Decisão
Pedestre imprudente tem culpa exclusiva em atropelamento
O autor ajuizou a ação contra a empresa narrando que, em junho de 2003, após descer de um coletivo, enquanto atravessava o corredor de ônibus da avenida pela faixa de segurança, foi atropelado por outro coletivo de propriedade da ré que trafegava em sentido contrário.
As testemunhas ouvidas em juízo foram uníssonas ao narrarem que o motorista foi surpreendido pelo autor, que tentou realizar a travessia da pista em local inadequado e em momento inoportuno, de maneira desatenta, saindo detrás de outro coletivo que se encontrava parado no sentido contrário, tendo sido esta a causa determinante do acidente.
O voto do desembargador Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil, relator, destaca, que, mesmo próximo de faixa de segurança, o pedestre não se exime do dever de se certificar da possibilidade de fazer a passagem com a segurança necessária, conforme preceitua o artigo 69, III, a, do Código de Trânsito Brasileiro.
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Processo: 70040678690
Veja a íntegra da sentença.
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APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. ATROPELAMENTO. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA.
O conjunto probatório contido nos autos demonstra que o atropelamento ocorreu por culpa exclusiva da vítima, que, de maneira desatenta, iniciou manobra de travessia em local inadequado. Verificada a excludente de responsabilidade correspondente à culpa exclusiva da vítima, rompido está o nexo de causalidade entre o ato praticado pelo preposto da ré e os prejuízos suportados pelo autor, não havendo, portanto, falar em dever de indenizar. Sentença de improcedência mantida.
APELAÇÃO IMPROVIDA.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 70040678690
DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL
COMARCA DE PORTO ALEGRE
APELANTE: J.S.C.
APELADO: SUDESTE TRANSPORTES COLETIVOS LTDA.
INTERESSADO: L.F.L.H.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES.ª KATIA ELENISE OLIVEIRA DA SILVA E DES. MARCELO CEZAR MÜLLER.
Porto Alegre, 25 de janeiro de 2012.
DES. LUIZ ROBERTO IMPERATORE DE ASSIS BRASIL,
Relator
RELATÓRIO
DES. LUIZ ROBERTO IMPERATORE DE ASSIS BRASIL (RELATOR)
J.S.C. apela da sentença que julgou improcedente o pedido deduzido na ação de indenização ajuizada contra SUDESTE TRANSPORTES COLETIVOS LTDA.
Em suas razões de recurso, sustenta que o caso deve ser examinado em consonância com a teoria da responsabilidade objetiva. Defende que foi atropelado no momento em que, após descer de outro coletivo que trafegava em sentido oposto, efetuava a travessia da via. Alega que no local existe grande movimentação de pedestres, o que determinava que o motorista do ônibus redobrasse os cuidados. Refere que a prova testemunhal não é segura para comprovar a culpa exclusiva da vítima. Diz que é forçoso reconhecer a culpa concorrente do motorista do coletivo. Por fim, pede o provimento do apelo e a reforma da sentença.
Recebido o recurso e apresentadas contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal de Justiça.
O Ministério Público opinou pelo improvimento do apelo.
Vieram os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.
VOTOS
DES. LUIZ ROBERTO IMPERATORE DE ASSIS BRASIL (RELATOR)
O autor ingressou em juízo sustentando, em suma, que, no dia 17 de junho de 2003, por volta das 14h, no corredor de ônibus da Avenida Bento Gonçalves, em Porto Alegre/RS, foi atropelado pelo coletivo da ré no momento em que realizava a travessia da via pela faixa de segurança, após desembarcar de outro coletivo que trafegava no sentido contrário.
A ré, em sua defesa, alegou que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do autor, que intentou a travessia da via em local inapropriado, fora da faixa de segurança, sem os cuidados necessários, saindo detrás de um ônibus que estava parado no sentido contrário ao seu e surpreendendo o motorista do coletivo, que, embora tenha tentado, não conseguiu evitar o infortúnio, diante da conduta imprevisível do pedestre.
O motorista do coletivo, em sua defesa, sustentou que o autor, ao descer de um coletivo que trafegava em sentido contrário, passou correndo entre dois veículos e intentou a travessia da via, surgindo de forma repentina na frente do ônibus que conduzia, impossibilitando qualquer manobra defensiva, momento em que ocorreu o atropelamento.
O Boletim de Ocorrência torna incontroversa a ocorrência do acidente de trânsito, mas não se presta para esclarecer as circunstâncias do infortúnio (fl. 17).
Em juízo, o motorista do coletivo alegou (fls. 137):
“J: Me relate como ocorreu o acidente? D: Eu estava vindo do centro-bairro, na estação São Pedro tinha dois ônibus parados, indo ao centro. Ali é trinta por hora a velocidade, eu vinha nesta velocidade. O moço saiu correndo do meio dos dois ônibus que estavam parados, para pular o muro do outro lado. Só que não deu tempo de frear, como ele saiu correndo do meio dos ônibus, ele deu de cara comigo. Não teve nem como frear. Ele saiu de trás do outro ônibus.
(...)
J: Ele estava atravessando pelo faixa de segurança? D: Não senhora.”
A testemunha Ana Regina Otto, que estava no interior do coletivo envolvido no acidente, alegou (fls. 142/144):
“J: O que a senhora lembra, sucintamente, do que ocorreu? T: Eu lembro de ter visto bem o acidente, porque eu estava sentada no banco bem em frente ao cobrador, é o último banco antes de passar a roleta, no caso. Eu vinha na janela.
J: A senhora estava sentada do lado direito ou do lado esquerdo do ônibus? T: Dentro do ônibus eu estava sentada do lado esquerdo, na janela.
J: Do lado do motorista? T: Do lado do motorista, na janela. E eu lembro que no caso, o ônibus que vem do centro-bairro, a parada é após a do bairro-centro ali. Então quando nos entramos no corredor, havia dois ônibus parados, e eu vi quando o rapaz, ele saiu do meio desses dois ônibus e bateu no pára-brisa.
J: Estava caminhando normalmente o autor, caminhando, correndo? T: Caminhando.
J: Tem faixa de segurança ali? T: Ali não.
(...)
PR: Sabe dizer a velocidade que vinha esse ônibus que ela trafegava? T: Vinha assim, abaixo de trinta quilômetros por hora.”
A testemunha Leandro dos Santos Eleutério narrou (fls. 165/137):
“J: O senhor estava como motorista do ônibus? T: Sim, senhora. Mas da outra empresa. Não da mesma.
J: O que o senhor presenciou? T: Eu presenciei que este rapaz estava conversando com outros colegas na parada, e ele entrou no meio dos ônibus que estavam parados e vinha esse outro rapaz...
J: O senhor está se referindo ao motorista da Sudeste, o Sr. Luiz Fernando? T: Sim, senhor. E aí quando este rapaz passou, eu vi que ele deu no canto do pára-brisa e caiu, e logo o motorista parou e ficou ajudando. (...)
J: O local em que o Joelson foi atravessar é permitido para pedestres ali? T: Não, senhora. Não é permitido. Foi bem no meio do corredor.
J: Tem faixa de segurança depois dos corredores? T: Nas ‘ilhas’ sim, que é onde o pedestre deve passar. Aonde ele passou ali, ele saiu detrás do ônibus e entrou quando o ônibus vinha em sentido contrário. O motorista não tinha como adivinhar que ia sair uma pessoa dali.
J: Qual era a velocidade do motorista da Sudeste? T: Uns 30km/h, porque se ele estivesse a mais teria matado o rapaz.
J: O Joelson saiu correndo ou andando? T: Ele saiu andando, só que ele não teve a atenção adequada. Ele saiu andando, entrou e como o ônibus vinha passando, o pegou.”
A testemunha Ataíde Moraes Rodrigues, que também trafegava no ônibus envolvido no sinistro, contou (fls. 167/168):
“J: O que o senhor presenciou neste dia? T: O ônibus parou na estação do Pronto-Socorro, e quando ele arrancou, depois da parada, um rapaz que estava na esquerda do ônibus, atravessou inopinadamente e se chocou contra a lateral, o conto da frente do ônibus.
J: Ele passou na frente ou no meio de algum outro ônibus? T: Ele estava na calçada e havia outros ônibus parados e ele saiu correndo e bateu contra o ônibus. Ele estava na calçada da parada.
(...)
J: O ônibus estava andando neste momento? T: Ele tinha a recém arrancado.
(...)
PR: O autor atravessou na faixa de segurança, na sinaleira? T: Eu acredito que ele atravessou quando o ônibus já havia transposto a faixa de segurança. Ele não passou na faixa de segurança. Foi após a faixa de segurança.
(...)
PA: Ele estava arrancando da onde? T: Ele estava dentro do corredor, dentro da parada. O ônibus parou e arrancou como normalmente para dentro da parada.”
Por outro lado, contrariando a versão trazida pelos testemunhos acima transcritos, Daiane Carvalho de Oliveira, em seu depoimento, narrou (fls. 138/140):
“J: (...) O que a senhora sabe sobre esse fato? T: Eu estava dentro do ônibus, eu e uma amiga minha. Descemos ali na Bento, para ir numa loja. Ele estava dentro do ônibus e desceu na frente, e nós descemos mais atrás. Estávamos todos indo para a faixa de segurança para atravessar a rua, no momento que aconteceu a batida.
(...)
J: O local onde ele estava atravessando, era faixa de segurança? T: Era.
J: Ele passou na frente de algum ônibus, ou atrás, para poder atravessar? T: Não. Ele desceu no caso normal, ali na parada e se dirigiu até a faixa.
(...)
J: O ônibus da Sudeste estava andando ou estava parado, quando vocês começaram a atravessar? T: Estava andando. O nosso foi, que a gente desceu e se foi embora. Daí a gente foi atravessar para o outro lado e veio o outro ao contrário.
J: A senhora chegou a avistar esse ônibus que teria causado o atropelamento? T: Eu vi o ônibus já batendo.
(...)
J: Mas olhando, a senhora diria que ele estava muito rápido, estava andando normal, o que a senhora se recorda, se é que a senhora viu isso? T: Vi. Ele estava vindo ligeiro.
PR: Ele bateu, parou, ele bateu e seguiu? T: Ele bateu e parou.
(...)
J: O Joelson estava caminhando ou estava correndo para atravessar? T: Estava caminhando.”
A testemunha Morgana Charão Moraes, em juízo, afirmou (fls. 140/142):
“J: A senhora estava onde? T: Eu desci do ônibus. Desci, estava indo comprar aviamentos para a minha mãe, que ela é costureira. Quando eu desci do ônibus, eu estava no corredor, quando eu vi ele estava atravessando a faixa de segurança e foi quando o ônibus bateu nele.
J: A senhora estava no mesmo ônibus que ele estava, o autor? T: Eu estava no mesmo ônibus. Ele desceu e eu desci logo atrás.
(...)
J: Mas ele foi atropelado na faixa de segurança? T: Ele estava passando na faixa de segurança.”
Ora, esses depoimentos não são seguros para rebater a versão narrada pelas demais testemunhas, eis que apresentam contradições relevantes, especialmente no que diz com a velocidade impingida pelo coletivo e com o fato de existir sinaleira para pedestres naquele local.
Não bastasse isso, as duas testemunhas estavam juntas na ocasião, sendo que uma delas referiu que estavam atravessando a pista logo depois do autor, enquanto a outra alegou que se encontrava na parada de ônibus quando avistou o atropelamento.
Ademais, a testemunha Daiane Carvalho de Oliveira, num primeiro momento, disse que o ônibus vinha ligeiro. Contudo, depois referiu que o ônibus “bateu e parou”, o que contraria a alegação de excesso de velocidade.
Em suma, esses depoimentos não se prestam, por si sós, para amparar a versão do autor, no sentido de que atravessava o corredor do ônibus pela faixa de pedestres quando foi colidido pelo coletivo da ré, que vinha em excesso de velocidade.
Por outro lado, as demais testemunhas ouvidas em juízo foram uníssonas ao narrarem que o motorista do ônibus foi surpreendido pelo autor, que tentou realizar a travessia da pista em local inadequado e em momento inoportuno, de maneira desatenta, saindo detrás de outro coletivo que se encontrava parado no sentido contrário, tendo sido esta a causa determinante do acidente.
Ora, e o fato de o pedestre ter realizado a travessia sem a atenção devida, saindo detrás de um obstáculo que impedia a visão do motorista do coletivo que vinha no sentido oposto, não se insere no âmbito de previsibilidade do condutor, ainda que no local haja intenso movimento de pessoas.
Ademais, mesmo próximo de faixa de segurança, o pedestre não se exime do dever de se certificar acerca da possibilidade de fazer a passagem com a segurança necessária, conforme preceitua o art. 69, III, ‘a’, do Código de Trânsito Brasileiro.
A respeito do tema, lecionada Arnaldo Rizzardo (Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro. 7ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 178/179):
“Não é admissível a manobra se não há visibilidade dos veículos, o que acontece frequentemente nas proximidades das curvas, esquinas e em locais de fortes lombadas e onde se interpõem obstáculos à visão. Em seguida, exige-se a percepção da distância entre o ponto onde está o veículo trafegando e aquele da travessia. Não se admite que se inicie o deslocamento se próximo o veículo. Finalmente, tem relevância observar a velocidade que imprime o carro, porquanto, se excessiva, irrelevante que se encontre numa distância aparentemente dilatada. (...)
Já relativamente às interseções e em suas proximidades (art. 69, III), sem a existência de faixas de travessia, os pedestres irão de um lado para o outro da via sempre em continuação da calçada, em linha perpendicular, isto é, atravessando a via sem penderem e caminharem para a esquerda ou para a direita. Não devem adentrar na pista sem antes verificar e certificar-se de que não obstruirão o trânsito de veículos.”
Destarte, não tendo o autor atentado para o trânsito da via – a qual se mostra bastante movimentada, pois corresponde à Avenida desta capital – inviável impor à ré o dever de indenizar os prejuízos suportados.
Assim, da análise coordenada da prova produzida, em especial da prova oral, não vislumbro razões para alterar o juízo de improcedência na espécie.
Posto isso, voto pelo improvimento do apelo.
DES.ª KATIA ELENISE OLIVEIRA DA SILVA (REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. MARCELO CEZAR MÜLLER - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. LUIZ ROBERTO IMPERATORE DE ASSIS BRASIL - Presidente - Apelação Cível nº 70040678690, Comarca de Porto Alegre: "À UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO APELO."
Julgador(a) de 1º Grau: NELITA DAVOGLIO