Migalhas Quentes

Família do sindicalista Chico Mendes será indenizada após minissérie

Rede Globo é acusada de explorar imagem do ativista ambiental sem consentimento de seus sucessores.

11/4/2012

A Rede Globo foi condenada pela justiça do AC a indenizar por danos materiais a família do sindicalista Chico Mendes. Os herdeiros do seringueiro, assassinado em 1988 após ser perseguido por sua luta em favor da preservação da Amazônia, serão indenizados após uso sem concessão da imagem do ativista ambiental na minissérie Amazônia – de Galvez a Chico Mendes.

A Globo já havia sido condenada a indenizar à família do sindicalista Wilson Pinheiro, também pelo uso indevido de imagem nessa mesma atração.

O pagamento de 0,5% dos lucros auferidos com a trama foi determinado pela juíza Ivete Tabalipa, da 4ª vara Cível da comarca de Rio Branco e deverá ser apurado em liquidação, devidamente corrigido pelo INPC e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês, a partir da citação.

As ações foram ajuizadas pela viúva do seringueiro, Ilzamar Gadelha Bezerra Mendes, e pelos filhos Elenira Gadelha Bezerra Mendes, Sandino Gadelha Bezerra Mendes e Angela Maria Feitosa Mendes.

A Rede Globo contestou os autores da ação, alegando que "retratou a participação da viúva e filhos por ser imprescindível para a narrativa da estória do protagonista, líder dos seringueiros" e informou que "se limitou apenas a reproduzir fatos nacionalmente conhecidos e amplamente divulgados".

No entanto, a magistrada decidiu que o dano material se configura pois, embora Chico Mendes fosse pessoa conhecida nacionalmente e os fatos retratados na produção televisiva de natureza pública, em razão de terem sido publicados em diversas revistas, a exploração de sua imagem dependia do consentimento de seus sucessores, o que não foi comprovado pela Globo.

Tabalipa também ressalta que a minissérie Amazônia não era um documentário, uma matéria jornalística ou produção do gênero. Por isso, a exibição da imagem da viúva e seus familiares não teve finalidade beneficente ou científica, mas sim obtenção de vantagem comercial e lucro.

Processo: 0008522-97.2009.8.01.0001

________

Autos n.0008522-97.2009.8.01.0001

Classe Procedimento Ordinário/PROC

Autor Ilzamar Gadelha Bezerra Mendes e outros

Advogado Ricardo Antonio dos Santos Silva e outro

Réu Globo Comunicação e Participações S.A.

Advogado Carlos Vinicius Lopes Lamas

SENTENÇA

I - Relatório

Angela Maria Feitosa Mendes, Elenira Gadelha Bezerra Mendes, Ilzamar Gadelha Bezerra Mendes e Sandino Gadelha Bezerra Mendes ajuizaram ação indenizatória em face de Globo Comunicação e Participações S.A., aduzindo que: i) são herdeiros de Francisco Alves Mendes Filho (Chico Mendes), sindicalista morto no final da década de 1980; ii) a ré, apresentou, entre os dias 02 de janeiro a 06 a abril de 2007 minissérie intitulada "Amazônia – De Galvez a Chico Mendes"; iii) na referida obra foi retratada momentos históricos do Sindicalista; iv) a referida veiculação ocorreu sem a devida autorização dos autores.

Após discorrer sobre o direito que entende aplicável à espécie requereu a condenação da ré ao pagamento de indenização pelos danos materiais e morais e pela utilização indevida dos direitos de personalidade de Chico Mendes.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 47/79.

Citada, a ré contestou a ação arguindo preliminar de litispendência e, no mérito, afirmando que: i) para abordar a luta dos seringueiros e do seu principal líder, foi preciso que a minissérie relatasse não só os fatos estritamente políticos de sua vida, mas também alguns acontecimentos de sua vida pessoal; ii) a ré se limitou apenas a reproduzir fatos nacionalmente conhecidos e amplamente divulgados, não havendo qualquer distorção na narrativa; iii) os autores consentiram tacitamente com a utilização da imagem de Chico Mendes na obra dramatúrgica, pois, uma das autoras, a viúva, vez que esta tinha ciência de qual atriz a representaria na trama, inclusive teria se encontrado com a mesma, bem como sua filha teria enviado um correio eletrônico à autora da minissérie em agradecimento. Por fim requereu a improcedência da ação.

Impugnação à contestação às fls. 131/145.

Conciliação infrutífera, fl. 165.

Audiência de instrução e julgamento à fl. 174.

II – Fundamentação

Da preliminar de litispendência

Não há que se falar em litispendência entre a presente ação e a tombada sob o nº 0021814-23.2007.8.01.0001, uma vez que nesta ação Ilzamar postula indenização pelo uso da imagem de Chico Mendes, do qual é herdeira, e naquela, postula indenização pelo uso de sua própria imagem; assim, é nítido a inexistência de identidade de causa de pedir a ensejar litispendência.

É fato incontroverso a veiculação da história do sindicalista Chico Mendes na minissérie posta em exame, uma vez que afirmado pelos autores na inicial e confirmado pela ré em sede de contestação.

Assim, o ponto controvertido dos presentes autos é a indenizabilidade, a título de danos morais e materiais da utilização da imagem de Chico Mendes, líder seringueiro, sem autorização expressa de seus herdeiros.

2.1 Do dano material

Embora Chico Mendes seja personagem histórico e pessoa conhecida nacional e internacionalmente e os fatos retratados na produção televisiva de natureza pública, em razão de terem sido publicados em diversas revistas, a exploração de sua imagem dependia de consentimento.

Não comprovando a ré a autorização dos autores para a exploração da imagem de Chico Mendes, têm os autores direito à indenização em decorrência desse ato ilícito praticado pela ré.

Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. VIOLAÇÃO DO DIREITO DE IMAGEM. USO INDEVIDO. PROVA DO DANO. Aquele que usa a imagem de terceiro sem autorização, com intuito de auferir lucros e depreciar a vítima, está sujeito à reparação, bastando ao autor provar tão-somente o fato gerador da violação do direito à sua imagem. O uso indevido autoriza, por si só, a reparação em danos materiais, desde que abrangido no pedido deduzido pelo autor. [...] (REsp 436070/CE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/11/2004, DJ 04/04/2005, p. 298). (grifou-se)

DIREITO À IMAGEM. CORRETOR DE SEGUROS. NOME E FOTO. UTILIZAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO. PROVEITO ECONÔMICO. DIREITOS PATRIMONIAL E EXTRAPATRIMONIAL. LOCUPLETAMENTO. DANO. PROVA. DESNECESSIDADE. ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA/STJ. INDENIZAÇÃO. QUANTUM. REDUÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS DA CAUSA. HONORÁRIOS. CONDENAÇÃO. ART. 21, CPC. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE. [...] II - A utilização da imagem de cidadão, com fins econômicos, sem a sua devida autorização, constitui locupletamento indevido, ensejando a indenização. III - O direito à imagem qualifica-se como direito de personalidade, extrapatrimonial, de caráter personalíssimo, por proteger o interesse que tem a pessoa de opor-se à divulgação dessa imagem, em circunstâncias concernentes à sua vida privada. IV - Em se tratando de direito à imagem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não havendo de cogitar-se da prova da existência de prejuízo ou dano. O dano é a própria utilização indevida da imagem, não sendo necessária a demonstração do prejuízo material ou moral. [...]. (REsp 267529/RJ, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 03/10/2000, DJ 18/12/2000, p. 208). (grifou-se)

No caso dos autos, a obra televisiva não é um documentário, uma matéria jornalística ou outra produção do gênero, na qual a própria imagem de Chico Mendes poderia ter sido captada e exibida, não sendo produzida e exibida com finalidades beneficentes ou científicas, mas visando auferir vantagem comercial, nada justificando, portanto, se exima a ré de indenizar os autores.

É cediço que o uso, em obra dramatúrgica com fins comerciais, da imagem de figura pública já falecida, sem autorização de quem detém o direito, deve ser indenizado, no plano material, na exata medida do lucro auferido, levando-se em conta, ainda, a participação e a importância do personagem na trama.

Destarte, deve-se considerar que a minissérie impugnada foi dividida em três fases, cada uma delas com um personagem histórico como protagonista, no caso em tela, nos interessa a terceira e última fase, na qual conta a história do líder seringueiro Chico Mendes. Assim, fixo a indenização pelo uso indevido da imagem em 1% do lucro auferido pela ré com a exibição da minissérie objeto do presente litígio.

2.2 Do dano moral

A proteção do direito à imagem não ostenta imunidade absoluta contra qualquer veiculação não consentida para fins lucrativos. Para imputar o dever de compensar os danos morais é necessário analisar as circunstâncias particulares que envolveram a captação e exposição da imagem.

Não se olvida que o dano moral, tido como lesão à personalidade, mostra-se, no mais das vezes, de difícil constatação, isto porque os seus reflexos vão certamente atingir a parte mais íntima do ser humano que é a própria alma, por isso é incompatível, neste contexto, exigir a demonstração concreta da ocorrência do dano.

Todavia, para que se evite a prática do imoral na concessão de indenizações é preciso que o alegado dano venha agregado a componente que afete a subjetividade.

O dano moral compensável deve ser qualificado por elemento psicológico que evidencie o sofrimento a que foi submetida à vítima, o sentimento de tristeza, desconforto, vexame, embaraço na convivência social.

A eminente Ministra Nancy Andrighi, em voto vista no Resp 207.165/SP, da relatoria do e. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, pub. no DJ de 17.12.2004, sustentou que para a compensação do dano moral era necessária a configuração da abusividade na utilização indevida da imagem, confira-se:

A imagem constitui objeto de direito da personalidade protegida pela Carta Magna. Assim, quem reproduzir imagem, sem autorização do titular, no intento de explorá-la a benefício de seu negócio, pratica lesão ao direito da personalidade e deve indenizar os danos causados quando a divulgação ocorra de forma abusiva e exponha a vítima de forma vexatória.

Conclui-se, portanto, que para imputar o dever de indenizar danos morais decorrentes da utilização indevida da imagem, é necessário analisar as circunstâncias particulares em que ocorreu a captação da imagem para verificar a existência de componente psicológico que evidencie o sofrimento a que foi submetida à vítima.

No presente feito, não há qualquer menção a cenas que tenham associado a imagem de Chico Mendes a condutas desonrosas ou que sua reputação tenha sido exposta, de forma vexatória ou ofensiva; a comentários ou a palavras que pudessem desabonar a sua conduta ou a de sua família, ou ainda, que pudessem macular a sua honra, profanando a sua memória.

Assim, não há, de fato, dano moral compensável, pois ausente quaisquer provas da existência do componente psicológico, que evidencie o sofrimento ou a angústia dos autores com a retratação, na obra televisiva, da figura de seu parente.

2.3 Da indenização pelo uso indevido dos direitos da personalidade

Os autores postulam indenização pelo uso indevido da imagem de Chico Mendes, entretanto, a causa de pedir desta é idêntica à do dano material pretendido pelos autores, razão pela qual tenho por improcedente tal pedido, uma vez que deferi-lo seria incorrer em bis in idem.

III - Dispositivo

Ante ao exposto, acolho parcialmente o pedido dos autores para condenar a parte ré ao pagamento de indenização por danos materiais fixados em 1% (um por cento) dos lucros auferidos com a minissérie "Amazônia – de Galvez a Chico Mendes" a ser apurado em liquidação, devidamente corrigido, pelo INPC e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês, a partir da citação.

Não sendo possível a aferição dos lucros obtidos pela ré com a referida obra, a indenização será arbitrada em liquidação.

Declaro resolvido o mérito, nos moldes do art. 269, I, do CPC.

Face a sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento de custas processuais, na proporção de 1/3 para a parte ré e 2/3 para os autores.

Condeno também as partes ao pagamento de honorários sucumbênciais; fixo os honorários dos patronos da parte autora em 10% sobre o valor da condenação e, os honorários dos patronos da parte ré em 10% sobre o valor do pedido de danos morais somados com a diferença entre o valor postulado e o obtido a título de danos materiais.

Tais verbas ficam suspensas por 5 anos, quanto à parte autora, face à gratuidade judiciária deferida.

Publicar e intimar. Após o trânsito em julgado, arquivar.

Rio Branco-AC, 03 de abril de 2012.

Ivete Tabalipa

Juíza de Direito

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