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Princípio da insignificâncianão se aplica a crimes ambientais

Segundo o entendimento da 4ª câmara Criminal do TJ/RS, o dano ao meio ambiente é cumulativo e afeta as gerações futuras.

10/2/2012

Decisão

Princípio da insignificância não se aplica a crimes ambientais

A 4ª câmara Criminal do TJ/RS negou provimento à apelação de um homem flagrado por policiais militares efetuando corte de vegetação nativa em área de preservação permanente, sem permissão de autoridade competente.

O reu foi condenado pelo crime previsto no artigo 39 da lei 9.605/98 (Código Florestal). Irresignado, interpôs recurso, pleiteando a absolvição, alegando que o fato fora atípico, que não havia prova suficiente para embasar uma condenação e que deveria ser aplicado o princípio da insignificância, que permite afastar a tipicidade material de condutas que provocam ínfima lesão ao bem jurídico tutelado.

Para o desembargador Constantino Lisbôa de Azevedo, relator do recurso, a ocorrência do crime e a culpa do réu foram devidamente comprovadas por documentos, depoimentos dos policiais e fotografias. Quanto ao princípio da insignificância, salientou que a câmara entende pela impossibilidade de aplicação desse princípio aos crimes ambientais, por considerar que o dano ao meio ambiente é cumulativo e afeta, inclusive, as gerações futuras. Ainda mais inviável é a aplicação do referido princípio em se tratando de lesão à área de preservação permanente, dada a sua importância ecológica.

Veja o acórdão na íntegra.

____________

Apelação crime Nº 70046425161

Quarta Câmara Criminal - Comarca de Santa Maria

Apelante: C.L.A.B.

Apelado: Ministério Público

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, negar provimento à apelação, corrigindo erro material da sentença, para declarar que o apelante foi condenado à pena de um ano e quatro meses de detenção, nos termos dos votos emitidos em sessão.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO (PRESIDENTE E REVISOR) E DES. MARCELO BANDEIRA PEREIRA.

Porto Alegre, 19 de janeiro de 2012.

DES. CONSTANTINO LISBÔA DE AZEVEDO,

Relator

RELATÓRIO

DES. CONSTANTINO LISBÔA DE AZEVEDO (RELATOR)

C.L.A.B. foi denunciado no Juizado Especial Criminal da Comarca de Santa Maria, com redistribuição para a 4ª Vara Criminal, como incurso nas sanções do art. 39 e art. 51, ambos da Lei nº 9.605/98.

Segundo a denúncia, aos 21 dias do mês de agosto de ano de 2007, por volta das 17h50min, na localidade do Passo do Verde, município de Santa Maria, o denunciado foi flagrado por policiais militares que realizavam patrulhamento, efetuando o corte de vegetação nativa em área de preservação permanente, sem permissão de autoridade competente (cf. Relatório de ocorrência ambiental nº 105/1ª CIA/2007, fls. 6/21).

O denunciado estava fazendo uso de uma motosserra, sem licença ou registro do órgão competente, e havia cortado um total de 03 (três) metros cúbicos de madeira de árvores nativas da margem do curso d’água tributário do Rio Vacacaí. Próximo ao local, encostada na barranca, estava um barco pertencente ao denunciado, que estava sendo utilizado para transportar os pedaços de madeira que seriam transformados em lenha.

A denúncia foi recebida em 19 de junho de 2008 (fl. 52).

O réu foi citado e apresentou resposta à acusação, com rol testemunhal.

Na audiência de instrução e julgamento, foram inquiridas quatro testemunhas da acusação, duas da defesa e interrogado o réu. As partes não requereram diligências.

Os debates orais foram substituídos por memoriais, nos quais o Dr. Promotor de Justiça pediu a condenação do réu, nos termos da denúncia; a defesa, a absolvição por atipicidade, ou o reconhecimento do princípio da consunção.

Daí, o Magistrado proferiu sentença, condenando o réu à pena de um ano e quatro meses de reclusão e 10 dias-multa, à razão de 1/30 do salário-mínimo vigente à época do fato, em regime aberto, substituindo a pena privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, incurso nas sanções do art. 39 da Lei 9.605/98, absolvendo-o da outra imputação, com fundamento no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal.

A sentença foi publicada em 05 de setembro de 2011 (fl. 154).

Irresignado, interpõe o condenando, por petição, tempestivamente, recurso de apelação, pleiteando a absolvição, alegando que o fato é atípico, que não há prova suficiente para embasar uma condenação e que deve ser aplicado o princípio da insignificância.

O Dr. Promotor de Justiça contra-arrazoou, pugnando pela manutenção da sentença.

A Dra. Procuradora de Justiça emitiu parecer, opinando pelo improvimento da apelação.

É o relatório.

VOTOS

DES. CONSTANTINO LISBÔA DE AZEVEDO (RELATOR)

O apelo não merece guarida.

Efetivamente, restaram bem provadas a autoria e a materialidade dos delitos, ao desabrigo de qualquer excludente ou dirimente, tornando inarredável o decreto condenatório.

Na verdade, a questão já foi esgotada no bem lançado parecer de fls. 181/184, da lavra da ilustrada Procuradora de Justiça, Dra. Sílvia Cappelli, que examinou exaustivamente todos os aspectos emergentes do processo, cujos fundamentos são aqui adotados como razões de decidir:

"A materialidade do delito está atestada nos autos, notadamente pelo relatório de ocorrência ambiental (fls. 09 e ss.), pelo boletim de ocorrência ambiental (fl. 15), pelo auto de infração (fl. 16), pelo auto de apreensão (fl. 20), pelo registro fotográfico (fls. 48/51), e pela prova oral colhida".

Comprovou-se, nos autos, que C.L.A.B. cortou árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem autorização da autoridade competente.

No relatório da Brigada Militar consta a conduta delitiva do acusado, in verbis (fls. 10/11):

"O Sr. C., fora flagrado, por policiais militares que realizavam patrulhamento no Passo do Verde efetuando o corte de vegetação nativa em área de preservação permanente (margem de curso d'água tributário do Rio Vacacaí) no Balneário do Passo do Verde. Para a realização do corte de vegetação nativa o Sr. C. estava fazendo o uso de uma motosserra da marca Stihl, modelo MS 360, número de série 360370100 (nota fiscal 0001/05) que foi apreendida, conforme Termo de Apreensão e Depósito n.° 19435.

(...) o produto florestal conforme Termo de Apreensão e Depósito n.° 19436, em um total de 03 (três) metros cúbicos de lenha.

As espécies cortadas foram:

- Parapiptadenia rígida (angico);

- Nectandra sp (canela);

- Patagonula americana (guajuvira);"

O registro fotográfico feito no local demonstra ter sido realizado corte de árvores em floresta de preservação permanente, junto ao arroio (fls. 48/51).

Apenas para relembrar, salienta-se que o tipo penal prevê a conduta de cortar (dividir com instrumentos de gume, separar) árvores em floresta (formação florística de porte arbóreo, ainda que em formação, nos diversos estágios sucessionais ) considerada de preservação permanente (consideram-se de preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação natural relacionadas nos arts. 2º e 3º do Código Florestal Federal), sem permissão da autoridade competente (esta autorização pode ser concedida tanto pelo IBAMA, nos termos do art. 19 do Código Florestal, com a redação dada pela Lei nº 7.803/89, como pelos órgãos estaduais ou municipais integrantes do SISNAMA, havendo delegação expressa e em situações específicas que não venham a configurar impactos de âmbito nacional ).

O conceito de "floresta de preservação permanente" deve ser depreendido da legislação florestal federal e estadual, completando-se a norma penal em branco, o que deve ser conjugado com elementos técnicos da teoria ecológica propriamente dita. Imperioso considerar, destarte, a Lei Federal n.° 4.771/1965 (Código Florestal) e a Lei Estadual n.° 11.520/2000 (Código de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul).

Assim, tem-se que o Código Florestal, em seus arts. 2° e 3°, define as "florestas e demais formas de vegetação consideradas de preservação permanente", como sendo aquelas prescritas pela lei (art. 2°), a exemplo da vegetação localizada ao longo de cursos d’água (alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’) e aquelas situadas nas encostas com declividade superior a 45° (alínea ‘e’, dentre outras situações. Além disso, o Poder Público pode declarar determinada formação vegetal como de preservação permanente em razão de suas peculiares funções, a exemplo da preservação do meio ambiente e da garantia do bem-estar da população (art. 3°).

A lei federal não conceituou o que se entende por "floresta", noção que foi preenchida pelo Código de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, em seu art. 14, XXV, in verbis: "associação de espécies vegetais arbóreas nos diversos estágios sucessionais, onde coexistem outras espécies de flora e da fauna, que variam em função das condições climáticas e ecológicas".

O dispositivo normativo estadual, que traz um conceito amplo de floresta e adaptado à realidade gaúcha, incorpora noções de ecologia, sem reduzi-lo a um "denso aglomerado de árvores", porém compreendendo a floresta como formação vegetal capaz de "abrigar um complexo ecossistema composto de arbustos, subarbustos, plantas herbáceas, gramíneas, fungos e bactérias, bem como animais, formando uma comunidade biológica em que cada um exerce e sofre a ação de outros e do meio físico constituído pela atmosfera e pelo solo", conforme ensina Érika Mendes de Carvalho.

Nesse sentido, já decidiu essa egrégia Câmara:

APELAÇÃO. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. Corte de árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente. Cometimento do delito previsto no art. 39 da Lei n.º 9.605/98. Condenação mantida. Alterada a substituição da pena privativa. Apelo parcialmente provido. Unânime. (TJRS, 4a Câmara Criminal, apelação crime n.º 70033866989, relator Desembargador Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, j. em 25/03/2010)

O apelante, quando ouvido em Juízo, negou a prática delitiva, dizendo ter apenas cortado árvores ‘mortas’, caídas ao longo do curso d'água (fls. 133/135).

João Batista da Silva Costa abonou a conduta social do apelante, dizendo, ainda, ser comum recolher árvores e galhos que caem com enchentes e temporais (fls. 91v/92). No mesmo sentido relatou Adroaldo Pedron Mozzaquatro (fls. 92/93).

No entanto, a autoria é certa.

Emerson Cristiano Rodrigues dos Santos, policial militar, relatou ter flagrado o apelante com vegetação nativa cortada dentro do seu barco, juntamente com uma motosserra. Disse que, pelas fotos registradas, afirma ser madeira verde, e não seca (fls. 88v/90).

Adriano da Costa Nunes, policial militar, disse ter verificado que o apelante com madeira cortada de espécies nativas. Questionado, relatou não lembrar tratar-se de madeira seca (fls. 90/91v).

Assim, pois plenamente comprovadas a materialidade e autoria do delito, imperativa é a condenação, devendo ser mantida a sentença proferida pelo DD. Magistrado a quo.

Finalmente, o pleito de aplicação do princípio da insignificância deve ser desprovido.

Esta colenda Câmara tem seguidamente se manifestado acerca da impossibilidade de aplicação deste princípio aos crimes ambientais, tendo em vista que o dano ao meio ambiente é cumulativo, afetando, inclusive, as gerações futuras.

Ainda mais inviável é a aplicação do princípio da insignificância em se tratando de lesão à área de preservação permanente, dada a sua importância ecológica, sublinhada pelo próprio Código Florestal.

Veja-se que a Lei n. 4.771/1965, na redação acrescida pela Medida Provisória 2.166-67/2001, ao definir a área de preservação permanente, ressaltou sua importância ambiental:

Art. 2º, parágrafo 2º, II – Área de Preservação Permanente: área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

Então, é convir que quando há um desmatamento, por menor que seja, em área de preservação permanente, não são apenas as árvores abatidas pela ação ilícita que se perdem para o meio ambiente e para a população (presente e futura). Há danos ambientais importantes associados, como a perda do solo, que carregado aos leitos dos rios, tem sido responsável não só pela perda econômica dos agricultores, como pelas enchentes nas cidades, pela diminuição dos peixes, da pesca, do lazer, das aves, enfim, de toda a cadeia de fauna e do fluxo gênico entre espécies (vegetais e animais). Não é à toa que a prioridade dos órgãos gestores de meio ambiente tem sido a formação ou manutenção dos poucos corredores ecológicos ainda existentes, para os quais as áreas de preservação permanente desempenham fundamental papel. É que, sem elas, muitos animais morrem, não só eles, as próprias árvores não têm como se reproduzir, acabando por ficar isoladas em ecossistemas que pouca valia terão para desempenho de suas funções.

Nesse sentido, a jurisprudência desta colenda Câmara:

APELAÇÃO. CRIME AMBIENTAL. ART. 39 DA LEI Nº 9.605/98. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. TESE AFASTADA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. DECISÃO DESCONSTITUÍDA. Inaplicável o princípio da insignificância, aos crimes ambientais, pois o dano ao meio ambiente é cumulativo e perceptível somente a longo prazo. Absolvição sumária. Decisão desconstituída. Apelação do Ministério Público, provida. (Apelação Crime Nº 70039155569, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gaspar Marques Batista, Julgado em 25/11/2010) [Grifo nosso]”.

É exatamente isso, nada restando a acrescentar.

Na verdade, comete o delito previsto no art. 39 da Lei nº 9.605/98 o agente que corta árvores, em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente.

Assim, emerge induvidosa a real responsabilidade do apelante pela prática do crime ambiental.

A condenação, pois, era inevitável.

A pena aplicada foi bem dosada, tendo sido convenientemente observadas as circunstâncias judiciais, sendo que a reincidência é uma agravante legal, de aplicação obrigatória, que permanece em pleno vigor.

Convém registrar que o apelante foi indevidamente beneficiado com a fixação do regime aberto, apesar da reconhecida reincidência, mas, como não houve recurso da acusação, nada se pode fazer.

Corrijo, por derradeiro, erro material da sentença, para declarar que o apelante foi condenado à pena de um ano e quatro meses de detenção e não de reclusão, como constou.

Dessarte, nego provimento à apelação, corrigindo erro material da sentença, para declarar que o apelante foi condenado à pena de um ano e quatro meses de detenção.

DES. ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. MARCELO BANDEIRA PEREIRA - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO - Presidente - Apelação Crime nº 70046425161, Comarca de Santa Maria: "À UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO, CORRIGINDO ERRO MATERIAL DA SENTENÇA, PARA DECLARAR QUE O APELANTE FOI CONDENADO À PENA DE UM ANO E QUATRO MESES DE DETENÇÃO, NOS TERMOS DOS VOTOS EMITIDOS EM SESSÃO." (MTB)

Julgador(a) de 1º Grau: LEANDRO AUGUSTO SASSI

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