Migalhas Quentes

JT reconhece vínculo de emprego entre dois advogados

Para magistrado, advogado que realizava audiências e fazia peças processuais trabalhava de forma pessoal e não eventual.

11/4/2012

A 6ª turma do TRT da 3ª região manteve a sentença que reconheceu o vínculo de emprego entre dois advogados. O recorrente insistia no caráter autônomo da prestação de serviços do reclamante, alegando que ele mantinha escritório próprio, chegando inclusive a atender clientes particulares nas dependências do escritório do réu.

O relator, desembargador Jorge Berg de Mendonça, não acolheu esses argumentos, entendendo que os requisitos da relação de emprego foram comprovados. Para o magistrado, ficou claro que o advogado que ajuizou a reclamação trabalhava de forma pessoal e não eventual, com subordinação jurídica e mediante remuneração. Cabia ao reclamado comprovar a autonomia, já que essa foi a tese da defesa. A versão, contudo, não foi confirmada pelas provas.

Pelo teor dos depoimentos, o magistrado constatou que, no início, o reclamante realizava atividades de divisão e organização de tarefas (audiências e prazos processuais) entre os advogados que prestavam serviços no escritório. Depois, passou a atuar como advogado, realizando audiências e confeccionando peças processuais. Sua atuação era pessoal, pois ele não podia se fazer substituir na prestação de serviços. O próprio réu pagava o reclamante.

O desembargador reconheceu a presença da subordinação, "requisito essencial à diferenciação do trabalho autônomo da relação empregatícia" . Afinal, o advogado patrão cobrava cumprimento de prazos e distribuía trabalhos (audiências e peças). O poder diretivo sobre os advogados empregados era claramente exercido, ainda que de forma mais atenuada. É que, conforme ponderou o julgador, "a profissão de advogado reúne algumas peculiaridades, as quais permitem ao trabalhador maior liberdade na consecução de seus serviços, já que o labor é atrelado à produtividade, decorrente do cumprimento de prazos processuais e da realização de audiências confiadas ao empregado".

Por outro lado, as atividades desenvolvidas pelo reclamante faziam parte da dinâmica empresarial do escritório. Seus serviços contribuíam diretamente para o sucesso da produção, caracterizando a chamada "subordinação estrutural". "Não são serviços acessórios em um escritório de advocacia; pelo contrário, constituem a essência do empreendimento" , registrou o magistrado.

O julgador também chamou a atenção para o fato de o empregado utilizar instrumentos de trabalho fornecidos pelo advogado-réu. Era este quem arcava com os riscos do negócio. Por fim, o relator acrescentou que a exclusividade não é requisito da relação de emprego. Assim, pouco importa que o reclamante tenha prestado serviços a clientes particulares. O artigo 20 da lei 8.906/94 inclusive traz a possibilidade de o advogado empregado trabalhar de forma exclusiva ou não para o empregador.

_________

TRT/RO/01691-2010-004-03-00-8

RECORRENTES: A.P.C. (1)

J.P.N. (2)

RECORRIDOS: OS MESMOS

EMENTA: ADVOGADO – VÍNCULO DE EMPREGO – CONFIGURAÇÃO - Presentes, na hipótese vertente, os pressupostos fático-jurídicos necessários ao reconhecimento da relação de emprego, quais sejam, trabalho prestado por pessoa física, de forma pessoal, não eventual, subordinada e onerosa, impõe-se o reconhecimento do vínculo de emprego entre o reclamante, advogado, e o escritório de advocacia tomador de seus serviços.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em destaque, DECIDE-SE:

RELATÓRIO

Trata-se de recursos ordinários aviados pelo reclamante (fls. 164/170) e pelo reclamado (fls. 171/182) contra a r. sentença de fls. 146/151, integrada pela decisão de embargos de declaração de fls. 162/163, proferidas pelo Juízo da 4ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, que julgou parcialmente procedentes os pedidos articulados na inicial.

Contrarrazões, pelo réu, às fls. 191/195. O autor, apesar de regularmente intimado, não apresentou resposta ao apelo do reclamado, conforme certidão de fl. 196.

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE

Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço dos apelos, registrando que o autor litiga sob o pálio da justiça gratuita, deferida à fl. 150, e que o reclamado efetuou regularmente o preparo recursal às fls. 184/185.

As matérias comuns aos recursos serão analisadas de forma conjunta.

MÉRITO

VÍNCULO DE EMPREGO – RECURSO DO RECLAMADO

Na sentença, foi reconhecida a existência de vínculo de emprego entre as partes, no período de 07/04/2010 a 28/10/2010 (com projeção do aviso prévio para 28/11/2010), tendo o réu sido condenado a assinar a CTPS do reclamante, bem como ao pagamento das verbas rescisórias respectivas e ao fornecimento do TRCT e das guias CD/SD, decisão contra a qual se insurge o demandado.

Sustenta que a prova oral demonstra a inexistência de exclusividade, pessoalidade e subordinação, defendendo o caráter autônomo da prestação de serviços do autor.

Alega que o reclamante mantinha escritório próprio e que chegou a atender clientes particulares nas dependências do réu. Pretende, pois, a reforma da sentença no aspecto.

Examino.

Em sede exordial, narra o autor que prestou serviços ao reclamado, no período de 07/04/2010 a 28/10/2010, como advogado/gerente, sem registro do contrato de trabalho em sua CTPS, percebendo remuneração de R$2.500,00, pretendendo, pois, o reconhecimento do vínculo de emprego e o recebimento das verbas trabalhistas arroladas às fls. 06/07.

O réu, a seu turno, defende que a prestação de serviços se deu de forma autônoma, não restando preenchidos os requisitos previstos nos artigos 2º e 3º da CLT.

Pois bem.

Conforme cediço, a configuração de vínculo de emprego requer a presença cumulativa de todos os pressupostos fático-jurídicos atinentes ao trabalho prestado por pessoa física, de forma pessoal e não eventual, com subordinação jurídica e mediante onerosidade.

Ressalte-se que, não tendo o réu negado a prestação de serviços, mas apenas defendido que essa se deu na forma de trabalho autônomo, atraiu para si o ônus da prova de suas alegações (artigo 333, II, do CPC), incumbência da qual, todavia, não se desincumbiu a contento. Examinando a prova oral (fls. 124/125 e 129/134), extrai-se que o reclamante ingressou no escritório do réu, inicialmente, realizando as atividades de divisão e organização de tarefas (audiências e prazos processuais) entre os advogados que ali prestavam serviços, no período de abril a julho de 2010, e, após, passou a atuar como advogado, realizando audiências e a confecção de peças processuais, o que perdurou até a extinção da relação havida entre as partes.

A meu sentir, as informações extraídas dos depoimentos das partes e das testemunhas permitem concluir pela presença dos requisitos fático-jurídicos caracterizadores da relação de emprego.

Veja-se:

“(...) que o Reclamante no período em que prestou serviços para o Reclamado fazia as audiências na Justiça do Trabalho e recebia alguns prazos para contrarrazões e alguns prazos para recursos; (...)” (Depoimento pessoal do reclamado – fl. 130).

"(...) que o reclamante era advogado e trabalhava no escritório para o reclamado; que quando foi admitida há cinco anos atrás o reclamante já prestava serviços para o reclamado, porém, depois de algum tempo, que não soube precisar, o reclamante se afastou do escritório por muito tempo, pois montou um escritório próprio; que depois do afastamento o reclamante novamente passou a prestar serviços para o reclamado, que deve ter ocorrido em abril de 2010; (...) que o reclamante era advogado, fazendo petições e comparecendo à audiência; que o reclamante frequentemente comparecia no escritório; (...) quem pagava o reclamante era o próprio reclamado, não sabendo ao certo o valor; (...)” (Testemunha do reclamado Rosemary Silva dos Santos – fls. 124/125).

“(...) que não tem certeza, mas acredita que em julho de 2010 o Reclamante retornou ao escritório para prestar serviços, incluindo a realização de audiência e prazos de processos da Justiça do Trabalho; que o Reclamante ficou fora do escritório cerca de 30 dias; que entre maio e julho de 2010 o Reclamante, quando não estava fazendo audiências, permanecia no escritório; que na ausência do réu o Reclamante fazia a divisão de tarefas e organização do trabalho dos demais advogados; que, após o retorno do Reclamante ao escritório, este não era mais responsável pela organização do trabalho dos demais advogados realizando apenas as tarefas de audiências e prazos a ele incumbidas; (...) que entre maio e julho de 2010 as decisões acerca de prazos, recursos e andamento do escritório eram decididos em conjunto com o Reclamante e o réu; que após o retorno do Reclamante as determinações para as audiências e prazos eram feitas pelo réu não só para o autor, mas para todos os advogados; (...) que com a depoente havia um valor fixo mensal a ser pago para um conjunto de atividades; que a depoente [sic] R$ 1.700,00 para a realização desse conjunto de atividades; que havia um plus remuneratório caso a depoente realizasse atividades fora das previstas, tais como a realização de iniciais; que no período de maio a julho de 2010 não sabe informar sobre a remuneração do Reclamante; que no segundo período o Reclamante recebia tal qual a depoente; (...) que já presenciou outros advogados entregando peças para que o Reclamante fizesse a conferência no período de maio a julho de 2010" (Testemunha do réu Fabiana Reis de Carvalho Costa – fls. 130/131).

“(...) que o Reclamante ingressou no escritório do réu logo após a depoente para substituir uma gerente que havia sido demitida; que o Reclamante era o responsável pela organização da pauta de audiência, distribuição dos prazos; (...) que o Reclamante também fazia audiências; que não tem certeza, mas acredita que até julho de 2010 o Reclamante exerceu essas atividades já descritas; que o Reclamante passou cerca de 10 dias ausente do escritório e quando retornou passou a exercer apenas as atividades de advogados, não mais respondendo pela organização administrativa e distribuição de atribuições dentro do setor jurídico; que no primeiro período, ao Reclamante deveriam ser entregues todas as peças processuais à exceção das iniciais para conferência; (...) que o Reclamante era subordinado ao réu; (...) que o Reclamante como advogado recebia por volta de R$ 2.200,00 e não tinha meta de inicial a ser batida; (...) que normalmente o réu permanecia no escritório; que não havia fiscalização direta sobre jornada, mas a cobrança das metas dos processos entregues aos advogados; (...) (Testemunha do reclamante Ana Isabel Silva Caldas – fls. 132/133).

Como se vê, a pessoalidade é incontroversa, já que o autor não se podia fazer substituir na prestação de serviços.

Da mesma forma, não há dúvidas acerca da existência de não-eventualidade e da onerosidade, sendo certo que o autor auferia remuneração mensal, paga pelo réu, em razão dos serviços prestados.

Resta, pois, analisar a existência de subordinação, requisito essencial à diferenciação do trabalho autônomo da relação empregatícia.

Em que pese a prova oral não seja clara quanto ao recebimento de ordens, pelo autor, provenientes do réu, bem como tendo os depoentes afirmado que a jornada de trabalho do obreiro não era controlada pelo reclamado, tenho que isso, por si só, não afasta a subordinação jurídica no caso.

Isso porque a profissão de advogado reúne algumas peculiaridades, as quais permitem ao trabalhador maior liberdade na consecução de seus serviços, já que o labor é atrelado à produtividade, decorrente do cumprimento de prazos processuais e da realização de audiências confiadas ao empregado.

Apesar disso, a cobrança quanto ao cumprimento dos prazos e a forma como são distribuídos os trabalhos (audiências e peças) demonstra que o empregador exerce poder diretivo sobre os advogados empregados, caracterizando a subordinação jurídica, ainda que de forma mais atenuada em relação ao que normalmente ocorre nos demais vínculos empregatícios.

Ainda que assim não fosse, é evidente, na hipótese em apreço, a chamada subordinação estrutural, tendo em vista que as atividades realizadas pelo reclamante atrelam-se à atividade-fim do reclamado.

Ora, a organização da pauta de audiências e a distribuição dos prazos processuais, bem como a efetiva prestação de serviços advocatícios (realização de audiências e confecção de prazos processuais) não são serviços acessórios em um escritório de advocacia; pelo contrário, constituem a essência do empreendimento.

Por conseguinte, não há dúvida de que as atividades desenvolvidas pelo autor inserem-se na dinâmica empresarial do reclamado e contribuem diretamente para que a unidade produtiva tenha êxito, caracterizando, pois, a referida subordinação estrutural.

Ademais, é certo que o reclamante utilizava instrumentos de trabalho fornecidos pelo réu, ou seja, era este quem arcava com os riscos do negócio, o que também afasta a alegação de trabalho autônomo.

Assim, as circunstâncias dos autos revelam a presença de todos os pressupostos fáticos jurídicos da relação de emprego delineados pelos artigos 2º e 3º da CLT, quais sejam, o trabalho realizado por pessoa física, com pessoalidade, subordinação, onerosidade e não-eventualidade, por conta e risco do tomador.

De se registrar que o fato de o autor ter prestado serviços advocatícios a clientes particulares, no decorrer do liame laboral, não afasta o vínculo de emprego reconhecido, porquanto a exclusividade não é requisito da relação empregatícia.

Isso, aliás, é corroborado pelo próprio Estatuto da OAB – Lei n. 8.906/94, que, em seu artigo 20, traz a possibilidade de o advogado empregado trabalhar de forma exclusiva ou não para o empregador.

Correta, pois, a sentença que reconheceu a existência de vínculo de emprego entre as partes, nada havendo a modificar.

Oportuno consignar que o reclamado não se insurgiu especificamente sobre as datas de admissão e dispensa do autor, valor do salário e verbas rescisórias deferidas na sentença, matérias que, portanto, encontram-se atingidas pela preclusão.

Nada a prover.

DESCONTO INDEVIDO – RECURSO DO RECLAMADO

Insurge-se o reclamado contra a condenação à restituição de desconto indevido perpetrado na remuneração do autor, no valor de R$350,00, sob o argumento de que o obreiro deu causa ao extravio do dinheiro, sendo, pois, lícito o desconto.

Analiso.

É incontroverso, porquanto admitido pelo reclamado nas razões recursais (fls. 180/181), que foi descontado, do autor, a importância de R$350,00, relativa ao extravio de quantia confiada ao obreiro.

Oportuno citar o seguinte trecho do apelo: “Há de se convir, que o reclamante somente foi cobrado ante sua irresponsabilidade por ter lesado financeiramente o reclamado, vindo a responder pelo dano causado.” (fl. 180).

Pois bem.

Infere-se do artigo 462 da CLT que ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo em caso de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo. Será lícito o desconto, porém, se constatado dano causado pelo empregado, desde que esta possibilidade tenha sido acordada, ou na ocorrência de dolo.

No caso dos autos, porém, não há qualquer documento que comprove ter o reclamante anuído com os mencionados descontos, tampouco que decorreram de ato doloso de sua parte, motivo pelo qual deixou o réu de se desvencilhar a contento de seu ônus probatório no aspecto (artigo 333, II, do CPC).

Por essas razões, nada a prover.

JORNADA DE TRABALHO - HORAS EXTRAS – MATÉRIA COMUM AOS RECURSOS

Na sentença, foram indeferidas as horas extras pretendidas pelo reclamante no período de 07/04/2010 a 17/08/2010, por ter o Magistrado a quo se convencido de que o autor ocupava cargo de confiança (artigo 62, II, da CLT). Por outro lado, foi o réu condenado ao pagamento, como extras, das horas excedentes da 4ª diária ou da 20ª semanal, no período de 18/08/2010 a 28/10/2010, considerando a jornada do autor como sendo de segunda a sexta-feira, de 8h às 17h30min. Foram, também, deferidas ao obreiro as horas extras pela supressão do intervalo intrajornada nesse último interregno.

Inconformadas, recorrem as partes.

Busca o reclamante o afastamento do artigo 62, II, da CLT no período de 07/04/2010 a 17/08/2010, sob a alegação de que não ocupava cargo de confiança, porquanto não tinha poderes de mando e gestão, além do fato de não aferir gratificação de função superior a 40% da remuneração do cargo efetivo.

O réu, a seu turno, defende que os horários de trabalho do autor não eram objeto de fiscalização; logo, indevidas as horas extras pretendidas. Alega, ainda, que parte da jornada de trabalho era voltada para trabalhos particulares do reclamante, que tinha clientes próprios. Defende, por fim, o gozo regular do intervalo intrajornada pelo obreiro. Pelo princípio da eventualidade, insurge-se contra a aplicação do divisor 100.

Ao exame.

Conforme explicitado em tópico anterior desta decisão, o reclamante exerceu funções diversas, em dois períodos de seu contrato de trabalho, sendo que, no primeiro deles, qual seja, de 17/04/2010 a 17/08/2010, competia-lhe dividir e organizar as tarefas (audiências e prazos processuais) entre os advogados que prestavam serviços ao escritório do réu, bem como conferir o trabalho por eles realizados (peças processuais), tendo o Magistrado a quo, nesse interregno, reconhecido que o reclamante ocupava cargo de confiança e, portanto, não estava sujeito às normas relativas à duração do trabalho.

Oportuno consignar, de início, que, o próprio reclamante, na inicial (fl. 02) e nas razões recursais (fls. 167/168), confessa que foi contratado pelo réu como advogado/gerente, o que afasta a alegação de ausência de contestação específica quanto ao exercício do cargo de confiança.

Em que pese tenha o réu aduzido, em depoimento pessoal, que o autor não foi gerente do seu escritório (fl. 130), tenho que tal afirmativa refere-se à mera nomenclatura do cargo, sendo necessário analisar, em razão do princípio da primazia da realidade sobre a forma, as reais atribuições do obreiro para fins de aplicação ou não do previsto no artigo 62, II, da CLT.

Foi isso, aliás, o que o Julgador de origem fez, tendo, após análise da prova oral produzida, aplicado o direito ao caso concreto.

Pois bem.

De acordo com o artigo 62, II, da CLT, não são abrangidos pelo regime do capítulo atinente à duração do trabalho os gerentes, assim considerados os exercentes de cargo de gestão, aos quais se equiparam, para os fins do disposto naquele artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial.

Além disso, o parágrafo único do artigo 62 CLT dispõe que o regime previsto no capítulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II, sempre que o salário do cargo de confiança (compreendendo a gratificação de função, se houver), for inferior ao valor do respectivo salário, acrescido de 40%.

Conclui-se, assim, serem dois os requisitos para que o ocupante do cargo de gerência não tenha direito a horas extras, quais sejam, o exercício de cargo de gestão e a percepção de remuneração relativa ao cargo de confiança superior a 40% do respectivo salário.

O recebimento de remuneração superior está comprovado pela prova oral.

As testemunhas Fabiana Reis de Carvalho Costa (depoimento às fls. 130/131) e Ana Isabel Silva Caldas (depoimento às fls. 132/133), que trabalharam como advogadas para o réu, afirmaram que seu salário mensal era de R$1.700,00. Assim, considerando que o reclamante percebia, no período em análise, salário correspondente a R$2.500,00, certo é que sua remuneração era superior a 40% daquela percebida pelos ocupantes do cargo efetivo (advogado).

Cumpre, pois, analisar se as atividades desempenhadas pelo autor eram, de fato, correlatas às funções de confiança, exercendo verdadeiro cargo de fidúcia.

Cabe esclarecer que se evidencia o exercício do cargo de confiança quando o empregado atua em colaboração com a direção da empresa, assumindo responsabilidades perante clientes e terceiros, assim também pelo exercício do poder disciplinar frente aos demais empregados, ocupando posição hierarquicamente superior e não se submetendo à estrita fiscalização do horário de trabalho.

Desta feita, o cargo referido no artigo 62, II, da CLT é aquele em que o empregado se vê investido de amplos poderes de mando e gestão, administrando o estabelecimento ou até mesmo coordenando algum setor vital para os interesses do empregador.

In casu, em que pese a prova oral seja omissa quanto à possibilidade de o reclamante admitir e demitir funcionários, bem como de aplicar-lhes penalidades, é certo que ocupava cargo de destaque no escritório, sendo o responsável pela coordenação dos trabalhos dos demais advogados, distribuindo prazos processuais e audiências, bem como realizando a conferência das peças processuais confeccionadas por aqueles, atuando como verdadeira longa manus do réu.

Nesse sentido, vejam-se os seguintes trechos da prova oral:

“(...) que na ausência do réu o Reclamante fazia a divisão de tarefas e organização do trabalho dos demais advogados; (...) que entre maio e julho de 2010 as decisões acerca de prazos, recursos e andamento do escritório eram decididos em conjunto com o Reclamante e o réu; (.. ); que já presenciou outros advogados entregando peças para que o Reclamante fizesse a conferência no período de maio a julho de 2010" (Testemunha do réu Fabiana Reis de Carvalho Costa – fls. 130/131).

“(...) que o Reclamante era o responsável pela organização da pauta de audiência, distribuição dos prazos; (...) que não tem certeza, mas acredita que até julho de 2010 o Reclamante exerceu essas atividades já descritas; que o Reclamante passou cerca de 10 dias ausente do escritório e quando retornou passou a exercer apenas as atividades de advogados, não mais respondendo pela organização administrativa e distribuição de atribuições dentro do setor jurídico; que no primeiro período, ao Reclamante deveriam ser entregues todas as peças processuais à exceção das iniciais para conferência; (...)” (Testemunha do reclamante Ana Isabel Silva Caldas – fls. 132/133).

Como se vê, o reclamante tinha amplos poderes de mando e gestão, atuando de forma conjunta com o réu na administração do empreendimento, organizando e dividindo as tarefas entre os advogados, os quais a ele se reportavam para conferência das peças processuais produzidas.

Assim, reputo correta a sentença que enquadrou o reclamante na exceção prevista no artigo 62, II, da CLT, no período de 07/04/2010 a 17/08/2010, pelo que nego provimento ao ecurso do obreiro.

Quanto ao apelo do réu, tem-se que a insurgência funda-se na alegação de que o reclamante não tinha seus horários de trabalho controlados pelo reclamado; logo, não faz jus à percepção de horas extras.

Ocorre, porém, que, no período de 18/08/2010 a 28/10/2010, o reclamante não se enquadra em quaisquer das hipóteses previstas no artigo 62 da CLT. Assim, não há como excluí-lo das regras atinentes à duração do trabalho.

Com efeito, ainda que o reclamado, na prática, não realizasse o controle dos horários de trabalho do autor, tal fato não afasta o direito do obreiro à percepção de horas extras, uma vez demonstrado, pela prova oral, a extrapolação habitual da jornada prevista no artigo 20 da Lei n. 8.906/94.

Frise-se, ainda, que não logrou o demandado comprovar que o reclamante realizava atividades particulares no decorrer do contrato de trabalho, ônus que lhe competia (artigo 333, II, do CPC).

Isso porque a testemunha Rosemary Silva Santos alegou que “viu apenas um único cliente procurando o reclamante, oportunidade em que este forneceu o endereço do escritório de sua irmã” (fl. 124). As depoentes Fabiana Reis Carvalho Costa (fls. 130/131) e Ana Isabel Silva Caldas (fls. 132/133), a seu turno, apenas afirmaram que era possível atender a clientes particulares no escritório do réu, porém, nada afirmaram especificamente acerca da ocorrência desse fato quanto ao reclamante.

Por conseguinte, não há prova de que o autor, de fato, realizasse trabalhos particulares nos horários em que deveria estar prestando serviços ao réu.

Quanto ao intervalo intrajornada, a prova também é favorável ao reclamante, tendo a testemunha Ana Isabel Silva Caldas (fl. 132) asseverado que não havia gozo da pausa intervalar pelos advogados.

De se consignar que o réu não impugnou especificamente a jornada fixada na sentença, pelo que fica mantida.

Quanto ao pedido sucessivo formulado pelo demandado, com razão, porquanto, sendo a jornada do autor de 4h diárias (artigo 20 da Lei n. 8.906/94), o divisor a ser adotado é o 120 (4 horas x 30 dias = 120).

Destarte, dou parcial provimento ao apelo do réu, para determinar que, na apuração das horas extras, seja adotado o divisor 120.

FUNDAMENTOS PELOS QUAIS,

O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em Sessão da sua Sexta Turma, hoje realizada, unanimemente, conheceu dos recursos de ambas as partes; no mérito, sem divergência, negou provimento ao apelo do autor; à unanimidade, deu parcial provimento ao recurso do réu para determinar que, na apuração das horas extras, seja adotado o divisor 120. Mantido o valor da condenação, porque ainda compatível.

Belo Horizonte, 1 de março de 2012.

JORGE BERG DE MENDONÇA

DESEMBARGADOR RELATOR

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