Migalhas Quentes

Justiça condena pais de meninas que invadiram Orkut de colega

Foram alteradas informações pessoais da página e legendas de fotos, com inserção de palavras de baixo calão.

1/3/2012

Danos morais

Justiça condena pais de meninas que invadiram Orkut de colega

O juízo da 3ª vara Cível de Ponta Grossa/PR condenou os pais de duas meninas a indenizarem em R$ 15 mil uma colega das filhas e seu irmão.

As meninas invadiram o Orkut da "amiga" e alteraram as informações pessoais da página e legendas de fotos, inserindo palavras de baixo calão e fotos depreciativas. O irmão da vítima também foi alvo de ofensas na rede social, e por isso foi incluído na ação. Com as chacotas na escola, a vítima e o irmão mudaram de colégio.

Consignou o juiz sentenciante: "Diariamente, inúmeros usuários, das mais diversas redes sociais, têm suas senhas furtadas, e seus dados alterados - seja por hackers ou não. Fato é que, de uma forma ou de outra, a vítima sempre acaba sofrendo algum abalo psicológico vez que as alterações são, via de regra, seguidas de informações depreciativas e, na grande maioria das vezes, injuriosas."

Entendendo que ficou comprovado o abalo moral e a autoria das ofensas ("uma operacionalizou o computador; a outra instigou, fomentou e induziu-a no cometimento das ofensas"), o juízo estipulou indenização no valor de R$ 10 mil para a garota e de R$ 5 mil para o irmão.

A causa foi patrocinada pelo advogado Carlos Eduardo Martins Biazetto, do escritório Martins Biazetto Advogados Associados.

___________

1. Relatório

X e Y, menores impúberes, neste ato representado por sua genitora, Sra. S.A.K., devidamente qualificados na inicial, propôs a presente ação de indenização por danos morais contra I.S.V. E T.V., genitores da menor Z; e S.A.S. e V.S., genitores da menor W., igualmente qualificados na inicial, expondo o que segue.

Expõe os requerentes que eram amigos íntimos das menores Z e W, com as quais sempre tiveram bom relacionamento. No entanto, afirma que, sem qualquer motivo aparente, as menores Z e W acessaram a rede de relacionamento denominada ORKUT que a primeira requerente mantinha na internet, e alterou as suas informações do perfil e as legendas das fotos, com o objetivo de denegrir a imagem da primeira e do segundo requerente.

Afirmam que da atitude de ambas as menores lhes sobrevieram profundos abalos psicológicos, vez que diariamente eram humilhados pelas menores (Z e W) e por alguns colegas de escola.

Afirmam ainda que o acesso às informações da primeira requerente só foi possível porque as menores acima referidas furtaram a senha de acesso à página.

Além disso, relatam que só ficaram sabendo do por quê de tanta humilhação por uma professora do colégio, que acessou a página da menor X para imprimir uma foto de sua mãe, que seria utilizada num trabalho da escola.

Diante disso, com base na legislação pátria, em entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, vem perante este juízo requerer a condenação dos requeridos ao pagamento de indenização por danos morais.

Juntou procuração e documentos (fls. 29/45).

Devidamente citados (fls. 55; 56), os requeridos apresentaram contestação (fls. 59/67; 80/90).

Contestando o feito, a primeira requerida nega que a menor Z seja a autora dos fatos.

Afirma que a menor jamais teve acesso à senha e informações do ORKUT da primeira requerente.

Sustenta que, por não ter ficado demonstrado a culpa da requerida, não há que se falar em responsabilidade civil pelos transtornos causados.

Ao final, pugna para que seja o feito julgado totalmente improcedente.

Em seguida, apresentou contestação a segunda parte requerida.

Preliminarmente argúi carência de ação por ilegitimidade de parte.

No mérito atribui a culpa do ocorrido à menor Z.

Afirma desconhecer o modo como a mesma teve acesso às informações da primeira requerente e refuta todas as provas trazidas com a inicial. Refuta os argumentos dos requerentes quanto os abalos psicológicos, e afirma que tudo não passou de "meros aborrecimentos ou contratempos".

Fundamenta-se em entendimentos jurisprudenciais.

Pugna ao final para que sejam os pedidos aduzidos na inicial julgados totalmente improcedentes.

Os requerentes replicaram.

Após, foi designada audiência de instrução e julgamento (fls. 110), e em seguida o D. representante do Ministério Público manifestou-se favoravelmente à procedência dos pedidos.

Após, vieram os autos conclusos para sentença.

É o relatório.

Decido.

2. Fundamentos

2.1. Exame do mérito

Versam os autos sobre ação de indenização por danos morais, decorrentes de ofensas feitas na página que a menor X mantinha junto ao ORKUT.

Não é de hoje que práticas como as narradas nos autos vem acontecendo. Diariamente, inúmeros usuários, das mais diversas redes sociais, têm suas senhas furtadas, e seus dados alterados - seja por hackers ou não. Fato é que, de uma forma ou de outra, a vítima sempre acaba sofrendo algum abalo psicológico vez que as alterações são, via de regra, seguidas de informações depreciativas e, na grande maioria das vezes, injuriosas.

Foi o que aconteceu no caso em mesa. Noticiam os autos que duas menores (Z eW), então "amigas" de ambos os requerentes, invadiram/acessaram o Orkut da primeira requerente e alteraram, além dos dados pessoais, as legendas das fotos.

Pelos documentos colacionados aos autos (fls. 32/38), constata-se cabalmente que a intenção não era outra, se não denegrir, macular, e ridicularizar os requerentes e, de modo muito particular, a primeira, a menor X.

Questão muito discutida em ambas as contestações apresentadas dizem respeito à autoria das ofensas. A primeira nega, e diz que pode ter sido feito por qualquer 'pirata da internet'. A segunda, por seu turno, eximi-se de culpa e atribui unicamente à menor Z. Anote-se o trecho, que ora se transcreve, do depoimento prestado pela pedagoga orientadora (Sra. M.D. R.H.) do Colégio, onde estudavam todos os menores envolvidos na desavença:

Depoente: - "Uma colega da X colocou pra mim (sic) que tinha ouvido a confissão das meninas que fizeram a alteração das frases [...].Então, eu chamei as meninas."

Juiz: - "Quem eram as meninas?"

Depoente: - "Então, era a Z e W. Então, eu sempre chamo os envolvidos nas situações e ouço cada um, dou a vez para cada um expor, falar, explicar. E aí foi já de imediato. Na primeira situação de conversa a Z e a W admitiram que tinham feito. Claro, falaram que foi por brincadeira; embora a gente sabe que não se deve, eu já disse, já orientei no momento. Mas no dizer delas era isso.[...]."

Juiz: - "Nesse primeiro contato que a senhora chamou a Z e a W, elas estavam só com a senhora, ou tinha mais alguém?"

Depoente: - "Estavam as duas meninas, aí a X (vítima), e mais a coleguinha que tinha ouvido [...], que levou pra (sic) X (a notícia da autoria), que trouxe pra mim (sic). Daí eu chamei todas. Eu sempre coloco todos frente a frente, assim."

Juiz: - "E já nessa primeira conversa que a senhora teve, a Z e a W confessaram?"

Depoente: - "Confessaram!"

Juiz: - "Elas disseram como isso foi feito, ou não?"

Depoente: - "Olha, riqueza de detalhe eu realmente não lembro. Eu lembro que elas disseram que tinham feito; que fizeram juntas; que estavam juntas. Até a W me disse que, se não me engano, a Z que operava no computador, mas que elas estavam trocando ideias pra (sic) fazer."

Diante disso, afasta-se por completo qualquer argumento no sentido de que os ataques partiram de hackers (fls. 62) ou tão-somente da menor Z (fls. 81).

Somando o depoimento acima transcrito com os documentos de folhas 31/38, os quais são cópias fieis das páginas alteradas, extrai-se que os ataques são pessoais, cujo alvo direto é a menor X. Isso, acabou por atingir indiretamente o menor Y, que ora também figura no pólo ativo, vez que também acabou sendo alvo de chacotas pelas menores.

Ainda, pelo depoimento transcrito acima, vislumbra-se claramente que ambas as menores agiram em conjunto. Uma operacionalizou o computador; a outra instigou, fomentou e induziu-a no cometimento das ofensas.

Reconhecido está, portanto, a autoria das ofensas.

No entanto, como os atos foram praticados por menores impúberes, cabem aos pais a responsabilização por seus atos, nos moldes disposto no art. 1.364, inc. V/CC. Passa-se, então, à análise do dano.

Em matéria de responsabilidade civil, para ser reconhecido o dever de indenizar, necessária se faz a presença dos requisitos que autorizam tal reconhecimento, quais sejam: o dano, o nexo de causalidade e a culpa do agente. Sergio Cavalieri Filho, in Programa de Responsabilidade Civil, 6ª edição, Editora Malheiros, 2005, fl. 41, ensina:

Sendo o ato ilícito, conforme já assinalado, o conjunto de pressupostos da responsabilidade, quais seriam esses pressupostos na responsabilidade subjetiva? Há primeiramente um elemento formal, que á a violação de um dever jurídico mediante conduta voluntária; um elemento subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa; e, ainda, um elemento causal-material, que é o dano e a respectiva relação de causalidade.

Esses três elementos, apresentados pela doutrina francesa como pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, podem ser claramente identificados no art. 186 do Código Civil, mediante simples análise do seu texto, a saber:

a) conduta culposa do agente, o que fica patente pela expressão "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia"; b) nexo causal, que vem expresso no verbo causar; e c) dano, revelado nas expressões " violar direito ou causar dano a outrem.

Portanto, a partir do momento em que alguém, mediante conduta culposa, viola direito de outrem e causa-lhe dano, está-se diante de um ato ilícito, e deste ato nasce o dever de indenizar, consoante o art. 927 do Código Civil.

Sabe-se que o dano moral atinge, fundamentalmente bens incorpóreos, ou seja, a honra, a auto-estima a privacidade da pessoa, que nesta contingência encontra imensa dificuldade em fazer prova da lesão ao bem da vida, donde advém a desnecessidade da vítima provar sua efetiva existência.In casu, as ofensas foram perpetradas contra dois pré-adolescentes e por dois, também, pré-adolescentes.

Ao discorrer sobre a inexistência do dano moral sofrido pelos requerentes, o peticionário da segunda requerida afirma que: "Alguns fatos da vida não ultrapassam a fronteira dos meros aborrecimentos ou contratempos. São os dissabores ou transtornos normais da vida e, sociedade, que não permitem a efetiva identificação da ocorrência do dano moral."

Indagada se os requerentes haviam sofrido algum transtorno decorrente da conduta das menores Z e W, assim se manifestou a pedagoga orientadora em depoimento prestado a este juízo:

Promotor: - "Depois dos fatos, como é que foi o comportamento dessas duas pessoas que tinham essas páginas no Orkut (as vítimas); qual foi o comportamento delas? Continuaram comportamento normal? Foram alvo de chacotas? Alguma coisa nesse sentido?"

Depoente: - "Bem, nós não divulgamos isso pra escola. Só sabia quem elas contaram e com os outros alunos não teve problema nenhum. O que eu sempre percebi foi a X muito abalada psicologicamente com isso. Faltava à aula porque não tinha condições de ir pra escola e olhar pras (sic) colegas. Ela relatava, mas eu não vi, que a Z e a W às vezes ironizavam, davam risadas dela, de alguma coisa. Eu não vi as cenas, só tinha o relato da X; e só vi a X realmente agravando o comportamento depressivo e de não querer ir pra (sic) escola, tanto que, daí, deixou a escola; saiu do colégio."

Promotor: - "E o menino também estudava no colégio, ou não?"

Depoente: - "O irmão da X sim, e daí também saiu junto."

Acrescenta-se ao depoimento acima transcrito o depoimento da segunda testemunha, Sra. A.L. - secretária da escola, "Parecer Psicológico" de fls. 39/40 e o "Relatório Médico" de fls. 41.

Todas essas provas somadas, leva-nos a concluir que a principal prejudicada, e a que mais sofreu com as ofensas foi a primeira requerente. Por certo que não se pode olvidar do constrangimento sofrido pelo menor Y pelo fato de que, além de ter sido ofendido na referida rede social, presenciou o desgaste psicológico da irmã e foi, em consequência disso, obrigado a mudar de colégio.

Diante disso, indaga-se: seria mesmo a hipótese de "meros aborrecimentos ou contratempos", como quer fazer entender o peticionário da segunda requerida? Evidentemente que não. Os fatos narrados na inicial foram cabalmente comprovados. Mas o que é a indenização por danos morais, senão a reparação a esse tipo de "prejuízo"?

Nesse sentido, Maria Helena Diniz afirma que dano moral consiste: "[...] na lesão de interesses não patrimoniais, [...] contido nos direitos da personalidade (como a vida, a integridade corporal e psíquica, a liberdade, a honra, o decoro, a intimidade, os sentimentos afetivos, a própria imagem) ou nos atributos da pessoa (como o nome, a capacidade, o estado de família). Abrange, ainda, a lesão à dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1º, III).

Por seu turno, Rui Stoco leciona que: Quando se cuida do dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-se deslocado para a convergência de duas forças: "o caráter punitivo" para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o "caráter compensatório" para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal sofrido.

Assim, considerando o constrangimento sofrido pelos requerentes, a culpa das menores que foram graves uma vez que ambos os requerentes foram expostos à situação vexatória, firmo indenização em R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a menor X, e R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para o menor Y, pelos motivos expostos acima.

Esse valor não se revela aviltante, nem implicará em enriquecimento dos requerentes, na medida em que não implicará em substancial acréscimo em seu patrimônio, e por outro lado, também não desfalcará o patrimônio da requerida.

Atende a finalidade como medida de reparação em prol dos requerentes e também como sanção ante ao desdém com que foi tratado pelas requeridas.

3. Dispositivo

ANTE AO EXPOSTO, com fundamento no art. 269, I, do Código de Processo Civil, julgo procedente os pedidos deduzido na inicial para o fim de:

a) Condenar os requeridos, solidariamente, a pagar à primeira requerente (X) o montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de reparação por danos morais, corrigidos monetariamente pelo INPC e com juros de mora de um por cento ao mês, desde esta data, na forma da Súmula 362 do STJ;

b) Condeno os requeridos, solidariamente, a pagar ao segundo requerente (Y) o montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de reparação por danos morais, corrigidos monetariamente pelo INPC e com juros de mora de um por cento ao mês, desde esta data, na forma da Súmula 362 do STJ.

Condeno exclusivamente os requeridos ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios que fixo desde já, à luz do que dispõe o art. 20, § 3º do CPC, em 15% (quinze por cento) do valor da condenação, devendo o montante integral (custas+ despesas+honorárias) a ser dividido da seguinte forma: 50% (cinquenta por cento) às expensas da primeira requerida e 50% (cinquenta por cento) às expensas da segunda requerida.

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