Migalhas Quentes

Guarda municipal que atuou como oficial de Justiça receberá diferenças salariais

Desvio funcional do empregado gera direito à percepção das diferenças salariais respectivas.

28/3/2012

A 8ª turma do TST condenou a Guarda Municipal do RJ a pagar diferenças salariais a um guarda municipal que, por intermédio de convênio firmado entre a recorrida e o TJ/RJ, foi cedido ao Poder Judiciário para trabalhar como oficial de Justiça ad hoc em uma das varas da Fazenda Pública do Estado.

O servidor ajuizou reclamação pedindo para receber as diferenças salariais, alegando que, apesar de realizar as mesmas funções dos oficiais de justiça efetivos, em idênticas condições técnicas, qualidade e produtividade, continuava a receber o salário de guarda municipal, significativamente menor. Com o pedido indeferido na primeira e na segunda instâncias, o funcionário recorreu ao TST, ressaltando que não pretendia novo enquadramento funcional ou mudança de regime jurídico, mas apenas receber as diferenças salariais.

A ministra Dora Maria da Costa, relatora, concluiu que o servidor tinha mesmo direito às diferenças salariais, como estabelecido na OJ 125 da SDI-1 do TST. De acordo com essa OJ, o desvio funcional não gera direito a novo enquadramento, mas apenas à percepção das diferenças salariais respectivas, mesmo que tenha iniciado antes da CF/88.

A relatora esclareceu ainda que o artigo 37, inciso II e parágrafo 2º, da CF/88 impede que o guarda municipal passe a exercer o cargo de oficial de justiça sem prévia aprovação em concurso público. No entanto, não o impede de receber as verbas decorrentes do desvio de função, inclusive para evitar o enriquecimento sem causa do empregador que se beneficiou da realização de tarefas mais complexas sem pagar a devida remuneração.

Veja a íntegra do acórdão.

_____________

A C Ó R D Ã O

(8ª Turma)

GMDMC/Eas/rv/mm

RECURSO DE REVISTA. DIFERENÇAS SALARIAIS. DESVIO DE FUNÇÃO. Constata-se do acórdão regional que o reclamante sofreu desvio funcional, pois restou consignado que ele, guarda municipal, foi nomeado para a função de oficial de justiça ad hoc. Incide, portanto, a Orientação Jurisprudencial nº 125 da SDI-1 desta Corte, pela qual -o simples desvio funcional do empregado não gera direito a novo enquadramento, mas apenas à percepção das diferenças salariais respectivas-. Recurso de revista conhecido e provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-148900-37.2006.5.01.0041, em que é Recorrente EDSON SANTOS QUEIROZ e Recorrida GUARDA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO(SUCESSORA DA EMPRESA MUNICIPAL DE VIGILÂNCIA S.A.).

O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, mediante o acórdão de fls. 247/253, negou provimento ao recurso ordinário do reclamante.

Inconformado, o reclamante interpõe recurso de revista às fls. 261/293, com fulcro no artigo 896, -a- e -c-, da CLT.

O recurso foi admitido pelo despacho de fls. 297/298 por possível contrariedade à Orientação Jurisprudencial nº 125 da SDI-1 do TST em relação às diferenças salariais decorrentes do desvio de função.

A reclamada apresentou contrarrazões às fls. 302/306.

Os autos foram remetidos à Procuradoria-Geral do Trabalho, por força do disposto no artigo 83 do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho, que, considerando inexistir interesse público a ser tutelado pelo Ministério Público do Trabalho nas reclamações trabalhistas movidas em face de empresas públicas ou sociedades de economia mista (Orientação Jurisprudencial nº 237 da SDI-1 do TST), opinou pelo prosseguimento normal do feito.

É o relatório.

V O T O

I - CONHECIMENTO

O recurso é tempestivo (fls. 255 e 261) e está firmado por advogada habilitada (fl. 10). Desnecessário o preparo em razão do deferimento da justiça gratuita (fls. 230/236). Assim, preenchidos os pressupostos comuns de admissibilidade, passo a examinar os específicos do recurso de revista.

DIFERENÇAS SALARIAIS. DESVIO DE FUNÇÃO.

Afirma o reclamante (fls. 263/293) que é empregado público da reclamada e que, por intermédio de convênio firmado entre a recorrida e o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, foi cedido ao Poder Judiciário para trabalhar em uma das Varas da Fazenda Pública. Aduz que trabalhou como oficial de justiça e, em razão do princípio da isonomia, faz jus à percepção de diferenças salariais em relação ao cargo exercido. Ressalta que não discute a -validade/normalidade/legalidade do convênio-, nem tampouco pleiteou enquadramento funcional ou mudança de regime jurídico.

Fundamenta seu recurso na violação dos artigos 8º, parágrafo único, 460 e 461 da CLT; 7º, V, XXX e XXXI, da Constituição Federal; 4º e 5º da LICC; e 126 do Código de Processo Civil e na contrariedade à Orientação Jurisprudencial nº 125 da SDI-1 do TST. Traz como divergentes os arestos de fls. 271 e 273/291.

Ao analisar o tema, assim concluiu o TRT da 1ª Região:

-Do mérito

Não merece provimento o apelo e, a respeito, adoto como razões de decidir e peço vênia ao ilustre julgador de primeiro grau, Dr. Airton da Silva Vargas, para transcrever a r. sentença, no particular, haja vista a mesma abordar o tema de forma objetiva e abrangente. Segue:

'Do que consta nos autos verifica-se que o Reclamante é empregado público, desde 08/01/1994, no cargo de agente da guarda municipal.

Em decorrência da Lei Ordinária Estadual 1.646/90, que criou o Cartório da Dívida Ativa Municipal do Rio de Janeiro, hoje 12ª Vara de Fazenda Pública do Estado do Rio de Janeiro, coube ao Município do Rio de Janeiro o ônus de arcar com os custos de sua instalação e manutenção, inclusive, cedendo servidores para o exercício da função de Oficial de Justiça ad hoc (arts. 6°e 7°).

Sendo do interesse municipal a arrecadação de tributos, através do Convênio de Cooperação Técnica e Material (fls. 63/68), firmado entre o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e o Município do Rio de Janeiro, se obrigou o segundo a ceder Agentes da Guarda Municipal para suprir a necessidade de recursos humanos no cartório criado, mais precisamente, no exercício da função de Oficial de Justiça Avaliador ad hoc.

O Reclamante foi cedido em 25/01/2000 (fls. 25/26), tendo sido revogada a cessão em 08/08/2006 (fl. 32). Pretende, inicialmente, a equiparação salarial, o que retifica por meio da petição de fls. 35, para declarar pretender, tão somente, receber diferenças salariais em decorrência do desvio de função alegado, com aplicação da Orientação Jurisprudencial n° 125 da SDI-I do E. TST.

Não há dúvida alguma nos autos de que o Reclamante exerceu, por um período, função diferente daquela para a qual foi contratado. Mas, tal desvio, da forma como procedido, ensejaria o deferimento de tais diferenças salariais?

Dita o art. 37, II, da Carta Magna, que a investidura em cargo ou emprego público depende de prévia aprovação em concurso público.

Rege-se a administração pública, entre outros, pelos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade. É dever do administrador que todos os atos praticados sejam fundados em tais princípios.

O Constituinte de 1988 deixou claro que a investidura em cargo ou emprego público, mediante prévio concurso público, o seria de acordo com a natureza e complexidade do cargo ou emprego. Os títulos exigidos para a função de Oficial de Justiça Avaliador são distintos dos exigidos aos Agentes de Segurança Pública, em virtude das atribuições e responsabilidades de cada um.

Ora, no momento em que a própria administração pública determina o desvio de função do Reclamante, está ela ferindo o comando constitucional do princípio do concurso público. Tal ato é nulo, na forma do art. 37, § 2°, do mesmo diploma, e não pode gerar efeitos, muito menos patrimoniais ao Reclamante, que já exerceu a função de Oficial de Justiça Avaliador invalidamente.

Deferir-se o pretendido seria não observar-se, ainda, o contido no art. 39, da Carta Magna, que determina que a administração pública instituirá a política de administração e remuneração de seu pessoal, observando na fixação dos vencimentos: a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos, os requisitos para a investidura e as peculiaridades do cargo.

Frise-se, ainda, que as diferenças salariais pretendidas se referem a cargo exercido em outra esfera (estadual), que contêm parâmetros de remuneração que a esfera (municipal), que está vinculado o Reclamante, não está obrigada a obedecer, lembrando-se a vinculação ao orçamento de cada um e a obediência à Lei de Responsabilidade Fiscal. Nem se fale em aplicação da OJ 125-SDI-l-TST, já que os Planos de Cargos e Salários das esferas mencionadas são distintos.

Não se pode esquecer, no presente caso, falar-se na boa-fé do Reclamante, que dispendeu o seu suor, pois, estaria se autorizando a perpetuação da ofensa à legalidade.

A Carta Superior deste país deve ser cumprida e ninguém pode dizer que não a conhece.

Inclusive, não se desincumbiu o Reclamante, sequer, do ônus de trazer aos autos o valor do real salário percebido por um Oficial de Justiça Avaliador, para que fosse analisada sua pretensão, já que atraiu para si as iras dos arts. 818, da CLT, e art. 333,1, do Código de Processo Civil.

Improcedem os pedidos da inicial'.

Conclusão

Conheço do recurso e, no mérito, nego-lhe provimento.- (fls. 249/253).

Ao exame.

O entendimento que se encontra pacificado nesta Corte Superior sob a forma da Orientação Jurisprudencial nº 125 da SDI-1 é o de que o simples desvio funcional do empregado não gera direito a novo enquadramento, mas apenas à percepção das diferenças salariais respectivas, mesmo que o desvio de função haja sido iniciado antes da vigência da CF/88.

Com efeito, o reclamante, guarda municipal, não pode, sem prévia aprovação em concurso público, passar a exercer o cargo de oficial de justiça, ante o óbice do artigo 37, II, e § 2º, da Constituição Federal.

No entanto, como ficou assentado que o ele, guarda municipal, foi nomeado para desempenhar a função de oficial de justiça ad hoc, competindo-lhe cumprir atividades específicas desta, tem direito à percepção das diferenças salariais respectivas e dos reflexos nas verbas salariais do período, conforme a Orientação Jurisprudencial nº 125 da SDI-1 desta Corte.

O disposto no artigo 37, XIII, da Constituição da República não impede a pretensão recursal, visto que se trata, tão somente, de garantir ao reclamante a percepção de diferenças salariais decorrentes do desvio de função efetivamente havido, evitando-se, inclusive, que haja o enriquecimento sem causa da reclamada, que se beneficiou da realização de tarefas mais complexas pelo empregado, sem lhe pagar a devida remuneração.

Nesse sentido segue o entendimento desta Corte Superior analisando a mesma situação fática em face da mesma reclamada:

-AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DIFERENÇAS SALARIAIS. DESVIO DE FUNÇÃO. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, ante a constatação de contrariedade, em tese, à Orientação Jurisprudencial 125 da SBDI-I/TST. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. DIFERENÇAS SALARIAIS. DESVIO DE FUNÇÃO. Dos fundamentos da decisão regional verifica-se que o Reclamante sofreu desvio funcional, pois restou consignado que o Recorrente, guarda municipal, foi nomeado para a função de oficial de justiça ad hoc. Incide na espécie a orientação contida na OJ 125 da SBDI-1/TST, pela qual 'o simples desvio funcional do empregado não gera direito a novo enquadramento, mas apenas à percepção das diferenças salariais respectivas'. Nessa linha, precedentes desta Corte. Recurso de revista conhecido e provido.- (RR - 119240-95.2007.5.01.0062 Data de Julgamento: 26/05/2010, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 11/06/2010).

-RECURSO DE REVISTA. REENQUADRAMENTO. DESVIO DE FUNÇÃO COMPROVADO. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 125 DA SBDI-1. Comprovado o desvio funcional do empregado, um novo enquadramento não é possível, ante a previsão expressa do artigo 37, inciso II e § 2°, da Constituição Federal, sendo-lhe, contudo, devidas as diferenças salariais resultantes, na forma da Orientação Jurisprudencial nº 125 da SBDI-1. Recurso de revista conhecido e provido.- (RR - 101000-64.2007.5.01.0060 Data de Julgamento: 02/09/2009, Relator Ministro: Emmanoel Pereira, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 11/09/2009.

-RECURSO DE REVISTA. 1 - PRELIMINAR DE NULIDADE POR JULGAMENTO EXTRA PETITA. O art. 458 do CPC não trata de julgamento extra petita. Recurso de revista não conhecido. 2 - DIFERENÇAS SALARIAIS. DESVIO DE FUNÇÃO. Extrai-se do acórdão regional que o reclamante sofreu desvio funcional, pois restou consignado que o reclamante, guarda municipal, foi nomeado para a função de oficial de justiça ad hoc. Incide, portanto, a Orientação Jurisprudencial nº 125 da SBDI-1 desta Corte, pela qual "o simples desvio funcional do empregado não gera direito a novo enquadramento, mas apenas à percepção das diferenças salariais respectivas". Recurso de revista conhecido e provido.- (RR - 52700-50.2007.5.01.0067 Data de Julgamento: 04/03/2009, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 06/03/2009).

Conheço, por contrariedade à Orientação Jurisprudencial nº 125 da SDI-1 do TST.

II - MÉRITO

DIFERENÇAS SALARIAIS. DESVIO DE FUNÇÃO.

Como consequência do conhecimento do recurso por contrariedade à OJ 125 da SDI-1/TST, dou-lhe provimento para condenar a reclamada ao pagamento das diferenças salariais decorrentes do desvio funcional, entre 30/10/2000 e 8/8/2006, observada a prescrição já declarada em sentença, sem nenhum reenquadramento do reclamante, com reflexos nas férias, acrescidas do terço constitucional, 13ºs salários e FGTS.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista por contrariedade à Orientação Jurisprudencial nº 125 da SDI-1 do TST e, no mérito, dar-lhe provimento para condenar a reclamada ao pagamento das diferenças salariais decorrentes do desvio funcional, a se apurar em execução, entre 30/10/2000 e 8/8/2006, observada a prescrição já declarada em sentença, sem nenhum reenquadramento do reclamante, com reflexos nas férias, acrescidas do terço constitucional, 13ºs salários e FGTS. Inverte-se o ônus de sucumbência e dispensa-se a reclamada do pagamento das custas processuais, com fundamento no artigo 1º do Decreto-Lei nº 779/69.

Brasília, 07 de março de 2012.

Dora Maria da Costa

Ministra Relatora

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