As apelantes informaram que eram clientes do banco e fizeram um empréstimo para pagamento de forma parcelada.
Segundo elas, o banco não prestou as devidas e necessárias informações acerca dos encargos que incidiram sobre o financiamento assumido. Em decorrência dos elevados juros não conseguiram manter o pagamento das parcelas em dia.
Com o atraso, o banco passou a contatá-las, inclusive efetuando a cobrança por meio de ligações telefônicas a seus vizinhos.
As devedoras alegaram que as práticas foram abusivas e lhes causaram constrangimento.
O desembargador Pedro Celso Dal Prá, relator, considerou que as chamadas somente foram feitas aos vizinhos das autoras porque elas mesmas forneceram esses contatos ao banco, como referências pessoais.
Segundo o magistrado, "constata-se que não houve prática de qualquer conduta abusiva por parte da instituição financeira, uma vez que o motivo das ligações jamais foi revelado aos vizinhos das requerentes, não ao menos pelo banco".
-
Processo: 70046863452
Veja a íntegra da decisão.
______________
______________APELAÇÃO CÍVEL Nº 70046863452
DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL
COMARCA DE PORTO ALEGRE
APELANTE: M.O.X. e M.X.
APELADO: BANCO CACIQUE S.A.
APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. COBRANÇA DE DÍVIDA. LIGAÇÕES TELEFÔNICAS PARA VIZINHOS DAS DEVEDORAS. ABUSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA NÃO CONSTATADO. CONTATOS BANCÁRIOS FORNECIDOS PELAS PRÓPRIAS AUTORAS. MOTIVO DAS LIGAÇÕES NÃO REVELADO PELO BANCO. AUSÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA. PREJUÍZO IMATERIAL INDENIZÁVEL NÃO CONFIGURADO.
NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. NELSON JOSÉ GONZAGA E DES.ª NARA LEONOR CASTRO GARCIA.
Porto Alegre, 29 de março de 2012.
DES. PEDRO CELSO DAL PRÁ,
Relator
RELATÓRIO
DES. PEDRO CELSO DAL PRÁ (RELATOR)
Trata-se de recurso de apelação interposto por M.O.X. e M.X. contra a sentença (fls. 143/145) que, nos autos da ação indenizatória ajuizada contra BANCO CACIQUE S/A, julgou improcedente a demanda, ao fundamento de que não restou configurada conduta ilícita da instituição financeira. Condenou as autoras, outrossim, ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, arbitrados estes em R$ 600,00, restando sua exigibilidade suspensa, em face da Assistência Judiciária Gratuita.
As apelantes alegam, em suas razões (fls. 147/158), que a sentença merece reforma. Aduzem que, após a constituição de dívida com o Banco, este passou a ligar para os seus vizinhos, com o objetivo de provocar constrangimentos e agredi-las moral e psicologicamente. Ressaltam que a ocorrência policial e a prova testemunhal demonstram a agressividade e impertinência das ligações recebidas pelos depoentes. Discorrem acerca do dever de indenizar e do valor a ser arbitrado a título de indenização. Prequestionam os arts. 186 e 927 do Código Civil. Pugnam pelo provimento do recurso.
Contrarrazões nas fls. 163/170.
Remetidos a este Tribunal de Justiça, foram os autos distribuídos por sorteio automático em 26/12/2011, vindo-me conclusos para julgamento em 27/12/2011.
Registro, por fim, que restou devidamente observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552, todos do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.
É o relatório.
VOTOS
DES. PEDRO CELSO DAL PRÁ (RELATOR)
Cuida-se de ação movida por M.O.X. e M.X. contra Banco Cacique S/A, na qual postulam a condenação do demandado à reparação por danos morais, suportados em razão de constrangimento e agressão psicológica que alegam ter sofrido com a conduta do Banco, na cobrança de dívidas.
A demanda foi julgada improcedente, ao fundamento de que não restou configurada a prática de ato ilícito pela instituição financeira.
Nenhum reparo merece a bem lançada decisão vergastada.
Alegam as requerentes que, após a constituição de dívida junto à instituição financeira, esta passou a efetuar ligações para os seus vizinhos, “informando que as mesmas não pagavam suas contas” (sic), fl. 04.
Inicialmente, ressalta-se que não há dúvida sobre a existência das dívidas cobradas pelo Banco, as quais são inclusive admitidas pelas requerentes.
Incontroverso, também, que a instituição financeira efetuou ligações para os vizinhos das acionantes, visando contatá-las para cobrança.
Contudo, do contexto probatório dos autos restou evidente que as chamadas somente foram feitas aos vizinhos das autoras porque elas próprias forneceram esses contatos ao Banco, como referências pessoais (fls. 112/114).
Não obstante a isso, dos depoimentos colhidos no decorrer da instrução, constata-se que não houve prática de qualquer conduta abusiva por parte da instituição financeira, uma vez que o motivo das ligações jamais foi revelado aos vizinhos das requerentes, não ao menos pelo Banco.
Nesse contexto, calha trazer à baila trechos dos depoimentos transcritos na sentença, dos Srs. Ângelo de Moraes e Rejane Brum Coitinho, respectivamente.
“J: Então o senhor não sabe se era do Banco Cacique ou se era de outra empresa? T: Eu não se de onde que era, não.
J: E também não dizia qual era o recado? Não dizia se era cobrança? T: Não, nunca falaram nada.
J: Não mencionava nada disso? T: Não, só queriam falar com ela.” - grifei.
“J: Mas não dizia do que se tratava? T: Não, sempre do banco e sempre queria assunto com elas.
(…)
J: ...dizia: ah! Tem que ligar... T: Sim, alguns não é, porque o dia eu passava um naquele dia, porque eles sempre deixava ou 0800, ou número direto, sempre foi assim e pedia para mim ligar para ela e eu sempre...
J: Mas não dizia qual era o assunto? T: Não". - grifei.
Como se verifica, não há qualquer evidência de que a forma de cobrança efetuada pela instituição financeira tenha acarretado situação embaraçosa e/ou constrangedora, capaz de configurar dano moral.
A ciência dos vizinhos, da condição de inadimplente das requerentes, resultou de sua própria conduta, pois, além de serem, de fato, devedoras, foram elas que forneceram telefones de terceiros como referências de contato pelo Banco, assim como também foram elas as responsáveis pela publicidade quanto ao motivo das ligações, já que este jamais foi revelado pela instituição financeira.
Portanto, ainda que se possa admitir ter ocorrido certo constrangimento das autoras perante a vizinhança, não decorreu ele de qualquer conduta ilícita da instituição financeira.
Nessa ordem de idéias, o pedido de reparação por danos morais não merece amparo, porquanto ausente conduta ilícita capaz de gerar o dever de indenizar.
Importa ressaltar que preocupação e incômodos são corriqueiros no relacionamento social, os quais, salvo situação excepcional, onde reste devidamente comprovado que tenham atingido patamar superior à normalidade, não geram indenização por abalo psíquico
Aliás, é tranqüilo o entendimento doutrinário de que a ocorrência do abalo psíquico deve ser equacionada através do senso comum, de fatos que pudessem causar prejuízo ao homem médio, pois “(...) só deve ser reputado como dano moral à dor, vexame, sofrimento, ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústias e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no transito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenização pelos mais triviais aborrecimentos”1.
De tanto, resulta que o pedido de indenização por danos morais não se sustenta.
Outrossim, no que tange ao prequestionamento dos dispositivos legais constantes mencionados no apelo, elucidativa e concludente decisão da eminente Desa. Genacéia Silva Alberton, que bem solve a questão e dispensa maiores comentários a respeito do tema, “verbis”:
“Quando o Superior Tribunal de Justiça exige como condição de admissibilidade do recurso o prequestionamento, o faz para evitar que seja ferida a garantia do duplo grau de jurisdição. Assim, a matéria deduzida em recurso especial já deve ter passado pelo crivo do tribunal inferior. Porém, tal não impõe que os julgadores tenham que fazer expressa referência aos artigos que são do interesse das partes em questionar, o que seria mais um entrave para a prestação jurisdicional que já não atende aos justos reclamos sociais de celeridade” (ED n.º. 70000772947, julgado em 22/03/2000). (grifos meus)
Pelas razões expostas, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO ao recurso.
É o voto.
DES. PEDRO CELSO DAL PRÁ,
Relator
DES. NELSON JOSÉ GONZAGA (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES.ª NARA LEONOR CASTRO GARCIA - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. PEDRO CELSO DAL PRÁ - Presidente - Apelação Cível nº 70046863452, Comarca de Porto Alegre: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: FABIANA DOS SANTOS KASPARY
1 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 99.