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Suspensas exigências da Anvisa para maços de cigarro vendidos pela Souza Cruz

A Souza Cruz obteve na Justiça o direito de deixar de veicular nas embalagens de seus produtos seis das dez imagens desenvolvidas pela Anvisa para alertar sobre os riscos do tabagismo.

16/12/2011

Cigarro

Suspensas exigências da Anvisa para maços de cigarro vendidos pela Souza Cruz

A Souza Cruz obteve na Justiça o direito de deixar de veicular nas embalagens de seus produtos seis das dez imagens desenvolvidas pela Anvisa para alertar sobre os riscos do tabagismo.

A decisão, da 6ª turma Especializada do TRF da 2ª região, suspendeu exigências da Anvisa estabelecidas na resolução 54.

A norma administrativa estipulava dez mensagens de advertência, que deveriam ser acompanhadas de imagens disponibilizadas no site da Anvisa, para serem impressas nos maços de cigarro comercializados no Brasil. Entre essas mensagens, que sempre deveriam ser precedidas da mensagem "o Ministério da Saúde Adverte", estavam os textos "Gangrena - o uso deste produto obstrui artérias e dificulta a circulação do sangue" e "Horror - este produto causa envelhecimento precoce da pele".

O caso começou com ação ordinária ajuizada pela indústria na JF do RJ, que apenas isentou a Souza Cruz de veicular nas embalagens a imagem intitulada "Perigo - o risco de derrame cerebral é maior com o uso deste produto".

A decisão do TRF foi proferida no julgamento de apelação da empresa contra a sentença e vale apenas para a Souza Cruz.

No entendimento da juíza Federal convocada Carmen Silvia Lima de Arruda, que proferiu o voto vencedor, o poder de regulamentação da Anvisa não pode se sobrepor ao direito do fabricante.

Para a magistrada, as propagandas da agência reguladora são abusivas e não respeitam o princípio da razoabilidade: "As empresas que comercializam o tabaco exercem uma atividade lícita. Não é proibido fumar no Brasil. As pessoas pagam impostos. Cada vez que se compra um maço de cigarro, o imposto é pago e é recolhido, empregos são gerados. Não é lícito, portanto, sujeitar essas pessoas jurídicas a tratamentos degradantes", explicou.

Carmen Silvia Lima de Arruda também lembrou que os maços já são vendidos com a mensagem "Fumar é prejudicial à saúde", que, ponderou, "é bastante o suficiente para aqueles que consomem o produto estarem cientes dos males advindos do tabagismo".

Veja abaixo a decisão.

___________

Nº CNJ : 0023632-08.2008.4.02.5101

RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA

APELANTE : SOUZA CRUZ S/A

ADVOGADOS : GUSTAVO BINENBOJM E OUTROS

APELANTE : AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILANCIA SANITARIA - ANVISA

PROCURADORA : ISABELA DE ARAUJO LIMA RAMOS

APELADOS : OS MESMOS

ORIGEM : VIGÉSIMA TERCEIRA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (200851010236323)

RELATÓRIO

1. Cuida-se de apelações cíveis interposta por Souza Cruz S/A e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) em face da r. sentença proferida às fls. 1.033/1.040, originária do Juízo da 23.ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, que, nos autos da ação de conhecimento, sob o rito comum ordinário, ajuizada pela primeira recorrente em desfavor da segunda, julgou procedente em parte o pedido deduzido na peça vestibular, isentando a autora de veicular nas embalagens de seus produtos e materiais de marketing a imagem entitulada “perigo” pela RDC/ANVISA n.º 54/08.

2. A sentença julgou o pleito parcialmente procedente sob o argumento que (i) a ANVISA detém competência para editar instrumentos que regulamentem o conteúdo das campanhas publicitárias; (ii) as imagens são proporcionais ao fim objetivado, uma vez que é plenamente cabível a utilização de simbolismo em campanhas publicitárias, salvo a imagem entitulada “perigo”, pois demonstra caráter desinformativo.

3. Sustenta a Souza Cruz S/A, preliminarmente, nas razões de seu inconformismo, a nulidade da RDC n.º 54/2008, em razão da incompetência da ANVISA para elaborar o conteúdo e impor a vinculação das imagens e mensagens de advertência em relação a produtos fumígenos, de acordo com a previsão do art. 3.º, §§ 2.º e 3.º, da Lei n.º 9.294/96, c/c o art. 2.º, § 1.º, e art. 7.º, inciso XXVI, da Lei n.º 9.782/99.

No mérito, aduz que resta carcaterizado(a) (i) desvio de finalidade; (ii) violação às liberdades de iniciativa e de expressão, bem como ao devido processo legal, porquanto as imagens configurariam contrapropaganda e expropriação regulatória; (iii) desrespeito ao princípio da realidade, em decorrência das falsidade das imagens impostas pela RDC n.º 54/2008, contribuindo para a desmoralização da atividade estatal, além de violar o direito à informação verdadeira; (iv) violação ao princípio da proporcionalidade, haja vista que as imagens são inadequadas, desnecessárias e desproporcionais em sentido estrito; (v) atentado ao postulado da isonomia, já que as imagens visam a formentar preconceitos e a forjar ideias repulsivas nos consumidores; e (vi) carência de legitimidade democrática da RDC n.º 54/2008, em razão de não ter sido realizado qualquer mecanismo prévio de participação popular (fls. 1042/1072).

4. A ANVISA, a seu turno, alega, em síntese, nas razões de sua insurgência, que a imagem denominada de “perigo” não é desinformativa, porque expõe que o consumo de tabaco pode gerar hemorragia cerebral (fls. 1274/1290).

5. Recebidos os recursos (fls. 1.120 e 1.300) e oferecidas contrarrazões (fls. 1138/1200 e 1302/1338), foram os autos encaminhados para este Tribunal, onde, oficiando, o Ministério Público Federal exarou o parecer encartado às fls.1364/1372, opinando pelo provimento da apelação da ANVISA e pelo improvimento do apelo da Souza Cruz S/A, sob o fundamento de que as imagens constituem mero simbolismo, pois a intenção é alertar sobre os prejuízos que o consumo de tabaco causam à saúde.

É o relatório. Peço a inclusão do feito em pauta para julgamento.

GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA

Relator

VOTO

(VENCEDOR)

Como relatado pelo Eminente Desembargador Federal GUILHERME CALMON a hipótese é de ação ordinária ajuizada pela Souza Cruz S.A. em face da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, objetivando não ser obrigada ao ônus de veicular, nas embalagens de seus produtos e no material publicitário, 6 (seis) das 10 (dez) novas imagens divulgadas pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 54/2008/ANVISA.

Em razão da sentença que julgou parcialmente procedente o pedido deduzido na peça vestibular, isentando a autora de veicular nas embalagens de seus produtos e materiais de marketing a imagem intitulada “perigo” pela citada RDC, os autos vieram ao crivo desta Turma para apreciação das apelações cíveis interpostas pela Souza Cruz S/A e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

Em seu bem lançado voto às fls. 1383/1394, o E. Relator negou provimento à apelação interposta pela Autora e deu provimento ao recurso da Ré, reformando a sentença para julgar totalmente improcedentes os pedidos formulados na petição inicial.

Peço vênia para discordar de S.Exª.

A meu ver, merece ser reformada a sentença, para julgar procedente o pedido autoral.

Vou manter o entendimento que já havia esposado anteriormente. Entendo que o poder de regulamentação da ANVISA não pode se sobrepor ao direito de o fabricante de cigarros ter seu produto veiculado de uma forma legítima. Essas propagandas, na verdade, são abusivas, fogem ao princípio da razoabilidade.

A Constituição Federal, em seu art. 5º, III, diz: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (grifei). E, nesse aspecto, acho que o tratamento dado às empresas de tabaco, de terem de veicular no seu próprio produto imagens que, salvo melhor juízo, realmente não demonstram, não guardam relação com a realidade.

Podemos analisar, por exemplo, uma das imagens aqui questionadas – “a imagem do feto”. Se a ANVISA não quer passar a imagem de que um feto, como disse o E. Relator, seria jogada em um cinzeiro, então não use essa imagem de um feto jogado no cinzeiro, porque esta é a imagem usada: “um feto no cinzeiro”. Se pretende a ANVISA mostrar que vai causar aborto, então que use de outro meio que não a embalagem do produto. O Poder Público, como se sabe, dispõe de outros meios de veicular contrapropagandas, e é desses meios que a Agência tem que se utilizar e não da própria embalagem do produto.

Isso me parece bastante forte, por duas razões: primeiro, porque se utiliza da própria embalagem do produto, e segundo, porque as imagens são usadas com outro significado que não aqueles que realmente querem passar – uma imagem errada.

Enfim, por esses dois aspectos, penso que é realmente submeter às empresas a uma situação degradante, e como disse, foge aos princípios da razoabilidade.

As empresas que comercializam o tabaco exercem uma atividade lícita. Não é proibido fumar no Brasil. As pessoas pagam impostos. Cada vez que se compra um maço de cigarros, o imposto é pago e é recolhido, e empregos são gerados. Quer dizer, é uma atividade lícita, tributada, sujeita a todas as chancelas e requisitos da legislação. Não é lícito, portanto, sujeitar essas pessoas jurídicas a tratamentos degradantes, obrigando-as a veicular em seus produtos imagens que não guardam relação com a realidade.

O que tem que se deixar bem claro, é que tem que haver um limite, que deve ser, primeiro, o respeito à embalagem, que é do fabricante e já contém a frase “Fumar é prejudicial à saúde”, que, a meu ver, é bastante o suficiente para aqueles que consomem o produto estarem cientes dos males advindos do tabagismo.

Por estas razões, nego provimento à apelação da ANVISA e dou provimento à apelação da Souza Cruz S/A para, reformando a sentença, julgar procedente o pedido Autoral, condenando a ré em custas e honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.

É como voto.

Rio de Janeiro, 16 de novembro de 2011.

CARMEN SILVIA LIMA DE ARRUDA

Juíza Federal Convocada

Relatora p/acórdão

VOTO

1. Conheço das apelações, pois presentes os pressupostos legais de admissibilidade.

2. Consoante relatado, cuida-se de apelações cíveis interpostas por Souza Cruz S/A e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) em face da r. sentença proferida às fls. 1.033/1.040, originária do Juízo da 23.ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro que, nos autos da ação de conhecimento, sob o rito comum ordinário, ajuizada pela primeira recorrente em desfavor da segunda, julgou procedente em parte o pedido deduzido na peça vestibular, isentando a autora de veicular nas embalagens de seus produtos e materiais de marketing a imagem entitulada “perigo” pela RDC/ANVISA n.º 54/08.

3. Inicialmente, cumpre enfrentar a questão referente à competência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para editar a Resolução da Diretoria Colegiada n.º 54/08. A autora-apelante arguiu que caberia apenas ao Ministério da Saúde editar o texto a ser grafado nos maços de cigarro. Todavia, tal argumento não merece ser acolhido, senão vejamos.

3.1. Nas palavras de Henrique Savonitti Miranda, as agências reguladoras foram criadas com a finalidade de disciplinar as atividades desempenhadas pelo particulares, notadamente as relativas à prestação de serviços públicos, e à realização de atividades econômicas com impactos sociais e difusos.

3.2. No tocante ao seu poder regulamentar, vale a citação das lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro ao afirmar que as normas que podem ser editadas pelas Agências Reguladoras destinam-se a: (i) regular a própria atividade da agência por meio de normas de efeitos internos; (ii) conceituar, interpretar, explicitar conceitos jurídicos indeterminados contidos em lei, sem inovar na ordem jurídica.

3.3. No caso específico da ANVISA, a Lei n.º 9782/99, que a instituiu, dispõe. em seu art. 8.º, §1.º, inciso X, que é seu dever, dentre outros, regulamentar e controlar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública, considerando-se como tais os produtos fumígeros derivados do tabaco, além de diversos outros.

3.4. Com isso, resta clara a competência de tal entidade para definir o teor das imagens e mensagens de advertência, não merecendo prosperar a alegação de que a aludida matéria seria de reserva absoluta de lei, porquanto a própria lei impôs como dever tal regulação.

3.5. Ademais, a necessidade do Estado de disciplinar relações econômicas já foi objeto de estudo doutrinário, oportunidade em que se manifestou o entendimento no sentido de que a regulação deve preencher as falhas naturais do mercado livre no ramo da comunicação social, pois é fundamental que a sociedade seja informada, tendo o Estado o dever de dar cobertura ampla e não condicionada por fatores econômicos ou conveniências políticas a fatos e questões de interesse geral, além de proporcionar ao público o conhecimento plural das diversas versões e pontos de vista sobre o assunto.

3.6. Assim, percebe-se que a ANVISA vem tão-somente desempenhando o seu papel de informar à sociedade, haja vista que resta comprovada a falha regulatória do mercado, diante da técnica de marketing empregada, que servia para influenciar comportamentos, deixando de lado o compromisso com a prestação de informações importantes a respeito dos malefícios oriundos do consumo do tabaco. Não há como negar que, em passado não muito distante, o consumo de cigarro era associado a certas qualidades e características inexistentes e criadas por força da propaganda enganosa.

3.7. Registre-se que, a partir do momento em que tais informações são prestadas, é possível que cada cidadão tome uma decisão consciente de suas consequências, que está exposto a sofrer.

3.8. Neste sentido, já me posicionei quando do julgamento, em 17/06/09, do Agravo de Instrumento n.º 2009.02.01.004853-3, in verbis:

“6. Anoto que, no julgamento da Apelação Cível n° 2004.51.01.009332-4, que tinha como razão de ser a legalidade/constitucionalidade da Resolução RDC/ANVISA n° 335/03, esta Corte entendeu que “as determinações contra as quais se insurgiu a Parte Autora afiguram-se totalmente legítimas, porquanto concretiza o poder de polícia da ANVISA, em estrito cumprimento de sua finalidade institucional de promover a proteção da saúde da população, mormente ao se considerar, (...), que o uso de fumo já é considerado uma epidemia”
(Rel. Desembargador Federal Reis Friede, 7.ª Turma Especializada, j. em 12.09.07).

3.9. Não fosse o suficiente, é de evidente demasia exigir que apenas lei formal possa definir as palavras e imagens que hão de constar em cada embalagem ou material publicitário de cigarro, conforme bem relatado pelo I. Procurador da República Daniel Sarmento, quando instado a se manifestar no processo tombado nesta Corte sob o número 2009.51.01.004702-6, consoante parecer acostado às fls. 1201/1219.

4. Ultrapassada a preliminar, passo à análise do mérito.

A apelante-autora assevera que houve desvio de finalidade, pois não estariam sendo retratados os riscos associados ao consumo do tabaco, tendo por finalidade única causar ojeriza, horror, repugnância e desinformação. Por isso, não estaria cumprindo o fim informativo, que justificaria a sua criação.

4.1. Entretanto, verifica-se que a utilização destas imagens visa a ilustrar os riscos que o fumante expõe à sua saúde, não pretendendo ser fidedigno ao estado que determinado órgão pode aparentar em decorrência do uso do cigarro.

4.2. A recorrente exemplifica que a cena retratada sob o título “perigo” – aliás, a única acolhida na sentença quanto à impossibilidade de sua veiculação - reproduz o cérebro de uma pessoa que foi acometida de um AVC hemorrágico, sendo que o consumo de cigarro pode ocasionar o AVC do tipo isquêmico. Ocorre que, para o homem médio, não faz diferença o cérebro de uma pessoa que sofreu AVC isquêmico relativamente ao daquele de uma pessoa que sofreu AVC hemorrágico.

4.3. O alerta é sobre os problemas que podem ser gerados ao cérebro em decorrência do uso de cigarros, não sendo necessário retratar exatamente a doença, uma vez que em nenhum momento se está imputando ao cigarro a geração de uma doença indevida, mas apenas retratando um cérebro acometido de algum problema de funcionamento, sendo indiferente para o homem médio a exatidão desta imagem. Diferentemente ocorreria se a ANVISA determinasse que os fabricantes de tabaco gravassem alertas acerca de doenças que o cigarro, segundo estudo técnicos, não tem capacidade de ocasionar, como, por exemplo, a obesidade.

A esta altura da fundamentação, é importante focar o destinatário da advertência e informação que deverão ser feitas. A atividade de consumo de tabaco é desenvolvida por pessoas de todas as classes sociais e, por isso, envolve desde certas categorias que têm acesso a estudos e pesquisas aprofundadas sobre os temas referentes à saúde, mas também parcela da população que não tem a mínima noção a esse respeito. Em outras palavras: são também consumidores do tabaco pessoas de pouca renda que, inclusive, podem ser analfabetas.

5. Sucessivamente, passo ao exame da alegação de que a RDC n.º 54/08 viola as liberdades de iniciativa e de expressão, bem como o devido processo legal e a tipicidade, configurando contrapropaganda e expropriação regulatória.

5.1. Como é cediço, nenhum direito é absoluto, estando sempre sujeito a restrições, que, por sua vez, devem respeitar o princípio constitucional da proporcionalidade, bem assim seus subprincípios (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito).

5.2. Nesta diapasão, cabe tecer considerações acerca da ponderação. Para tanto, valho-me dos ensinamentos de Ana Paula de Barcellos , que afirma:

“A ponderação é uma técnica de decisão pela qual se solucionam conflitos normativos que não puderam ser resolvidosn pelos elementos clássicos da hermenêutica jurídica (semântica, lógico, histórico, sistemático e teleológico) nem pela moderna hermenêutica constitucional (princípios de interpretação propriamente constitucional, interpretação orientada pelo princípios, etc.). Para tanto, os diversos interesses em oposição, e as normas que os legitimam juridicamente, devem ser identificados, agrupados em função das soluções que indiquem e e dimensionados de acordo com as características do caso concreto. A quantidade de elementos normativos em prol de determinada solução e o peso que eles assumem diante das circunstâncias concretas são os principais critérios que vão orientar a ponderação, juntamente com o princípio da proporcionalidade.”

5.3. Por adequação entende-se que o meio utilizado deve ser adequado para atingir o fim almejado. Ao se transplantar este raciocínio para o presente caso, verifica-se que o objetivo buscado é a conscientização dos malefícios advindos do consumo de cigarro e o meio é a propaganda das doenças que podem advir do seu uso. A informação e a advertência visam possibilitar que as pessoas realizem, consciente e livremente, suas escolhas.

5.4. O fato de não serem retratados os órgãos de pessoas que foram acometidas por doenças diversas daquelas que decorrem diretamente do uso do cigarro não prejudica a finalidade a ser alcançada, porque se trata de uma escolha de política pública adotada pelo administrador, que preferiu valer-se do recurso à simbologia.

Tal afirmação resta bem esclarecida no parecer encartado às fls. 1364/1372, in verbis:

“Não há que se cobrar total verossimilhança entre as imagens e os resultados médicos esperados pelo uso do cigarro. Trata-se, na verdade, de figuras caricatas, que, desse modo, atingem a finalidade pretendida pelo Ministério da Saúde, causando contraponto à publicidade veiculada pela indústria tabagista. É na verdade, não apenas informação, mas política de saúde, no combate ao tabagismo, o que não é vedado pelo ordenamento jurídico, ao contrário, estimulada pela própria Constituição.”

5.5. Mais uma vez valho-me das ideias constantes da manifestação ministerial ao assinalar que (fls. 1211/1212):

“Ora, é intuitivo que restrições mais brandas à publicidade do cigarro, como, por exemplo, a divulgação de imagens menos impactantes, podem até desestimular o consumo de cigarro, mas não com a mesma intensidade que a medida impugnada pelo Agravante. Em outras palavras: é razoável se supor que quanto mais fortes forem as imagens, maior será o seu efeito no desestímulo sobre o consumo de cigarro e, em consequência, maior o ganho sob a perspectiva da tutela do direito à saúde. Daí porque, não há no caso qualquer ofensa ao subprincípio da necessidade.

Por outro lado, nesta seara, que envolve uma análise de prognose das escolhas regulatórias, concernente aos efeitos prováveis da norma editada, deve o Poder Judiciário atuar de forma extremamente cautelosa, pelo seu déficit de qualificação institucional vis a vis o ente regulador. Esta é mais uma razão para não se reconhecer no caso qualquer ofensa ao subprincípio da necessidade”

5.6. A respeito deste juízo de prognose, o próprio subscritor da peça recursal da empresa tabagista, Gustavo Binenbojm , já pronunciou entendimento similar a respeito de outro tema – caso da penhorabilidade do do bem imóvel residencial do fiador - ao destacar que o Judiciário deve respeitar o juízo de prognose realizado pelo legislador, pois este é que detém a legitimidade democrática. Mutadis mutandis o raciocínio deve ser o mesmo no que tange ao poder normativo da ANVISA.

6. De modo a comprovar tal tese, passo à análise pormenorizada de cada uma das figuras.

6.1. Na imagem entitulada como “perigo” é retratado um cérebro acometido por um derrame. A ideia é conscientizar a população acerca dos riscos que o consumo de cigarro ocasiona para o funcionamento cerebral. O fato de ter sido retratado um cérebro, supostamente acometido de AVC hemorrágico, ao invés de AVC isquêmico, é indiferente para o objetivo, qual seja, conscientizar acerca do risco que o cigarro representa para o saudável funcionamento cerebral. Ressalte-se, mais uma vez, que, para o homem médio, é indiferente o tabaco ocasionar AVC hemorrágico ou isquêmico. O fator determinante na opção do homem médio em se tornar fumante ou não gira em torno do malefício ao funcionamento cerebral. Note-se, ainda, que a presença de vestígios de sangue é uma maneira de ratificar a utilização do recurso ao simbolismo, porquanto é de notório saber que os problemas cerebrais não ocasionam hemorragia externa.

6.2. Já na figura denominada “infarto”, percebe-se que a intenção do administrador é literal, ou seja, informar que “o uso deste produto causa morte por doenças do coração”. Por óbvio, não se pretende transmitir a ideia de que um coração pode restar cravejado de guimbas de cigarro após o fumo. O objetivo é o de conscientizar a população de que o consumo de cigarro prejudica o coração.

Neste sentido, confiram-se as ponderações lançadas pelo Procurador da República Daniel Sarmento no processo registrado neste egrégio Tribunal sob o número 2009.51.01.04702-6, conforme trecho que ora transcrevo:

“é evidente que a mensagem transmitida por imagem que exibe um coração humano cravejado de guimbas não é a de que quem fumar ficará daquela maneira, mas sim a de que o cigarro causa graves danos àquele órgão humano. Qualquer pessoa razoável, por menos instrução que tenha, pode perceber isto sem maiores dificuldades. Se o cigarro não causasse problemas cardíacos, a mensagem seria falsa, e a imposição da sua veiculação seria inválida, mas não é este o caso.”

6.3. Na imagem “horror”, a empresa recorrente aduz que, “segundo as ciências médicas, os sinais de envelhecimento precoce de pele relacionados com o fumo são completamente distintos daqueles retratados na RDC nº 54/08. De fato o cigarro pode causar: ‘a) Linhas de expressão ao redor dos lábios; b) Linhas nos cantos dos olhos; c) Linhas profundas nas bochechas; d) Numerosas linhas superficiais nas bochechas e regiões mandibulares; e) Proeminência dos contornos ósseos e aprofundamento da[s] bochechas; f) Atrofia da pele; d) Tonalidade cInzenta da pele’. Contudo, ‘[n]a imagem, que mais se assemelha a sequelas de queimadura cutânea, não há sinais de aprofundamento das linhas de expressão ou no canto dos olhos, nem linhas profundas nas bochechas, ou linhas superficiais nas relações mandibulares. Não há sinais de atrofia de pele, nem a tonalidade cinzenta acima referida.” (fl. 13).

No entanto, observando a mencionada figura, constata-se que a imagem busca demonstrar que há risco dos fumantes serem acometidos por doenças de pele, não se pretendendo imputar que com a prática do fumo, necessariamente, a pessoa ficará como a pele ilustrada na figura. Até mesmo porque cada organismo humano apresenta uma reação diferente quando exposto a produtos nocivos, como é o caso do tabaco.

6.4. Na imagem entitulada “morte”, a empresa recorrente sustenta que a figura representa um “cadáver submetido a uma incisão cirúrgica na região anterior do tórax e no abdômen não revela qualquer comprometimento com a verdade científica (...) [pois] o tratamento do enfisema pulmonar é eminentemente clínico, através de broncodilatadores, antiinflamatórios esteoidais e oxigenioterapia. Existem apenas algumas exceções, que representam a cirurgia redutora de volume e a cirurgia para retirada de áreas localizadas de enfisema pulmonar (...), [sendo que] em nenhuma destas cirurgias, a incisão indicada é a apontada na imagem.”

Sucede que a mensagem gravada na figura demonstra a preocupação do administrador em alertar, mais uma vez, sobre o perigo de ser acometido por doenças do coração, em decorrência do constante uso de cigarro.

6.5. No que se refere à imagem com o título “vítima deste produto”, a autora-apelante alega que não é representada a realidade, pois não seria nem compatível com a ética médica que os fetos fossem “jogados” em cinzeiros.

Contudo, a referida figura objetiva passar, de modo maximizado pela presença de guimbas de cigarros, que o fumo é maléfico às grávidas, podendo ocasionar o aborto. Não há como acolher a afirmação de que a ANVISA pretendia denunciar a prática médica de que os recém-nascidos seriam “jogados” em cinzeiros.

6.6. Por fim, quanto à figura de título “produto tóxico”, a recorrente-autora entende que não haveria plausibilidade na veiculação da imagem de uma pessoa envenenada com o consumo de cigarros, haja vista que sequer há presença de qualquer produto fumígeno na figura impugnada.

Impende salientar, porém, que a ciência médica também é alvo de divergências e no grupo de trabalho, equipe de profissionais escolhidos para escolherem a nova imagem, concluiu-se no sentido de que o consumo de tabaco pode acarretar o risco de envenenamento. Tal posição pode ser extraída do documento adunado à fl. 557, in verbis:

“existe extensa literatura na área da toxicologia mostrando os graves riscos de envenenamento pela nicotina”

7. Com relação à falta de debate público acerca das imagens que deveriam ser escolhidas para serem fixadas nos maços de cigarro, percebe-se que tal argumento não merece acolhida, uma vez que a ANVISA logrou demonstrar a formação de um grupo de trabalho dedicado a tal finalidade, conforme texto publicado pelo INCA e disponível no sítio eletrônico https://www.inca.gov.br/tabagismo/publicacoes/brasil_advertencias_sanitarias_nos_produtos_de_tabaco_2009b.pdf.

Dessarte, resta comprovado que a democracia deliberativa não só foi respeitada, como foi promovida quando da elaboração dos trabalhos que resultaram na escolha das imagens.

8. É óbvio que a ANVISA, no exercício de suas atribuições, “não pode tudo e seus atos não podem ser convalidados pelo Poder Judiciário a qualquer preço”. Contudo, não considero que, relativamente às 6 (seis) imagens impugnadas na ação cujos recursos ora estão sob julgamento, a ANVISA busque mentir ou ludibriar os destinatários da advertência e informação.

Como já esclarecido neste voto, o objetivo da ANVISA, ao editar a Resolução n.º 54/2008, foi prestar adequada informação e proceder à razoável advertência quanto aos malefícios que o consumo do tabaco pode causar à saúde do consumidor, propiciando que haja livre e informado consentimento quanto ao fumo.

9. O direito à informação adequada, hoje reconehcido como ínsito à boa fé objetiva, integra o rol dos direitos dos consumidores, em especial por força dos produtos e serviços potencialmente perigosos ou danosos.

Entendo que as medidas adotadas pela ANVISA, através da Resolução n.º 54/2008, albergam interesses das próprias fabricantes e indústrias do tabaco, eis que previnem possíveis pretensões relacionadas à reparação civil por danos à saúde que os consumidores poderiam titularizar não fossem as advertências e informações adequadas.

Trata-se, pois, de mais um reforço argumentativo em prol da atuação escorreita e hígida da ANVISA na edição da RDC 54/2008.

10. Portanto, entendo que todas as imagens selecionadas pela ANVISA, por meio da RDC n.º 54/08, são proporcionais ao fim a que se destinam, qual seja, o alerta à população sobre os riscos provenientes do consumo de cigarro.

11. Ante o exposto, conheço das apelações, a fim de negar provimento à interposta pela autora e dar provimento à manejada pela ré, de modo a reformar parte da sentença, para julgar totalmente improcedentes os pedidos formulados na petição inicial.

Condeno a parte sucumbente ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.

É como voto.

GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA

Relator

EMENTA

ADMINISTRATIVO – FABRICAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS FUMÍGENOS – RESOLUÇÃO DA ANVISA RDC Nº 54/2008 – VEICULAÇÃO DE NOVAS IMAGENS DE ADVERTÊNCIA – DESOBRIGAÇÃO DE EMPRESA FABRICANTE.

1 – O poder de regulamentação da ANVISA não pode se sobrepor ao direito de o fabricante de cigarros de ter seu produto veiculado de forma legítima.

2 – A fabricação e comercialização de cigarros é uma atividade lícita, tributada, sujeita a todas as chancelas e requisitos da legislação. Portanto, não é lícito sujeitar as empresas de fabricação de tabaco a veicular em seus produtos imagens que não guardam relação com a realidade.

3 – A embalagem é do fabricante que já contém a frase “Fumar é prejudicial à saúde”, bastante suficiente para aqueles que consomem o produto estarem cientes dos males advindos do tabagismo.

4 – Impõe-se reconhecer, na hipótese, que a empresa autora não pode estar obrigada a veicular em seus produtos, nos termos do seu pedido, as imagens estabelecidas pela Resolução ANVISA RDC nº 54/2008.

5 – Apelação da ANVISA desprovida. Apelação da Autora provida. Sentença reformada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados os autos, em que são partes as acima indicadas:

Decide a Egrégia Sexta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por maioria, negar provimento ao recurso da ANVISA e dar provimento ao recurso da parte autora, na forma do relatório e voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julga¬do.

Custas, como de lei.

Rio de Janeiro, 16 de novembro de 2011 (data do julgamento).

CARMEN SILVIA LIMA DE ARRUDA

Juíza Federal Convocada

Relatora p\Acórdão

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