Justiça do Trabalho
TST reconhece horas extras integrais a cortador de cana remunerado por produção
Na reclamação trabalhista, o cortador de cana informou que consumia diariamente no transporte fornecido pela Agrovale cerca de 1h30 no início do trabalho e 1h na saída. Seu horário efetivo de trabalho era das 6h às 17h30h, mas saía de casa às 4h30 e regressava às 18h30, em média. Explicou que o local era de difícil acesso e não servido por transporte público.
Sua pretensão era que todo esse tempo fosse considerado como horas in itinere, ou de deslocamento, e computado na jornada de trabalho – e, consequentemente, remunerado como hora extra. Pedia, também, a integração ao salário do período não usufruído do intervalo intrajornada, reduzido, por meio de norma coletiva, de uma hora para 15 minutos.
A sentença do juiz da 2ª vara do Trabalho de Juazeiro deferiu parcialmente o pedido e condenou a Agrovale a pagar todas as horas que ultrapassassem a oitava diária como extras, exceto o tempo de percurso entre a casa e a portaria. O fundamento foi a existência de norma coletiva que autorizava a supressão do pagamento do período gasto em transporte da empresa como extra. A condenação, porém, limitou-se ao pagamento do adicional da hora extra estabelecido na convenção coletiva, e não ao valor da hora mais o adicional, por considerar que a remuneração do cortador de cana era feita exclusivamente por produção, conforme estabelece a OJ 235 da SDI-1 do TST.
Ao julgar recurso ordinário da empresa, o TRT da 5ª região excluiu da condenação o pagamento das horas in itinere deferidas em primeiro grau com base nas mesmas normas coletivas que autorizariam sua supressão, levando o trabalhador a recorrer ao TST. No recurso de revista, ele sustentou que as horas in itinere constituem direito irrenunciável, não passível de negociação por parte dos sindicatos, principalmente quando não há, como no caso, nenhuma forma de compensação.
Trabalho por produção x condições de trabalho
Em seu voto, o ministro Walmir Oliveira da Costa fez uma longa análise sobre a natureza jurídica do trabalho por produção e a realidade social dos cortadores de cana, "sujeitos às mais adversas condições de trabalho", para concluir que a OJ 235 do TST não se aplica a esses trabalhadores. Segundo o ministro, o entendimento contido na OJ 235 "adotou a mesma racionalidade jurídica que levou à edição da súmula 340, voltada para o trabalho por comissão". Essa última modalidade, assinala, tem como pressuposto a liberdade e a autonomia típicas do empregado comissionista, como vendedores e representantes comerciais – realidade diferente daquela do trabalhador rural.
Para Walmir Oliveira da Costa, a remuneração do cortador de cana por produção "é a que menos prioriza a valorização social do trabalho" e induz o operário a produzir acima de sua capacidade. O relator lembrou o perfil desses trabalhadores – "cada vez mais jovens, na faixa dos 20 anos, negros ou pardos, dotados de grande força física, a maioria migrante das regiões mais pobres do país" – e as adversidades enfrentadas por eles, assinalando que esse é o setor da economia em que mais se identificam pessoas vivendo em condições análogas às de escravo.
O ministro citou o elevado índice de mortes súbitas constatado entre os canavieiros de SP (21 mortes entre 2004 e 2007) e associou-os ao termo utilizado pelos japoneses para a morte por exaustão – "karoshi". "O trabalhador que corta em média 15 toneladas por dia caminha 8.800 metros, efetua aproximadamente 100 mil golpes de facão e carrega em torno de 12 toneladas, resultado do esforço físico de 36 mil flexões de pernas e a perda de oito litros de água e mais de cinco mil calorias", ressaltou, acrescentando ao quadro, ainda, os acidentes de trabalho, as doenças por esforço repetitivo, a desidratação e o uso de drogas (entre elas o crack) para aumentar o vigor físico necessário ao corte de cana.
"É exatamente nesse cenário que surge, como agravante da realidade do trabalho rural, a forma de remuneração ajustada", afirmou. No caso dos canavieiros, para obter uma remuneração média de R$ 1 mil, os trabalhadores têm de cortar pelo menos dez toneladas de cana por dia, e essa média vem aumentando nos últimos anos para alcançar as metas dos usineiros. "Para atingir essa meta, evidentemente, esses trabalhadores permanecem, necessariamente, à disposição do empregador além da jornada contratual", conclui.
"Essa modalidade contratual, aplicada, sobretudo, aos trabalhadores braçais, não se alinha com a diretriz constitucional estabelecida pelo inciso XIII do artigo 7º da Constituição da República (clique aqui), que fixou o limite de oito horas diárias e 44 semanais para a jornada de trabalho", afirma Walmir Oliveira da Costa. "Isso significa que todo trabalhador que exceder esse limite deve ser remunerado como extra integralmente, ou seja, hora mais adicional".
Para o relator, a aplicação do contrato por produção à realidade rural "atenta contra o próprio princípio de proteção do trabalhador" que rege o Direito do Trabalho, "mormente por significar um meio – velado, é certo, mas não menos repugnante – de exploração da mão de obra braçal, por meio da escravização física e psicológica do indivíduo (sobretudo quando já sucumbido à dependência química pelo uso de substâncias entorpecentes)".
Com estes fundamentos, o voto de Walmir Oliveira da Costa concluiu que a aplicação da OJ 235 ao trabalho rural "somente contribui para a precarização das relações de trabalho no campo, ao desrespeitar a dignidade do trabalhador que tem a valorização do seu trabalho condicionada a maior produtividade, ao limite da exaustão e, consequentemente, à redução de sua qualidade de vida". O voto cita ainda precedentes no mesmo sentido dos ministros Aloysio Corrêa da Veiga e José Roberto Freire Pimenta.
Por unanimidade, a 1ª turma seguiu o voto do relator e deu provimento ao recurso do trabalhador para condenar a Agrovale ao pagamento de 2h15 minutos diários como extras, acrescidas do adicional previsto na norma coletiva e seus reflexos legais.
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Processo Relacionado : RR-128340-33.2006.5.05.0342 - clique aqui.
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