Incompatibilidade
Assessor jurídico do MP não pode exercer advocacia
Um assessor do MP estadual entrou com ação para manter o direito de advogar, o que foi assegurado em 1º grau. No julgamento da apelação do Estado, o TJ/RS manteve a sentença por considerar que não houve informação alguma no concurso público sobre a proibição do exercício da advocacia, nem foi solicitada a baixa da inscrição do servidor na OAB.
O tribunal gaúcho também observou que o art. 28 do Estatuto da Advocacia (lei 8.906/94 - clique aqui), que determina serem incompatíveis as atividades dos bacharéis e os cargos ou funções em qualquer órgão vinculado direta ou indiretamente ao Judiciário, não seria aplicável aos servidores do MP. Por fim, apontou que o estatuto da OAB também não faz restrições a esses servidores.
No recurso ao STJ, o Estado afirmou haver ofensa ao art. 28 e 30 do Estatuto da Advocacia, pois a vedação abrangeria não só servidores do Judiciário, mas os que exercem funções vinculadas ao Poder.
O ministro Benedito Gonçalves, relator, ressaltou inicialmente que a CF/88 (clique aqui) deu elevado status ao MP, quase o designando um "quarto poder", com ampla independência. "Todavia, não se pode olvidar que as nobres atividades desempenhadas pelo MP, à exceção das medidas preparatórias, estão umbilicalmente ligadas às tarefas exercidas pelo Poder Judiciário", alertou.
Isso é claramente expresso, destacou o ministro Gonçalves, no art. 127 da CF/88, que coloca o MP como instituição essencial à função jurisdicional. "Sob esse ângulo, os servidores do MP têm acesso a processos judiciais, elaboram pareceres e detêm informações privilegiadas, em condições idênticas aos dos servidores do Judiciário", apontou.
Para o ministro, impor a restrição a uns e não a outros seria dar tratamento desigual àqueles em igualdade de condições. Por fim, o ministro informou que o CNMP editou a resolução 27, que vedou a advocacia para seus servidores efetivos e comissionados.
A decisão da 1ª turma foi unânime.
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Processo Relacionado : REsp 997714 - clique aqui.
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RECURSO ESPECIAL Nº 997.714 - RS (2007/0239145-4) (f)
RELATOR : MINISTRO BENEDITO GONÇALVES
RECORRENTE : ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
ADVOGADO : MARILIA RODRIGUES DE OLIVEIRA E OUTRO(S)
RECORRIDO : L.C.M.R.
ADVOGADO : VILMAR MACHADO E OUTRO(S)
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. PRÁTICA DO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA POR ASSESSOR JURÍDICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. IMPEDIMENTO. PRIMEIRA PARTE DO INCISO IV DO ART. 28 DA LEI N. 8.906/94. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA.
1. A violação do art. 535 do CPC não se configura quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e motivada sobre a questão posta nos autos. Saliente-se, ademais, que o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos deduzidos pela parte, contanto que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar o decisum , como ocorre na presente hipótese.
Tanto assim, que a Corte a quo se manifestou acerca de todas as questões relevantes para a solução da controvérsia, tal como lhe fora posta e submetida, e entendeu que os servidores do Ministério Público apenas estão impedidos de advogar (art. 30, I, da Lei n. 8.906/94).
2. Os servidores do Ministério Público estão inseridos na regra de impedimento a que alude a primeira parte do inciso IV do art. 28 da Lei n. 8.906/94, segundo o qual, ipsis litteris: "[a] advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades: ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário [...].
3. Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.
Licenciado o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Brasília (DF), 25 de outubro de 2011(Data do Julgamento)
MINISTRO BENEDITO GONÇALVES
Relator
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO BENEDITO GONÇALVES (Relator): O Estado do Rio Grande do Sul interpõe recurso especial (fls. 340-350), com arrimo na alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão oriundo do Tribunal de Justiça daquele Estado, cuja ementa está consolidada nos seguintes termos:
APELAÇÃO CIVIL. CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PROVIMENTO Nº 17/2001, EXPEDIDO PELO PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA. VEDAÇÃO AO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA. AÇÃO ORDINÁRIA. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. SENTENÇA ESCORREITA. NÃO-PROVIMENTO EM GRAU RECURSAL. PRECEDENTES DO STJ, TRF E DESTA CORTE.
1. O demandante, ao prestar concurso para os quadros do Ministério Público, bem como ao tomar posse, não teve conhecimento de qualquer vedação, ou mesmo restrição com relação ao exercício da advocacia, sequer lhe sendo exigida a baixa de sua inscrição na OAB-RS, eis que inscrito regularmente e exercendo a advocacia a longa data.
2. Assim, em princípio, não há se falar em incompatibilidade do autor para o exercício da advocacia, porquanto sua situação não se enquadra naquelas previstas dentre as hipóteses do artigo 28 da Lei 8.906/94.
3. Ademais, entendo que restou ferido o princípio da legalidade, porquanto qualquer provimento administrativo de regulamentação deve obediência à lei, dela não podendo se afastar. Ora, se o Estatuto da OAB não fez restrição aos servidores do Ministério Público, incabível que o intérprete o faça através de Portaria ou Provimento. APELAÇÃO IMPROVIDA (fl. 318).
O Ministério Público do Rio Grande do Sul, na qualidade de interessado, opôs embargos de declaração, os quais foram rejeitados pelo Tribunal a quo, conforme acórdão de fls. 333-335.
Noticiam os autos que Luiz Clovis Machado da Rocha propôs ação ordinária anulatória em face do Estado do Rio Grande do Sul e requereu a anulação do Provimento n. 17/2001, da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao argumento de que o ingresso nos quadros do Ministério Público daquele Estado, no cargo de assessor jurídico, não impede o exercício da advocacia.
O Juízo singular da Vara Judicial da Comarca de Catuípe/RS julgou procedente a pretensão deduzida pelo autor e anulou o Provimento n. 17/2001 (fls. 258-262).
Irresignado, o Estado do Rio Grande do Sul apelou ao TJRS, que, por seu turno, negou provimento à irresignação e asseverou que não se trata de impedimento, mas, sim, de incompatibilidade, conforme a ementa supra.
No bojo do recurso especial que ora se apresenta, o Estado recorrente sustenta, preliminarmente, afronta ao artigo 535, II, do CPC, pois, ao rejeitar os embargos de declaração, a Corte a quo convalidou a omissão ocorrida no acórdão recorrido quanto ao requerimento de expressa manifestação acerca de diversos dispositivos legais, quais sejam, artigos 37 e 127, § 2º, da Constituição Federal, art. 25, XXXVI, da Lei Estadual n. 7.669/82; art. 178, XXI, da Lei Complementar Estadual n. 10.098/94 e art. 28, IV, do Estatuto da Advocacia (Lei Federal n. 8.906/94).
No mérito, aduziu violação dos artigos 28, IV e V e 30, I, da Lei n. 8.906/94, visto que a vedação contida no dispositivo em destaque não abrange somente os servidores do Poder Judiciário, mas todos aqueles que direta ou indiretamente exercem funções vinculadas aos órgãos daquele Poder, dentre os quais os servidores do Ministério Público.
Às fls. 364-377, consta arrazoado de recurso extraordinário.
O recorrido apresentou contrarrazões ao apelo nobre, às fls. 380-392, e argumentou, em sede preliminar, a ausência de prequestionamento dos temas ventilados no bojo do apelo nobre, bem como a não caracterização de afronta ao art. 535 do CPC.
Relativamente ao meritum causae , pugna pela mantença do acórdão guerreado.
O recurso especial recebeu crivo positivo de admissibilidade no Tribunal a quo, razão pela qual e os autos ascenderam ao STJ (fls. 428-429 e versos).
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO BENEDITO GONÇALVES (Relator): Prima facie, a violação do art. 535 do CPC não foi configurada, pois o Tribunal de origem se manifestou acerca de todas as questões relevantes para a solução da controvérsia, tal como lhe fora posta e submetida, e entendeu que os servidores do Ministério Público apenas estão impedidos de advogar.
Ademais, não cabe alegação de violação do artigo 535 do CPC quando a Corte de origem aprecia a questão de maneira fundamenta da, apenas não adotando a tese da recorrente.
Ainda preliminarmente, o recurso especial merece conhecimento quanto à suposta má interpretação dos arts. 28, IV e V, e 30, I, da Lei n. 8.906/94 (Estatuto do Advogado), porquanto os indigitados dispositivos foram prequestionados explicitamente pelo acórdão atacado e foram preenchidos os demais requisitos de admissibilidade recursal.
No mérito, a pretensão recursal merece guarida e o acórdão recorrido carece de reforma, conforme os fundamentos adiante expendidos.
A cerne da controvérsia respeita saber se incide a regra de incompatibilidade ou de impedimento quanto a assessor jurídico do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul que pretende exercer a advocacia.
O art. 28 da Lei n. 8.906/94 enumera, em numeros clausus , as hipóteses de incompatibilidade com o exercício da advocacia. Confiram-se, in verbis :
Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades:
I - chefe do Poder Executivo e membros da Mesa do Poder Legislativo e seus substitutos legais;
II - membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz, juízes classistas, bem como de todos os que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta e indireta;
III - ocupantes de cargos ou funções de direção em Órgãos da Administração Pública direta ou indireta, em suas fundações e em suas empresas controladas ou concessionárias de serviço público;
IV - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário e os que exercem serviços notariais e de registro;
V - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza;
VI - militares de qualquer natureza, na ativa;
VII - ocupantes de cargos ou funções que tenham competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais;
VIII - ocupantes de funções de direção e gerência em instituições financeiras, inclusive privadas.
Pois bem, não se desconhece que a promulgação da Carta Política de 1988 conferiu elevado status constitucional ao Ministério Público, ao ponto de quase designá-lo a um quarto poder, tanto assim que o desvinculou da tradicional tripartite dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Dessa forma, fê-lo instituição permanente e essencial à prestação jurisdicional, atribuiu-lhe o zelo pelo respeito aos três poderes e aos direitos assegurados na Constituição, assegurou-lhe total autonomia funcional e administrativa, de elaborar proposta orçamentária própria, e as mesmas garantias dos magistrados, dentre outras providências mais. Dessarte, a moderna doutrina pátria, à luz da novel ordem constitucional, tem entendido que o Ministério Público, justamente em razão dessa independência e autonomia, funciona como órgão de fiscalização de controle das atividades governamentais, como, v. g., os Tribunais de Contas.
Nesse sentido, é de bom alvitre trazer à colação a seguinte transcrição, ipsis litteris:
De qualquer forma, porém, como já antecipamos, a solução que sempre nos pareceu a melhor, justamente para contribuir de forma pragmática para esse desiderato de autonomia e independência da instituição, não seria erigir o Ministério Público a um suposto "quarto poder", nem colocá-lo dentro dos rígidos esquemas da divisão tripartite atribuída a Montesquieu, mas sim inserí-lo em título, capítulo ou seção própria da Constituição. A nosso ver, melhor, fora, até, colocá-lo lado a lado com o Tribunal de Contas, entre os órgãos de fiscalização e controle das atividades governamentais, ou, como já o fizera a Constituição de 1964, que o inseriu entre os "órgãos de cooperação nas atividades governamentais (MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 105).
Todavia, não se pode olvidar que as nobres atividades desempenhadas pelo Parquet , à exceção das medidas preparatórias, estão umbilicalmente ligas às tarefas exercidas pelo Poder Judiciário. Tanto assim, que o art. 127 da Constituição dispõe que "[o] Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado [...]", a evidenciar o trabalho em conjunto de ambos os órgãos.
Sob esse ângulo, os servidores do Ministério Público têm acesso a processos judiciais, laboram na elaboração de pareceres e detêm o conhecimento de informações privilegiadas, em condições idênticas aos dos servidores do Poder Judiciário. Logo, impor a regra de incompatibilidade a uns e a de o impedimento, a outros, importaria conferir tratamento desigual àqueles que estão em igualdade de condições, em flagrante desrespeito ao princípio da isonomia.
E, como a Lei não dispõe de palavras inúteis, tem-se que os servidores do Ministério Público estão inseridos na regra de impedimento a que alude a primeira parte do inciso IV do art. 28 da Lei n. 8.906/94, segundo o qual, ipsis litteris: "[a] advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades: ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário [...].
Ademais, o Conselho Nacional do Ministério editou a Resolução n. 27, de março de 2008, no sentido de vedar a prática da advocacia aos seus servidores efetivos, comissionados requisitados ou a à disposição do Ministério Público.
Isso posto, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento.
É como voto.
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