A Globo já havia sido condenada a indenizar à família do sindicalista Wilson Pinheiro, também pelo uso indevido de imagem nessa mesma atração.
O pagamento de 0,5% dos lucros auferidos com a trama foi determinado pela juíza Ivete Tabalipa, da 4ª vara Cível da comarca de Rio Branco e deverá ser apurado em liquidação, devidamente corrigido pelo INPC e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês, a partir da citação.
As ações foram ajuizadas pela viúva do seringueiro, Ilzamar Gadelha Bezerra Mendes, e pelos filhos Elenira Gadelha Bezerra Mendes, Sandino Gadelha Bezerra Mendes e Angela Maria Feitosa Mendes.
A Rede Globo contestou os autores da ação, alegando que "retratou a participação da viúva e filhos por ser imprescindível para a narrativa da estória do protagonista, líder dos seringueiros" e informou que "se limitou apenas a reproduzir fatos nacionalmente conhecidos e amplamente divulgados".
No entanto, a magistrada decidiu que o dano material se configura pois, embora Chico Mendes fosse pessoa conhecida nacionalmente e os fatos retratados na produção televisiva de natureza pública, em razão de terem sido publicados em diversas revistas, a exploração de sua imagem dependia do consentimento de seus sucessores, o que não foi comprovado pela Globo.
Tabalipa também ressalta que a minissérie Amazônia não era um documentário, uma matéria jornalística ou produção do gênero. Por isso, a exibição da imagem da viúva e seus familiares não teve finalidade beneficente ou científica, mas sim obtenção de vantagem comercial e lucro.
Processo: 0008522-97.2009.8.01.0001
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Autos n.0008522-97.2009.8.01.0001
Classe Procedimento Ordinário/PROC
Autor Ilzamar Gadelha Bezerra Mendes e outros
Advogado Ricardo Antonio dos Santos Silva e outro
Réu Globo Comunicação e Participações S.A.
Advogado Carlos Vinicius Lopes Lamas
SENTENÇA
I - Relatório
Angela Maria Feitosa Mendes, Elenira Gadelha Bezerra Mendes, Ilzamar Gadelha Bezerra Mendes e Sandino Gadelha Bezerra Mendes ajuizaram ação indenizatória em face de Globo Comunicação e Participações S.A., aduzindo que: i) são herdeiros de Francisco Alves Mendes Filho (Chico Mendes), sindicalista morto no final da década de 1980; ii) a ré, apresentou, entre os dias 02 de janeiro a 06 a abril de 2007 minissérie intitulada "Amazônia – De Galvez a Chico Mendes"; iii) na referida obra foi retratada momentos históricos do Sindicalista; iv) a referida veiculação ocorreu sem a devida autorização dos autores.
Após discorrer sobre o direito que entende aplicável à espécie requereu a condenação da ré ao pagamento de indenização pelos danos materiais e morais e pela utilização indevida dos direitos de personalidade de Chico Mendes.
Com a inicial vieram os documentos de fls. 47/79.
Citada, a ré contestou a ação arguindo preliminar de litispendência e, no mérito, afirmando que: i) para abordar a luta dos seringueiros e do seu principal líder, foi preciso que a minissérie relatasse não só os fatos estritamente políticos de sua vida, mas também alguns acontecimentos de sua vida pessoal; ii) a ré se limitou apenas a reproduzir fatos nacionalmente conhecidos e amplamente divulgados, não havendo qualquer distorção na narrativa; iii) os autores consentiram tacitamente com a utilização da imagem de Chico Mendes na obra dramatúrgica, pois, uma das autoras, a viúva, vez que esta tinha ciência de qual atriz a representaria na trama, inclusive teria se encontrado com a mesma, bem como sua filha teria enviado um correio eletrônico à autora da minissérie em agradecimento. Por fim requereu a improcedência da ação.
Impugnação à contestação às fls. 131/145.
Conciliação infrutífera, fl. 165.
Audiência de instrução e julgamento à fl. 174.
II – Fundamentação
Da preliminar de litispendência
Não há que se falar em litispendência entre a presente ação e a tombada sob o nº 0021814-23.2007.8.01.0001, uma vez que nesta ação Ilzamar postula indenização pelo uso da imagem de Chico Mendes, do qual é herdeira, e naquela, postula indenização pelo uso de sua própria imagem; assim, é nítido a inexistência de identidade de causa de pedir a ensejar litispendência.
É fato incontroverso a veiculação da história do sindicalista Chico Mendes na minissérie posta em exame, uma vez que afirmado pelos autores na inicial e confirmado pela ré em sede de contestação.
Assim, o ponto controvertido dos presentes autos é a indenizabilidade, a título de danos morais e materiais da utilização da imagem de Chico Mendes, líder seringueiro, sem autorização expressa de seus herdeiros.
2.1 Do dano material
Embora Chico Mendes seja personagem histórico e pessoa conhecida nacional e internacionalmente e os fatos retratados na produção televisiva de natureza pública, em razão de terem sido publicados em diversas revistas, a exploração de sua imagem dependia de consentimento.
Não comprovando a ré a autorização dos autores para a exploração da imagem de Chico Mendes, têm os autores direito à indenização em decorrência desse ato ilícito praticado pela ré.
Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. VIOLAÇÃO DO DIREITO DE IMAGEM. USO INDEVIDO. PROVA DO DANO. Aquele que usa a imagem de terceiro sem autorização, com intuito de auferir lucros e depreciar a vítima, está sujeito à reparação, bastando ao autor provar tão-somente o fato gerador da violação do direito à sua imagem. O uso indevido autoriza, por si só, a reparação em danos materiais, desde que abrangido no pedido deduzido pelo autor. [...] (REsp 436070/CE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/11/2004, DJ 04/04/2005, p. 298). (grifou-se)
DIREITO À IMAGEM. CORRETOR DE SEGUROS. NOME E FOTO. UTILIZAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO. PROVEITO ECONÔMICO. DIREITOS PATRIMONIAL E EXTRAPATRIMONIAL. LOCUPLETAMENTO. DANO. PROVA. DESNECESSIDADE. ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA/STJ. INDENIZAÇÃO. QUANTUM. REDUÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS DA CAUSA. HONORÁRIOS. CONDENAÇÃO. ART. 21, CPC. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. [...] II - A utilização da imagem de cidadão, com fins econômicos, sem a sua devida autorização, constitui locupletamento indevido, ensejando a indenização. III - O direito à imagem qualifica-se como direito de personalidade, extrapatrimonial, de caráter personalíssimo, por proteger o interesse que tem a pessoa de opor-se à divulgação dessa imagem, em circunstâncias concernentes à sua vida privada. IV - Em se tratando de direito à imagem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não havendo de cogitar-se da prova da existência de prejuízo ou dano. O dano é a própria utilização indevida da imagem, não sendo necessária a demonstração do prejuízo material ou moral. [...]. (REsp 267529/RJ, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 03/10/2000, DJ 18/12/2000, p. 208). (grifou-se)
No caso dos autos, a obra televisiva não é um documentário, uma matéria jornalística ou outra produção do gênero, na qual a própria imagem de Chico Mendes poderia ter sido captada e exibida, não sendo produzida e exibida com finalidades beneficentes ou científicas, mas visando auferir vantagem comercial, nada justificando, portanto, se exima a ré de indenizar os autores.
É cediço que o uso, em obra dramatúrgica com fins comerciais, da imagem de figura pública já falecida, sem autorização de quem detém o direito, deve ser indenizado, no plano material, na exata medida do lucro auferido, levando-se em conta, ainda, a participação e a importância do personagem na trama.
Destarte, deve-se considerar que a minissérie impugnada foi dividida em três fases, cada uma delas com um personagem histórico como protagonista, no caso em tela, nos interessa a terceira e última fase, na qual conta a história do líder seringueiro Chico Mendes. Assim, fixo a indenização pelo uso indevido da imagem em 1% do lucro auferido pela ré com a exibição da minissérie objeto do presente litígio.
2.2 Do dano moral
A proteção do direito à imagem não ostenta imunidade absoluta contra qualquer veiculação não consentida para fins lucrativos. Para imputar o dever de compensar os danos morais é necessário analisar as circunstâncias particulares que envolveram a captação e exposição da imagem.
Não se olvida que o dano moral, tido como lesão à personalidade, mostra-se, no mais das vezes, de difícil constatação, isto porque os seus reflexos vão certamente atingir a parte mais íntima do ser humano que é a própria alma, por isso é incompatível, neste contexto, exigir a demonstração concreta da ocorrência do dano.
Todavia, para que se evite a prática do imoral na concessão de indenizações é preciso que o alegado dano venha agregado a componente que afete a subjetividade.
O dano moral compensável deve ser qualificado por elemento psicológico que evidencie o sofrimento a que foi submetida à vítima, o sentimento de tristeza, desconforto, vexame, embaraço na convivência social.
A eminente Ministra Nancy Andrighi, em voto vista no Resp 207.165/SP, da relatoria do e. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, pub. no DJ de 17.12.2004, sustentou que para a compensação do dano moral era necessária a configuração da abusividade na utilização indevida da imagem, confira-se:
A imagem constitui objeto de direito da personalidade protegida pela Carta Magna. Assim, quem reproduzir imagem, sem autorização do titular, no intento de explorá-la a benefício de seu negócio, pratica lesão ao direito da personalidade e deve indenizar os danos causados quando a divulgação ocorra de forma abusiva e exponha a vítima de forma vexatória.
Conclui-se, portanto, que para imputar o dever de indenizar danos morais decorrentes da utilização indevida da imagem, é necessário analisar as circunstâncias particulares em que ocorreu a captação da imagem para verificar a existência de componente psicológico que evidencie o sofrimento a que foi submetida à vítima.
No presente feito, não há qualquer menção a cenas que tenham associado a imagem de Chico Mendes a condutas desonrosas ou que sua reputação tenha sido exposta, de forma vexatória ou ofensiva; a comentários ou a palavras que pudessem desabonar a sua conduta ou a de sua família, ou ainda, que pudessem macular a sua honra, profanando a sua memória.
Assim, não há, de fato, dano moral compensável, pois ausente quaisquer provas da existência do componente psicológico, que evidencie o sofrimento ou a angústia dos autores com a retratação, na obra televisiva, da figura de seu parente.
2.3 Da indenização pelo uso indevido dos direitos da personalidade
Os autores postulam indenização pelo uso indevido da imagem de Chico Mendes, entretanto, a causa de pedir desta é idêntica à do dano material pretendido pelos autores, razão pela qual tenho por improcedente tal pedido, uma vez que deferi-lo seria incorrer em bis in idem.
III - Dispositivo
Ante ao exposto, acolho parcialmente o pedido dos autores para condenar a parte ré ao pagamento de indenização por danos materiais fixados em 1% (um por cento) dos lucros auferidos com a minissérie "Amazônia – de Galvez a Chico Mendes" a ser apurado em liquidação, devidamente corrigido, pelo INPC e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês, a partir da citação.
Não sendo possível a aferição dos lucros obtidos pela ré com a referida obra, a indenização será arbitrada em liquidação.
Declaro resolvido o mérito, nos moldes do art. 269, I, do CPC.
Face a sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento de custas processuais, na proporção de 1/3 para a parte ré e 2/3 para os autores.
Condeno também as partes ao pagamento de honorários sucumbênciais; fixo os honorários dos patronos da parte autora em 10% sobre o valor da condenação e, os honorários dos patronos da parte ré em 10% sobre o valor do pedido de danos morais somados com a diferença entre o valor postulado e o obtido a título de danos materiais.
Tais verbas ficam suspensas por 5 anos, quanto à parte autora, face à gratuidade judiciária deferida.
Publicar e intimar. Após o trânsito em julgado, arquivar.
Rio Branco-AC, 03 de abril de 2012.
Ivete Tabalipa
Juíza de Direito