Boletim
Leia abaixo o nono boletim da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça.
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Notas
Acesso à Justiça
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, enviou, no dia 7 de julho, à Assembléia Legislativa, o anteprojeto de lei que cria a defensoria pública no estado. Previstas no artigo 134 da Constituição de 1988, as defensorias têm como objetivo oferecer assistência jurídica à parcela da população que não tem condições financeiras para contratar advogados. Além de São Paulo, o estado de Santa Catarina ainda não criou a instituição. O secretário de Reforma do Judiciário, Sérgio Renault, parabenizou o governo paulista pela iniciativa, destacando que ela representa o atendimento de uma reivindicação de muitos anos de todos aqueles que se preocupam com a ampliação do acesso à Justiça. "A defensoria pública é um instrumento importante nesse sentido". As defensorias públicas estaduais conquistaram autonomia financeira e administrativa com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45. A medida visa fortalecer a estrutura dessas instituições.
Cadastro unificado
O Banco Central colocou em funcionamento este mês o Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional, que reunirá todos os titulares de contas bancárias no País. O sistema dará agilidade à tramitação de processos judiciais, pois informará ao juiz, via digital, se e onde as partes possuem contas bancárias, eliminando o tempo gasto com o envio e recebimento de ofícios. O programa preserva o sigilo bancário, mas permite à Justiça obter informações sobre o tipo de conta de depósitos ou dos ativos financeiros que são mantidos pelo correntista ou cliente na instituição; e a data de início e término dos diversos tipos de relacionamento entre o cliente e o banco. Segundo o Banco Central, a utilização do CCS pelo Poder Judiciário se dará mediante a celebração de convênios com tribunais de todo o País. Mais informações podem ser obtidas por meio do endereço eletrônico www.bcb.gov.br/?sfnccs.
Modernização
Grande procura faz Prêmio Innovare prorrogar inscrições
Os interessados em participar do II Prêmio Innovare: o Judiciário do Século XXI têm agora até o dia 31 de julho para apresentar propostas inovadoras de gestão de Justiça. Devido ao grande número de inscrições recebidas, a Secretaria Executiva do prêmio prorrogou o prazo de inscrição, antes previsto para encerrar em 30 de junho.
O cadastramento dos projetos deve ser feito por meio do endereço eletrônico www.premioinnovare.com.br O Innovare tem como finalidade valorizar e difundir práticas pioneiras e bem sucedidas do Poder Judiciário que contribuam para a modernização e eficiência do setor. Os prêmios, no valor de R$ 50 mil, serão concedidos nas categorias Juiz, Juizados Especiais, Tribunal e Ministério Público. O projeto é uma realização do Ministério da Justiça, por meio da Secretaria de Reforma do Judiciário, da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas, da Associação dos Magistrados Brasileiros e da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp). O projeto conta ainda com o apoio da Companhia Vale do Rio Doce.
A primeira edição do Prêmio Innovare, realizada no ano passado, começa a mostrar resultados práticos, com duas publicações que vão disseminar as práticas inscritas em 2004. A primeira será um livro com detalhamento dos 28 projetos finalistas. A segunda, um manual descritivo com todas experiências inscritas. O material está em processo de produção e será distribuído a todas as instâncias do Judiciário, para que as inovações possam ser conhecidas e difundidas por todo o país.
Entre os nomes que comporão a comissão julgadora do II Innovare estão: a ministra do Superior Tribunal de Justiça Fátima Nancy Andrighi; o ministro do Tribunal Superior do Trabalho Ives Gandra Martins Filho; o presidente do Instituto Hélio Beltrão, João Geraldo Piquet Carneiro; o presidente das Organizações Globo, Roberto, Irineu Marinho; e a doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora sênior do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais (Cebepej), Maria Tereza Sadek.
Legislação
CCJ da Câmara aprova súmula impeditiva de recursos
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou, no dia 6 de julho, o projeto de lei 4724/04, que institui a súmula impeditiva de recursos. Pela proposta, o juiz de primeira instância não aceitará apelação (recurso de decisão do juiz que põe fim ao processo) se sua sentença estiver em conformidade com matéria sumulada pelo STF ou pelo STJ. A Secretaria de Reforma do Judiciário do MJ participou ativamente na elaboração do texto, que será agora apreciado pela CCJ do Senado, salvo se houver recurso dos deputados para que outra votação seja feita no plenário da Câmara.
O projeto de lei 4724/04 é uma das 23 propostas de alteração dos códigos do processo Civil e Penal e do processo trabalhista apresentadas pelo Executivo ao Congresso Nacional no final do ano passado, como parte do Pacto de Estado por um Judiciário mais Rápido e Republicano. As propostas, que compõem a chamada reforma infraconstitucional, visam a simplificação dos recursos judiciais e a valorização das decisões de primeira instância, de maneira a coibir a utilização da Justiça com fins meramente protelatórios.
Opinião
Os Obstáculos da Reforma do Judiciário
José Eduardo Martins Cardozo*
A afirmação do Estado de Direito e o aprofundamento da democracia em nosso país exigem mudanças orgânicas e funcionais que possibilitem o exercício eficiente, transparente, regrado e controlado das atividades estatais. É nessa dimensão que deve ser compreendida a urgente necessidade de serem realizadas profundas alterações, não apenas na estrutura orgânica do Poder Judiciário, mas em todo sistema responsável pela prestação jurisdicional do Estado brasileiro.
Apesar do número de vozes que se levantam para defender ou não a reforma, não podemos negar que, via de regra, existe também grande concordância quanto aos rumos que devem ser seguidos para a sua realização. Em geral, afirma-se que as alterações que devem ser introduzidas no nosso sistema de prestação jurisdicional devem passar por três dimensões diferentes, descritas abaixo.
A primeira se refere às alterações da nossa Constituição Federal, o que ocorreu com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45, em janeiro de 2005. Nas discussões ocorridas no Congresso afirmou-se a necessidade de certas redefinições estruturais a respeito da criação de mecanismos de controle do Poder Judiciário e, também, de instrumentos que garantam a maior uniformidade das decisões judiciais e a eliminação do acúmulo de processos nos tribunais superiores.
Esteve também em pauta a redefinição das competências dos órgãos jurisdicionais do Estado, na perspectiva de se assegurar maior racionalidade ao nosso sistema processual. A segunda trata das alterações a serem feitas na nossa legislação infra-constitucional, a partir da EC nº 45.
Mudar as nossas leis processuais, sem prejudicar o amplo direito de defesa dos demandados, de modo a impedir a interposição de recursos procrastinatórios que arrastam a solução de demandas por décadas, ou ainda a existência de procedimentos lastreados em uma irracionalidade prejudicial à ágil solução das demandas, é um dos pontos inadiáveis a serem enfrentados com a apresentação e a aprovação de projetos de lei.
Do mesmo modo, a aprovação de um novo estatuto da magistratura com a afirmação de regras que enfrentem os problemas existentes no reconhecimento de prerrogativas e na afirmação de deveres para os magistrados na sua capacitação e na sua atuação funcional, bem como em questões pertinentes a democratização e à transparência da atuação do Poder Judiciário, é também sempre lembrado como de fundamental importância.
Há ainda a necessidade da criação de instrumentos e estruturas que possibilitem a democratização do acesso à Justiça, embora seja sabido que em no Brasil exista um elevado número de demandas em relação a outros países (a partir de uma comparação entre suas respectivas populações e o número de litígios propostos). A realidade demonstra que uma grande maioria de brasileiros não tem acesso efetivo à Justiça, a não ser quando são demandados como réus em processos criminais. O fortalecimento e a ampliação das denominadas Defensorias Públicas, a criação de órgãos e procedimentos judiciários mais acessíveis à população seriam mecanismos apropriados para o combate desta verdadeira exclusão jurisdicional.
E, finalmente, a terceira formula-se no plano da própria gestão judiciária. A informatização de todas as atividades judiciárias é inadiável. Além de permitir maior segurança e agilidade, possibilitará mais transparência e controle de todas as atividades administrativas e judiciais.
Contudo, ainda resta uma indefinição acerca das futuras alterações que finalizarão o projeto de Reforma do Judiciário. O problema central é que boa parte dos cidadãos sabe e sente os problemas do sistema de prestação jurisdicional, mas não tem possibilidade de compreender, de participar deste debate e, por conseguinte, de pressionar os legisladores e autoridades judiciárias à adoção desta ou daquela solução.
A discussão de temas jurídicos, seja pela sua dimensão técnica, seja pela sua linguagem característica, torna-se distante e inacessível àqueles que não são “iniciados” na “arte jurídica”, concentrando-se apenas entre os “operadores do direito”: juizes, promotores de justiça, advogados, professores de direito, delegados de polícia, estudantes etc.
Disto decorrem os mais agudos obstáculos a que esta reforma se realize. Parte das discussões em torno da reforma do Poder Judiciário são marcadas por interesses corporativos, que muitas vezes vêm em primeiro lugar, sufocando a possibilidade de um diálogo maduro acerca de propostas gerais que modernizem o sistema e facilitem a resolução de problemas.
Sendo assim, no choque entre as grandes corporações, e diante da inexistência de controle social para que esta ou aquela solução seja adotada, as propostas ficam paralisadas, aguardando definição.
Apesar de todos os problemas expostos não podemos deixar de destacar o competente trabalho desenvolvido pelo Ministério da Justiça e pelo Poder Legislativo, que diante de todas as adversidades foram capazes, por meio de competente trabalho de seus técnicos, de promover o debate necessário para a tramitação e aprovação da primeira parte desta reforma, traduzida na promulgação da Emenda Constitucional nº 45 de 2005.
A reforma do Poder Judiciário não pode ser compreendida apenas como uma simples mudança dos aspectos orgânicos pontuais e superficiais, além de não poder ser um encargo atribuído unicamente aos magistrados, ou aos denominados “operadores do direito”. Deve ser uma intervenção muito mais ampla e abrangente, tanto no seu conteúdo como no universo de pessoas e agentes que deverão empreendê-la, como nos mostrou a iniciativa do Ministério da Justiça e da Comissão Especial.
Por isso, e para isso, é necessário, neste momento, que continuemos abertos à discussão com cidadãos, entidades não governamentais, autoridades públicas, centrais sindicais, movimentos populares, partidos políticos e demais forças vivas da sociedade, na busca do consenso ou da afirmação democrática de propostas que possam trazer legitimidade, transparência, controle social, inclusão, racionalidade e eficiência a todo o sistema de prestação jurisdicional do Estado Brasileiro. Somente assim poderá ser dada continuidade a esta reforma para que finalmente possamos sair do plano das conjecturas, das teses e dos projetos, ou ainda das pequenas alterações pontuais, para o plano de uma verdadeira transformação.
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* José Eduardo Martins Cardozo é advogado, deputado federal por São Paulo e presidente da Comissão Especial de Reforma do Judiciário. Mestre e doutorando pela PUC/SP, é professor de Direito Administrativo, Filosofia do Direito e Introdução ao Estudo do Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, de Direito Administrativo do Curso Prof. Damásio de Jesus e ex-professor do setor de Pós-Graduação da Universidade Católica de Santos.
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Fonte: Boletim da Secretaria de Reforma do Judiciário - Ano II Nº 9 – 26/7/2005.
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