da efetividade do processo também obriga a concessão das cautelares antecipatórias, porque do contrário resultaria inútil o processo e violável o direito.

Na presença de direitos (II, 2, b.1), para os quais o tempo do processo é prejudicial, sendo porém possível a sua satisfação pela via substitutiva das perdas e danos, tanto do ponto de vista jurídico (direitos alienáveis ) como do ponto de vista fático e, além do possível, fácil, a garantia constitucional da liberdade jurídica do réu proíbe a concessão das cautelares antecipatórias: nada há em tais casos que justifique a quebra dessa garantia, inclusive porque não se dá um rompimento absoluto da garantia de efetividade do processo. No caso, porém, em que a reparação seja possível , mas difícil (II, 2, b.2), dá-se o equilíbrio entre as duas garantias e cabe ao juiz, à falta de regras particulares (como e.g. as convencionadas em contrato), decidir com discrição, formulando a regra para o caso concreto. Nesses casos as aludidas garantias não interferem a priori nem a favor, nem contra, e a concessão das cautelares antecipatórias será permitida na medida em que se comprove a dificuldade.

Para o professor, nas hipóteses em que a reparação econômica da lesão de um alegado direito é juridicamente possível, mas faticamente impossível, é vedado ao juiz negar o provimento antecipatório, sob pena de violação do princípio da efetividade do processo. Ao conceituar o que seriam direitos cuja reparação econômica é juridicamente possível, mas faticamente impossível , diz o i. Prof. Mesquita:

Deve-se entender que a reparação é facticamente impossível quando haja evidência de que não pode ser suportada pelo patrimônio do devedor . E deve-se entender que seja difícil quando: (a) seja difícil de ser estimada com justiça; ou (b) seja de execução excessivamente onerosa para o credor; ou (c) quando seja imprevisível in limite litis a capacidade do patrimônio do devedor para suportá-la (a mera incerteza não basta, porque pode ser desfeita mediante caução).

Na hipótese dos autos, esse raciocínio deve ser aplicado. Se o prejuízo para ambas as partes é, em tese, o mesmo, já que se trata da comercialização de produtos idênticos para o mercado consumidor, a alegação de que a suspensão da comercialização do bem impactaria demasiadamente a receita da recorrida apenas demonstra o tamanho do risco de irreversebilidade fática, caso se mantenha a violação do direito do titular dos desenhos industriais.

Ressalva-se, naturalmente, o direito do recorrido de ajuizar, perante a Justiça Federal, uma ação de nulidade de marca, inclusive com a possibilidade de requerer antecipação dos efeitos da tutela, que respalde a comercialização dos produtos aqui discutidos. Aquele é o foro para a discussão da nulidade dos desenhos, a respeito dos quais é imprescindível colher a manifestação do INPI.

Forte nessas razões, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento, restabelecendo a decisão de primeiro grau que fora reformada pelo TJ/PR no julgamento do agravo de instrumento aqui impugnado.

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

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