Migalhas Quentes

Em busca de luz no fim do túnel

Uma mancha de corrupção cobre as instituições políticas do País.

8/8/2005

Opinião


O jornal O Estado de S. Paulo de sábado trouxe artigo com o título “Em busca de luz no fim do túnel”, assinado pelo advogado do escritório Reale Advogados Associados e ex-ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior. Segundo ele, não houve apenas dinheiro de caixa 2 para campanha política, houve é a comercialização do processo democrático. Leia abaixo a íntegra do texto.
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Em busca de luz no fim do túnel


Uma mancha de corrupção cobre as instituições políticas do País. Não houve apenas dinheiro de caixa 2 para campanha política, houve é a comercialização do processo democrático, com o suborno de deputados pelo governo, por via do partido com o qual há a mais perfeita simbiose. Fraturou-se a espinha dorsal da independência entre os Poderes quando o Executivo passou a comprar com dinheiro vivo o apoio parlamentar. A atividade financeira de Marcos Valério não se explica sem o Planalto, tal como a atividade política do Planalto não se explica sem Marcos Valério.

O Parlamento está com sua autoridade ferida. O governo, desmoralizado pelas práticas imorais de corromper para governar. O presidente, comprometido, pois ninguém preside inocentemente um país com os alicerces do governo podres, a não ser que se admita que o primeiro magistrado da Nação seja um beócio, cego e surdo, o que não é o caso.

A crise não é apenas dos homens, é maior: é das instituições. Muitas pessoas manifestavam, no início da crise, a expectativa de que com o expurgo de alguns resolvida estava a questão. Sucede, todavia, que eventual afastamento do presidente Lula não resolve a crise, pois, se gerada pela forma como se fez política, sua causa remota, no entanto, está além da pessoa do presidente ou da de seus mais diretos colaboradores: está no sistema político.

As instituições estão em frangalhos. Houve metástase. O conjunto do sistema político está gangrenado. Se há temor de que Lula venha a se afastar da Presidência, pois sempre significa a perda da figura da autoridade, na verdade o que mais se teme é a falta absoluta de perspectivas. E depois?

Esse é o grande dilema, que nada tem que ver com a figura do vice-presidente. De que adianta a renúncia ou cassação de alguns parlamentares, a serem substituídos por suplentes, filhos do mesmo viciado sistema eleitoral, integrantes de uma estrutura política produtora de contínuas crises? De que adianta o afastamento de ministros? De que adianta ter alguns bodes expiatórios? As punições são necessárias, mas não resolvem a crise.

Como sair dessa encalacrada? Há urgência: é necessário que, bem antes das eleições de outubro de 2006, o sistema eleitoral seja modificado, bem como a maneira de se fazer a campanha. Uma eleição hoje demanda fortunas em custos ilícitos de pagamento oculto de prefeitos e vereadores como cabos eleitorais de primeira classe. Deputados que compraram o apoio de líderes políticos municipais, depois, facilmente vendem o seu apoio político ao Poder Executivo federal.

Poderia a atual composição do Congresso Nacional, submetida a tantas suspeitas de claudicar nos seus deveres de probidade, ter legitimidade para reestruturar o sistema político brasileiro?

Ocorre que é esta a Casa dos representantes do povo, e nada pode ser feito a não ser por seu intermédio, sob pena de se sair da legalidade constitucional. Mas como revestir as suas decisões, neste momento, por um manto de legitimidade?

O único caminho, aventado por um grupo de advogados, está no retorno da participação ativa da sociedade civil, a começar pela Ordem dos Advogados do Brasil, com apoio de muitas outras entidades, apresentando-se ao Congresso Nacional uma pauta mínima de propostas legislativas a serem objeto de decreto legislativo que as submeta a plebiscito ou, se rapidamente aprovadas pelo Congresso, a referendo popular.

As medidas devem ser rápidas e independem da manutenção ou não de Lula na Presidência da República.

Mas qual a pauta mínima a ser proposta ao Congresso Nacional pela sociedade civil?

Estou convencido de que não basta o financiamento público das campanhas eleitorais, pois, se o sistema eleitoral for o de sempre, perdurará o expediente de arrecadar sigilosamente para pagar por fora os cabos eleitorais de primeira classe. O sistema proporcional aberto, sem distritos, é a fonte primeira da corrupção eleitoral. Assim, é possível enumerar algumas medidas:

Adoção do sistema distrital misto, com escolhas de representantes do distrito e do partido conforme lista partidária. O voto distrital, em redutos menores, permite controle dos gastos eleitorais e maior fiscalização da movimentação de líderes municipais;

Adoção, no distrito, do “recall”, para cassação pelo eleitorado do parlamentar que afronte os princípios da probidade;

Tipificar como crime de responsabilidade de prefeito e de vereador a percepção de vantagens econômicas em apoio a candidatos a deputado, senador, governador e presidente;

A reeleição é outra fonte segura de improbidade a ser abolida;

Proibição de mudança de partido político e a consagração da fidelidade partidária em temas de relevo;

O financiamento público das campanhas para se impedirem os compromissos de candidatos com empresas, sempre à espera de vantagens futuras;

Restrição do uso da televisão, sem se permitir o recurso à manipulação da mensagem por publicitários, adotando-se, especialmente, programas com debates entre os candidatos.

Estão aí exemplos de possíveis caminhos. Formuladas com a devida técnica legislativa, propostas como essas devem ser oferecidas ao Congresso Nacional, evidentemente, modificadas segundo a convicção das pessoas e de entidades integrantes desse movimento, para serem apreciadas e submetidas pelo Congresso a plebiscito ou a referendo, caso por ele aprovadas com rapidez.

Desse modo, revestem-se de legitimidade as mudanças constitucionais e legais a serem adotadas com vista a reconstruir o arcabouço político de nossa combalida democracia.

É tempo de urgência e de abertura de espírito, sob pena de naufragarmos nas águas revoltas da descrença nas instituições.
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Fonte: O Estado de S. Paulo, 1/8/2005.

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