Professor ganha direito de conhecer autoria de e-mail ofensivo
O professor recebeu, em março do ano passado, mensagem de um endereço eletrônico que continha ofensas, acusações e ameaças. No e-mail, o remetente afirmava que o professor se aposentou fraudulentamente e se apropriou indevidamente de bens de seus pais.
O requerente solicitou ao IG bloqueio da conta e preservação de dados do titular. Por meio de medida cautelar, ele requereu que a empresa fornecesse as informações disponíveis sobre o remetente, para que ele pudesse ser identificado e responsabilizado.
O provedor recorreu sustentando que a mensagem foi apagada e a empresa não possui backup de todo o conteúdo enviado. O IG argumentou ainda que a responsabilidade pelas ofensas não é sua, mas do usuário da conta.
O desembargador relator Wanderley Paiva observou que "embora tenha proteção constitucional, o sigilo das comunicações não pode ser tão absoluto que permita a prática de atividades ilícitas, que poderiam, em razão de sua inviolabilidade, ficar impunes".
Seguiram o mesmo entendimento os desembargadores Selma Marques e Fernando Caldeira Brant.
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Processo: 021117-7-10.2011.8.13.0145
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Apelação Cível Nº 1.0145.11.021117-7/001 - COMARCA DE Juiz de Fora - Apelante(s): IG INTERNET GROUP BRASIL LTDA - Apelado(a)(s): A. C. P.
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 07 de março de 2012.
DES. WANDERLEY PAIVA
Relator
Des. Wanderley Paiva (RELATOR)
V O T O
Trata-se de recurso de apelação interposto às fls. 74/81, contra a sentença de fls. 62/63 que, nos autos da Medida Cautelar Preparatória de Exibição de Documentos, Arquivos e Dados proposta por A.C.P. em face de Internet Group do Brasil S.A. - IG, julgada procedente para determinar que a requerida exiba, no prazo de 10 dias, todos os dados cadastrais do email traninpessoa@ig.com.br, o IP do computador do qual fora enviada a mensagem ofensiva ao requerente; a latitude e a longitude do IP do computador onde saiu a referida mensagem; a localização completa e exata do computador do qual foi elaborada e enviada a mensagem multicitada.
Na sentença, o ilustre Juiz deixou de condenar a requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, ao argumento de que não havia anteriormente como esta fornecer extrajudicialmente os dados requeridos, em função de vedação constitucional já mencionada. E determinou que as custas ficassem a cargo do requerente, todavia suspensas, pelo prazo de 05 (cinco) anos, nos termos do art. 12 da LAJ.
Nas razões de recurso, de fls. 74/81, sustenta a apelante que, por ocasião da contestação, não informou se teria ou não a possibilidade de cumprir a obrigação uma vez que as empresas não podem sequer acessar a conta dos usuários sem ordem judicial determinante, razão pela qual não fez acesso a conta do usuário no sentido de verificar se poderia ou não cumprir as obrigações. Porém, quando da determinação judicial constatou não poder cumprir a obrigação integralmente.
Aduz que, com referência às informações do IP do computador, latitude e longitude e ainda localização completa, as mesmas não foram obtidas uma vez que a mensagem foi deletada e a apelante não possui backup.
Que por ser livre o cadastramento de qualquer pessoa às contas de e-mail, torna-se impossível imputar qualquer responsabilidade às empresas provedoras deste serviço, não tendo a apelante legitimidade para ocupar o pólo passivo da presente lide e requer o conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença de primeira instância e julgar a ação improcedente.
Ao recurso, o apelado ofereceu as contrarrazões de fls. 84/90, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Preparo às fls. 82.
Em síntese, é o relatório.
Verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso, dele conheço.
Analisando a inicial, afirma o apelado que em data de 12 de março de 2011, recebeu um e-mail, originado do site traninpessoa@ig,com.br,, com conteúdo desrespeitoso à sua pessoa, contendo falsas alegações, ameaças e afirmações de teor discriminatório em relação à sua opção sexual, traduzindo em cometimento de crimes diversos a serem apurados e penalizados na esfera judicial competente.
Informa o apelado que ao receber o e-mail se dirigiu à Polícia Militar a fim de lavrar o competente Boletim de Ocorrência e, ainda, encaminhou à requerida uma correspondência com AR, relatando o ocorrido e requerendo o bloqueio imediato do endereço eletrônico e preservação de todos os dados relativo ao e-mail, para fins de comprovação da materialidade, com o objetivo de apurar responsabilização cível ou penal, de quem abalou de forma cruel o requerente, mesmo porque atingiu sua moral, sua honra, sua imagem em seu mais alto nível de intimidade.
Ora, na verdade, a ação cautelar exibitória, que se amolda ao presente pedido, possui a finalidade de trazer, ao autor, elementos fáticos que lhe possibilitarão formar um juízo acerca do direito material que entende possuir, de modo a possibilitar o eventual exercício de tal direito, de maneira mais eficaz.
Vislumbra-se de douto ensinamento jurisprudencial:
"A exibição de documentos é medida cautelar preparatória de natureza satisfativa, que tem por objetivo permitir que a parte interessada tenha às vistas o documento, a fim de examiná-los para atestar seu direito ou interesse." (Ac. un. da 10 Câm. do TJGO de 16.03.1993, na Ap 28.975-9/188, rel. Des. Távora de Siqueira; Ement. Rev. Goiana Jurisp. 007/30).
Observando os autos, verifica-se que, por ocasião da apresentação da contestação, a requerida se limitou a afirmar não poder apresentar os dados solicitados sem que houvesse uma determinação judicial, nos termos da doutrina e jurisprudência.
Proferida a sentença, julgando procedente o pedido inicial, a requerida interpôs os embargos declaratórios de fls. 66/68, alegando não poder cumprir integralmente a decisão. Referidos embargos foram julgados improcedentes.
Agora, no recurso, volta a recorrente a afirmar a impossibilidade do cumprimento da decisão, afirmando, ainda, ser parte ilegítima para responder a presente ação.
Ora, in casu, tem-se que necessita o autor tomar conhecimento acerca dos dados solicitados, para que posteriormente, caso entenda cabível, possa ajuizar ação que entender cabível a fim de defender seus direitos.
Quanto ao fornecimento de dados de clientes armazenados em poder da apelante, deve ser ressaltado que a Constituição Federal, em virtude do princípio da dignidade da pessoa humana, prevê no art. 5º, inciso XII, a inviolabilidade do sigilo das comunicações telegráficas, de dados e telefônicas, assim disposto:
Dispõe o art. 5º, inciso XII, da CF/88:
(...)
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;"
Desta forma, e diante do dispositivo acima citado, não resta dúvida de que é inviolável o sigilo de dados e das comunicações, a não ser mediante ordem judicial.
Neste contexto, embora o sigilo das comunicações tenha proteção constitucional, este não pode ser tão absoluto de forma a permitir a prática de atividades ilícitas que poderão, em razão do sigilo restar impunes.
Assim, no caso dos autos, a apelante pode e deve exibir os dados solicitados, conforme determinado na sentença.
Por outro lado, o apelado tem direito de conhecer o autor da infração, para tomar as medidas que entender cabíveis, o que pode se concluir que o fornecimento de dados cadastrais em poder do provedor de acesso à internet, que permitam a identificação de prováveis autores de infrações penais, não fere o direito à privacidade e o sigilo das comunicações, uma vez que dizem respeito à qualificação de pessoas, e não ao teor da mensagem enviada.
Neste sentido:
"EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA - CRIMES CONTRA A HONRA PRATICADOS PELA INTERNET - REQUISIÇÃO DE ORDEM JUDICIAL PARA QUE O PROVEDOR FORNEÇA A IDENTIFICAÇÃO DO TITULAR DE DETERMINADAS CONTAS DE E-MAILS - CONCESSÃO DA SEGURANÇA.
Como corolário do princípio da dignidade da pessoa humana, a Constituição Federal atual assegurou o direito à intimidade, proclamando no art. 5º, inciso XII a inviolabilidade do sigilo das comunicações telegráfica de dados e telefônica.
Apesar da magnitude do direito em destaque, de cunho Constitucional, é sabido que as liberdades públicas estabelecidas não podem ser consideradas como tendo valor absoluto cedendo espaço em determinadas circunstâncias, sobretudo quando utilizadas para acobertar a prática da atividade ilícita.
O fornecimento de dados cadastrais em poder do provedor de acesso à Internet, que permitam a identificação de autor de crimes digitais, não fere o direito à privacidade e o sigilo das comunicações, uma vez que dizem respeito à qualificação de pessoas, e não ao teor da mensagem enviada." (Ac. no MS nº 1.0000.04.414635-5/000, 3ª Câmara Criminal, rel. Des. Paulo Cézar Dias, j. em 01.03.2005, in www.tjmg.gov.br, disponível em 27.11.2006).
EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - APELAÇÃO - AÇÃO CAUTELAR - EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS - NATUREZA SATISFATIVA - SIGILO DOS DADOS DE USUÁRIO DE INTERNET - ART. 5º, XII DA CF/88 - GARANTIA CONSTITUCIONAL NÃO ABSOLUTA PARA CASOS DE ATO ILÍCITO - PEDIDO PROCEDENTE - RESISTÊNCIA CARACTERIZADA - VERBAS DE SUCUMBÊNCIA - CABIMENTO - REDUÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - NÃO CABIMENTO - RECURSO NÃO PROVIDO.- A ação cautelar de exibição de documentos destina-se a tornar conhecidos da parte autora os fatos de que tenha interesse para eventual e futura ação.- Embora o sigilo das comunicações tenha status constitucional, não pode ser absoluto de forma a ceder espaço para a prática de atividades ilícitas, as quais não poderão restar impunes em razão do mencionado sigilo.- Se os honorários foram arbitrados atendendo-se aos critérios de equidade estabelecidos no § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil, não cabe modificação. Dessa forma, o juiz não está limitado aos percentuais estipulados no § 3º desse dispositivo, podendo esses ser estabelecidos em valor determinado.- Recurso conhecido e não provido.(TJMG - APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0145.10.042719-7/001 – 17ª Câmara Cível – Rel. Dês. Márcia de Paoli Balbino – Julgamento 29/09/2011).
Por fim, é necessário ressaltar a importância das redes sociais nos dias atuais, entretanto, não podemos confundir a liberdade de acesso a essas redes com a libertinagem, o que, muitas vezes, poder-se-ia dizer que pelo menos em tese há delitos. Porém, até hoje o Congresso Nacional não legislou matéria sobre o assunto, daí porque, todo e qualquer abuso deve ser coibido, isto é, para evitar, assim, a banalização das redes sociais, proporcionando o decisum em segurança jurídica ao usuário,
Com essas considerações, nego provimento ao recurso, mantendo a sentença de primeira instância por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Custas recursais, pela apelante.
Des.ª Selma Marques (REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a).
Des. Fernando Caldeira Brant - De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: "SÚMULA: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO."