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Urgência em proteger a mulher pode prescindir de inquérito policial

O pedido de medidas protetivas de urgência não vem instruído como um inquérito policial, sendo desnecessária a oitiva de testemunhas ou do agressor.

19/3/2012

Decisão

Urgência em proteger a mulher pode prescindir de inquérito policial

A 4ª câmara Criminal do TJ/SC reformou decisão que extinguiu ação em que uma mulher solicitava a aplicação, contra o ex-companheiro, de medida protetiva prevista na lei Maria da Penha, por reiteradas ameaças. Ela pedia que o homem fosse proibido de se aproximar da família.

O juiz pôs fim ao processo sob alegação de que ele estava instruído apenas com a declaração da vítima, registro de boletim de ocorrência e representação – todos documentos unilaterais, sem o depoimento do suposto agressor. "Não cabe extinguir o procedimento de aplicação de medida protetiva em razão de estar acompanhado apenas com as declarações da vítima, uma vez que o magistrado deverá realizar audiência de justificação para colher maiores elementos de cognição", explicou o desembargador Carlos Alberto Civinski, relator da matéria.

O magistrado acrescentou que a ação está regular, uma vez que foi ouvida a ofendida, lavrado o boletim de ocorrência e tomada a termo a representação contendo o pedido. "Não possuindo a ofendida documentos para anexar ao pedido, ele é encaminhado ao magistrado assim mesmo, sem a necessidade de oitiva de testemunhas nem do agressor", garantiu.

Veja a íntegra da decisão.

___________

Apelação Criminal n. 2009.007861-5, de Jaraguá do Sul Relator: Des. Substituto Carlos Alberto Civinski

PENAL. LEI MARIA DA PENHA. APELAÇÃO CRIMINAL. AÇÃO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA. PEDIDO PARA PROIBIÇÃO DO AGRESSOR DE APROXIMAÇÃO DA VÍTIMA E SEUS FAMILIARES (ART. 22, III, A, DA LEI 11.340/2006). EXTINÇÃO DO PROCESSO. FALTA DE ELEMENTOS PARA DECIDIR. RECURSO DA OFENDIDA. PEDIDO DE REMESSA PARA A AUTORIDADE POLICIAL, A FIM DE QUE PROCEDA À DEVIDA INSTRUÇÃO. DESNECESSIDADE. OBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 12 DA LEI 11.340/2006. PLEITO DE REABERTURA DO PROCESSO. VIABILIDADE. EXTINÇÃO PREMATURA DA AÇÃO. CABE AO MAGISTRADO DETERMINAR A PRODUÇÃO DAS PROVAS NECESSÁRIAS (ART. 13 DO CPP E ART. 130 DO CPC). SENTENÇA REFORMADA.

- Não cabe extinguir o procedimento de aplicação de medida protetiva em razão de estar acompanhado apenas com as declarações da vítima, uma vez que o magistrado deverá realizar audiência de justificação para colher maiores elementos de cognição.

- O pedido de medidas protetivas de urgência não vem instruído como um inquérito policial, sendo desnecessária a oitiva de testemunhas ou do agressor.

- Parecer da PGJ pelo provimento do recurso para determinar o regular prosseguimento da ação, com remessa dos autos à autoridade policial.

- Recurso conhecido e parcialmente provido, apenas para determinar o regular prosseguimento da ação.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2009.007861-5, da comarca de Jaraguá do Sul (Vara Criminal), em que é apelante D. de P. M. N., e apelada A Justiça, por seu Promotor:

A Quarta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, para determinar o regular prosseguimento da ação. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Jorge Henrique Schaefer Martins, presidente, e Des. José Everaldo Silva.

Florianópolis, 09 de fevereiro de 2012.

Carlos Alberto Civinski

RELATOR

RELATÓRIO

Ação de medida protetiva de urgência: D. de P. M. N. Ingressou com ação protetiva em face de N. M. com pedido para proibir o agressor de aproximação da ofendida e seus familiares - art. 22, III, a, da Lei 11.340/2006 (fls. 5/6).

Sentença: extinguiu a ação, ante a falta de elementos para decidir, uma vez que presente somente o depoimento da ofendida, sem que tenha sido ouvida qualquer testemunha dos fatos (fl. 9).

Recurso de apelação criminal da ofendida D. de P. M. N.: D. de P. M. N. Interpôs recurso de apelação às fls. 11-15, na qual alegou, em síntese, que:

a) houve erro de procedimento da autoridade policial que acarretou a extinção da demanda;

b) continua sujeita a perturbação e ameaças por parte do agressor;

Requereu o provimento do recurso para anular a sentença e, por conseguinte, instaurar a instrução (fls. 11-15).

Contrarrazões do Ministério Público:

O Membro do Ministério Público, às fls. 45-47, apresentou contrarrazões, na qual sustentou que:

a) a alegada ameaça não deixou vestígios, nem foi presenciada por nenhuma testemunha, circunstância que não impede a colheita de novos elementos de convicção no curso do inquérito policial;

b) os elementos demonstram a existência do fim de um relacionamento, com a utilização de palavras que atentam mais contra a honra do que se revestem de uma ameaça.

Parecer da PGJ: o Procurador de Justiça Sérgio Rizelo opinou pelo conhecimento e provimento do recurso, para determinar o regular prosseguimento da ação, com a remessa dos autos à autoridade policial, a fim de que atenda ao disposto no art. 12 da Lei 11.340/2006 (fls. 52-56).

Este é o relatório.

VOTO

Cuida-se de apelação criminal interposta pela ofendida D. de P. M. N. em face da decisão que extinguiu a ação de medida protetiva de urgência - por si proposta -, sob o fundamento de falta de elementos para decidir, uma vez que presente somente o depoimento dela, sem a oitiva de qualquer testemunha.

Sobre o procedimento a ser adotado pela autoridade policial quanto às medidas protetivas de urgência, prevê o art. 12 da Lei 11.340/2006 que:

Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;

II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;

III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;

IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;

V - ouvir o agressor e as testemunhas;

VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de

outras ocorrências policiais contra ele;

VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.

§ 1o O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter:

I - qualificação da ofendida e do agressor;

II - nome e idade dos dependentes;

III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.

§ 2o A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1o o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida.

§ 3o Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.

Como se pode ver, no caso, o procedimento encaminhado pela autoridade policial está regular, uma vez que foi ouvida a ofendida, lavrado o boletim de ocorrência (fls. 3-4) e tomada a termo a representação, contendo o pedido de concessão de medidas protetivas de urgência (fls. 5-6). Não possuindo a ofendida documentos para anexar ao pedido, ele é encaminhado ao magistrado assim mesmo, sem a necessidade de oitiva de testemunhas nem do agressor.

Ademais, há que se considerar a existência de vários outros processos entre as partes - ações de alimentos 036.08.007446-0 e 036.08.007510-5; ação de execução de pensão 036.08.009283-2; termo circunstanciado 036.08.009621-8; e inquérito policial 036.08.010275-7-, demonstrando a gravidade do conflito.

Assim, não havendo elementos suficientes para decidir acerca do pedido de concessão de medida protetiva de urgência, cabia ao Juízo a quo determinar a produção das provas necessárias com base nos artigo 13 do Código de Processo Penal e artigo 130 do Código de Processo Civil.

Uma possibilidade, seria designar audiência de justificação, na qual a ofendida poderia levar testemunhas para serem ouvidas. Tudo, sem a oitiva do agressor.

Acerca do processo judicial, em relação às medidas protetivas de urgência, ensina Maria Berenice Dias:

Medida protetiva de urgência:

[...]

Na distribuição serão certificados os antecedentes criminais do agressor, a existência de outras medidas protetivas e ações cíveis ou de família envolvendo as partes. A presença de procedimentos anteriores gera a prevenção do juízo, pois de todo recomendável que o mesmo magistrado fique vinculado às demandas cuja causa é a mesma.

Ao receber o expediente o juiz precisa entender que o pedido de providências foi levado a efeito pela autoridade policial. Assim, não há como exigir que estejam atendidos todos os requisitos quer de uma petição inicial, quer de um inquérito policial ou de uma denúncia. Às claras que haverá ausência de peças, falta de informações e de documentos, mas isso não é motivo para indeferir o pedido ou arquivá-lo. Cabe-lhe determinar as provas necessárias (art. 130 do CPC). Não se está diante de processo crime e o Código de Processo Civil tem aplicação subsidiária (art. 13). Ainda que o pedido tenha sido formulado perante a autoridade policial, devem ser minimamente atendidos os pressupostos das medidas cautelares do processo civil, ou seja, podem ser deferidas inaudita altera pars ou após audiência de justificação e não prescindem da prova do fumus boni juris e periculum in mora.

[...]

O magistrado tem o prazo de 48 horas para apreciar o pedido liminar (art. 18):

deferir ou indeferir o pedido ou designar audiência de justificação. As medidas protetivas serão acolhidas ou rejeitadas de plano, sem necessidade de prévia ciência ao Ministério Público (art. 19, § 1º). Depois da decisão liminar, é que cabe ser intimado o promotor.

[...]

Audiência de justificação:

Não formando a convicção da necessidade ou pertinência da medida pleiteada pela mulher perante a autoridade policial, é facultado ao juiz, ao invés de indeferir o pedido e extinguir o procedimento, designar audiência de justificação. [...] A vítima será intimada pessoalmente e cientificada da possibilidade de trazer testemunhas para serem ouvidas. Comparecendo desacompanhada de advogado, ser-lhe-á nomeado um defensor. Para a solenidade é de ser intimado o Ministério Público.

O agressor não é nem citado nem intimado, eis que a audiência é realizada inaudita altera parte. [...]

Não sendo deferida qualquer medida protetiva, nada sendo requerido pela ofendida e nem pelo promotor, decorrido o prazo recursal, o expediente será arquivado. [...]

Oportunamente, o expediente será apensado ao inquérito policial quando este aportar na justiça. (A Lei Maria da Penha na justiça. 2. tir. São Paulo: RT, 2008. pp. 140-144)

Portanto, tratando-se de procedimento civil, embora lavrado perante a autoridade policial, o pedido de medidas protetivas de urgência não vem instruído como um inquérito policial, sendo a este apensado posteriormente.

Ante o exposto, voto pelo conhecimento e provimento parcial do recurso, para determinar o regular prosseguimento da ação.

Este é o voto.

Florianópolis, 09 de fevereiro de 2012.

Carlos Alberto Civinski

RELATOR

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