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Usina é condenada em R$ 5 mi por trabalho infantil indígena

O juiz substituto Antonio Arraes Branco Avelino, da vara do Trabalho de Amambai/MS, condenou a Agrisul Agrícola Ltda e Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool/Cbaa a pagarem R$ 5 mi por dano moral coletivo por exploração do trabalho infantil.

19/9/2011


Dano moral coletivo

Usina é condenada em R$ 5 mi por trabalho infantil indígena

O juiz substituto Antonio Arraes Branco Avelino, da vara do Trabalho de Amambai/MS, condenou a Agrisul Agrícola Ltda e Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool/Cbaa a pagarem R$ 5 mi por dano moral coletivo por exploração do trabalho infantil.

A ACP foi proposta pelo MPT, alegando que em 2009 o pai de um jovem indígena informou a Procuradoria do Trabalho de Dourados/MS que seu filho, menor de idade, estaria embarcando em um ônibus fretado para trabalhar na Usina Santa Olinda (Agrisul) portando documentos de terceiros.

O MPT também noticiou a ocorrência de mortes decorrentes do trabalho ilegal de menores indígenas no corte de cana-de-açúcar: um adolescente de 16 anos, arregimentado contra sua vontade, cometeu suicídio, atirando-se do ônibus que o conduzia ao local de trabalho para prestação das atividades.

Para o juiz do Trabalho, a contratação de trabalhadores menores restou "robustamente comprovada", tendo, inclusive, culminado com a morte de trabalhadores menores. Diz o magistrado: "o filho menor foi levado vivo. Devolvido morto. Sem explicações. Sem consideração, sem dignidade, sem valorização da vida, da comunidade, do direito, da justiça, enfim, sem respeito ao Estado Democrático de Direito".

No entendimento do julgador, o montante de R$5 mi serve de caráter punitivo-pedagógico para o comportamento das reclamadas, que também arcarão com as custas no valor de R$100 mil.

__________

Proc. nº 0000382-42.2010.5.24.0036

Autor: Ministério Público do Trabalho

Rés: Agrisul Agrícola Ltda (Sidrolândia); Agrisul Agrícola Ltda (Brasilândia); Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool/CBAA (Sidrolândia) e Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool/CBAA (Brasilândia)

Julgamento: Data: 31.08.2011 às 16:50 horas

SENTENÇA:

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, ajuizou a presente ação civil pública, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, em face de AGRISUL AGRÍCOLA LTDA e de COMPANHIA BRASILEIRA DE AÇÚCAR E ÁLCOOL/CBAA, alegando, em resumo, que no dia 19 de novembro de 2009 compareceu à Procuradoria do Trabalho em Dourados, o pai de um jovem indígena dando notícia de que seu filho, menor de idade, estaria embarcando em um ônibus fretado para trabalhar na Usina Santa Olinda (primeira reclamada – unidade de Sidrolândia), portando documentos de terceiros; em diligência foram constatados três trabalhadores menores no grupo que estava prestes a seguir para a Usina; esses trabalhadores são expostos a trabalho penoso e a drogas ilícitas; sustentou que 12,5% da mão-de-obra da reclamada é por meio de exploração do trabalho infantil; além do trabalho infantil também não houve pagamento dos haveres trabalhistas. A parte autora também sustentou que houve pagamento de verbas rescisórias a terceiros, notadamente os proprietários de mercados das localidades de Amambai e Paranhos; sustenta que houve dano moral coletivo. Requereu antecipação dos efeitos da tutela. Diante disso, postulou a condenação das reclamadas nos títulos descritos na inicial. Deu à causa o valor de R$2.000.000,00. Juntou documentos.

Por meio da decisão de fls. 101 foi concedida antecipação dos efeitos da tutela, tendo sido determinado que a reclamada se abstenha de contratar menores, efetuar pagamento a pessoa diversa do empregado, pagar tempestivamente os direitos trabalhistas e efetuar os pagamentos através de conta salário, a partir de 15.07.2010 (ver aditamento de fls. 138).

Em petição de fls. 114/118, a parte autora aditou os termos da inicial para noticiar a ocorrência de mortes decorrentes do trabalho ilegal de menores indígenas no corte de cana-de-açúcar em usinas do Estado de Mato Grosso do Sul. Foi noticiado que o menor Junior Gonçalves da Rocha (16 anos), arregimentado contra sua vontade, cometeu suicídio, atirando-se do ônibus que o conduzia ao local de trabalho para prestação das atividades. Diante do descaso das reclamadas quanto aos fatos noticiados na inicial, requereu a condenação das reclamadas na quantia mínima de R$10.000.000,00.

Por ocasião da audiência de fls. 138, foi noticiada a celebração de acordo entre a parte autora e a filial de Sidrolândia, no que diz respeito às obrigações 2 e 3 de fls. 101v°. Foi determinado que a filial de Brasilândia comprove o cumprimento do item 3 da decisão de fls. 101 e também foi determinada a implantação de identificação dos indígenas contratados, sob pena de multa (fls. 138/139).

As reclamadas apresentaram defesa escrita (fls. 140/171). Alegou em resumo que não é prática da reclamada contratar menores para o trabalho, em nenhum momento foi noticiado que era a reclamada quem se responsabilizava pela contratação; negou a presença de drogas ilícitas; sustenta que não cabe ao empregador cuidar de interesses individuais de cada trabalhador; o pagamento é feito para o funcionário; noticiou que encontra-se em recuperação judicial; o MPT é parte ilegítima para figurar no pólo ativo. Os funcionários contratados passam por uma triagem onde são conferidos os documentos; é o cabeçante que contrata os trabalhadores; quando chegam na usina é feita mais uma triagem; não há que se falar em dano moral coletivo; impugnou o valor dado à causa. Contestou os demais termos da inicial e pediu a improcedência da ação. Juntou documentos.

Colhidas provas orais às fls. 172/181.

Determinada a realização de diligência (fls. 204), cuja certidão veio aos autos às fls. 416. Juntados novos documentos por determinação judicial.

Sem outras provas encerrou-se a instrução processual.

Razões finais remissivas.

Conciliação rejeitada.

É o relatório.

DECID0:

1. A recuperação judicial da reclamada não impede o prosseguimento do feito para definição de eventuais créditos e valores em favor da parte autora. No tocante à execução também não há que se falar em requerimento ao MM. Juízo da recuperação judicial, porquanto os créditos eventualmente reconhecidos por esta sentença não são abrangidos pela recuperação. Com efeito, nos termos do artigo 49, da Lei 11.101/2005 a recuperação abrange apenas os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. Ora, não havia nenhum crédito reconhecido antes da prolação da presente sentença.

Se isso não bastasse, o deferimento do pedido de recuperação judicial, segundo a própria reclamada, ocorreu em 02.12.2009. Portanto, da data da prolação desta sentença já decorreram mais de um ano, razão pela qual o credor tem a faculdade de iniciar ou prosseguir a execução independentemente de pronunciamento judicial, nos termos do §4°, do art. 6°, da Lei 11.101/2005, nos seguintes termos:

Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.

Nenhuma razão há, portanto, para que a presente ação seja suspensa ou o crédito a ser reconhecido seja executado mediante habilitação na recuperação judicial. Rejeito a preliminar.

2. O valor dado à causa foi atribuído segundo os pedidos e pretensões do reclamante. Ademais, permitem o contraditório e a ampla defesa, uma vez que comporta o processamento do feito pelo rito ordinário e permite o duplo grau de jurisdição. Via de consequência, rejeito a impugnação ao valor dado à causa.

3. A reclamada sustenta que o Ministério Público do Trabalho está a postular direitos exclusivos e pessoais a um restrito grupo de trabalhadores das reclamadas e, por isso, o objeto da ação não se enquadra na hipótese autorizadora para interposição de ação civil pública pelo Órgão Ministerial.

Sem qualquer razão à reclamada. O direito postulado pela parte autora diz respeito a toda coletividade de trabalhadores que possam prestar serviços à reclamada. São direitos que possuem relevo para toda a coletividade desses trabalhadores de forma difusa, sem individualização pessoal. Visa o cumprimento da legislação invocada na inicial para diversos trabalhadores atuais e outros que possam trabalhar para a reclamada. A pretensão de que seja observada a limitação de idade para tais trabalhadores, condições de trabalho e formas de pagamento.

Portanto, não há que se falar em interesses individuais, razão pela qual rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho.

4. A principal questão controvertida nestes autos é a contratação de trabalhadores menores de idade pela reclamada. A parte autora sustenta que a reclamada contrata trabalhadores menores, portando documentos de terceiros. Sustentou que no dia 19 de novembro de 2009 foi constatado que três trabalhadores menores iriam embargar em ônibus que conduziria os trabalhadores para a Usina Santa Olinda (unidade da reclamada em Sidrolândia).

O Ministério Público do Trabalho também transcreveu depoimento de um menor que afirmou que dois outros menores também embargaram para o trabalho. Afirmou que não somente os cabeçantes, mas também os agenciadores da reclamada acompanham os embarques dos trabalhadores. Afirmou que 12,5% da produção das reclamadas se dá com base em exploração do trabalho infantil.

Se isso não bastasse, o MPT sustenta que foram encaminhadas à Procuradoria do Trabalho notícias acerca da ocorrência de mortes decorrentes do trabalho ilegal de menores indígenas. Afirmou que o menor Junior Gonçalves da Rocha (16 anos) foi arregimentado contra sua vontade para laborar no corte de cana na usina Santa Olinda (Sidrolândia) e teria cometido suicídio, atirandose do ônibus que o conduzia ao local da prestação de serviços.

Em oposição a reclamada apresentou contestação e afirmou que não é sua prática contratar menores para o labor. Afirmou que em momento algum os menores indicaram que a empresa era quem se responsabilizava pela contratação. A escolha dos indígenas que irão compor o grupo é feita pelo cabeçante. Afirmou que os indígenas trazidos pelo cabeçante portavam documentos necessárias e a verificação é realizada sempre com rigor.

Sem qualquer razão às reclamadas. A contratação de trabalhadores menores restou robustamente comprovada nos presentes autos, cuja contratação, inclusive, culminou com a morte de trabalhadores menores.

Esses fatos – contratação de menor e morte – restaram incontroversos pelo depoimento do preposto da unidade de Sidrolândia, Sr. Carlos Silva Gama ao afirmar que recebeu uma ligação do motorista sobre qual procedimento deveria ser adotado em relação ao fato de que um trabalhador havia se jogado do ônibus, vindo a falecer. Ficou sabendo pela mídia que era um trabalhador menor de idade, uma vez que os documentos apresentados à reclamada eram de um trabalhador maior de idade.

A segunda testemunha do autor também confirmou que presenciou várias vezes outros Cabeçantes levarem trabalhadores menores para trabalhar; que pode afirmar que isto ocorreu com a Debrasa e Santa Olinda (fls. 176).

O Capitão da aldeia, ouvido como testemunha do juízo, confirmou que antes de ser capitão ocorria de embarcar trabalhadores menores, mas no período do depoente isso não ocorre (fls. 179), ele próprio começou trabalhar com doze anos de idade, tendo trabalhado por seis anos.

O menor A.C.V. declarou perante o Ministério Público do Trabalho foi procurado pelo cabeçante para trabalhar na reclamada com documento de terceiro. Informou que foram embarcados para trabalhar dois menores que se chamam Baufrânio, de 14 anos e C.A.J., de 17 anos, sendo que ambos utilizavam documentos dos respectivos irmãos maiores. Além do depoente seriam embarcados mais quatro menores. Afirmou que a prática de submeter menores ao trabalho no corte de cana com uso de documento de terceiros é rotineira (fls. 34). O menor C.S.G. também confirmou tais fatos, contratação rotineira de menores (fls. 35). Também confirmou a contratação de menores o Sr. O.V., que seria contratado pelo cabeçante da reclamada (fls. 36).

Pelo depoimento de fls. 37 o Sr. A.C.V. também confirmou que há contratação de trabalhadores menores mediante utilização de documentos de terceiros. Esse trabalhador também confirmou a contratação de dois menores embarcados para a Usina Santa Olinda, de nomes Baufrânio e Cesar e tendo confirmado que na data dos fatos seriam embarcados mais cinco menores.

Os depoimentos dos agentes da Polícia Federal também corroboraram o fato da contratação de menores mediante documentos “arranjados” pelo cabeçante Agenor Ramos (ver fls. 39 e 41/42).

Na fiscalização ocorrida pelo Ministério do Trabalho foram encontradas evidências de dois trabalhadores menores, Laudinei Alziro Jorge e Elino Machado (fls. 66).

A contratação de menores também foi corroborada pela audiência ocorrida em 06 de abril de 2010, pela MM. Juíza Titular desta Vara (fls. 75), na qual constatou-se que um menor com idade de 16 anos havia trabalhado para a reclamada (Ademar Castelão), também selecionado pelo cabeçante da reclamada.

Se a contratação de trabalhadores menores não fosse grave o suficiente, por si só, fato é que um desses trabalhadores – J.G.R., de dezesseis anos, foi arregimentado contra sua própria vontade para trabalhar no corte de cana-de-açúcar da usina Santa Olinda da reclamada, em Sidrolândia, e atirou-se do ônibus que o conduzia para o local de trabalho, vindo a falecer.

Esse fato, como se disse, restou incontroverso pelo depoimento do preposto que admitiu que um trabalhador havia de jogado do ônibus, vindo a falecer e estava sendo conduzido da Aldeia de Caarapó para Sidrolândia.

Esse trabalhador, porém, era um menor de idade que havia embarcado no ônibus com documentos de terceiro (maior de idade). Portanto, restou evidente que as alegações da reclamada de que fazia triagens para impedir o trabalho de menores não restaram efetivamente cumpridas, pois houve embarque de um menor para ser conduzido conta sua vontade ao trabalho.

Evidenciado, portanto, que a reclamada, mediante a contratação pelos cabeçantes, que são seus prepostos, admitiu o trabalho de menores por meio da apresentação de documentos de terceiros. Dentre esses menores, um deles veio a óbito, pois estava sendo conduzido ao trabalho contra sua vontade e após ter ingerido bebida alcoólica entregue pelo cabeçante (ver depoimento de sua genitora – fls. 177 e também os noticiários de fls. 120/123).

O filho menor foi levado vivo. Devolvido morto. Sem explicações. Sem consideração, sem dignidade, sem valorização da vida, da comunidade, do direito, da justiça, enfim, sem respeito ao Estado Democrático de Direito que define regras para contratação, para transporte, para pagamento de salários, verbas rescisórias, condições de trabalho etc.

Nada disso foi ou tem sido observado pela reclamada.

Veja-se que também foram constatadas diversas irregularidades no cumprimento das obrigações trabalhistas. O relatório de fiscalização de fls. 57 comprovou que os trabalhadores não utilizavam protetor auricular obrigatório, não havia técnico de segurança do trabalho suficiente considerando-se o dimensionamento do Serviço Especializado em Medicina do Trabalho - SESMT, ocorria atraso no pagamento dos salários, jornadas de trabalho acima do limite legal previsto no §2°, do art. 59, da CLT (fls. 58). Também foi constatada pela fiscalização do Ministério do Trabalho a ausência de pagamento de 44 (quarenta e quatro) rescisões contratuais.

A fiscalização de fls. 61/67 constatou ausência de instalações sanitárias nas frentes de trabalho, a empresa Agrisul Agrícola Ltda também deixou de quitar 922 (novecentas e vinte e duas) rescisões contratuais (fls. 65).

A requerimento da parte autora e por determinação deste juízo, foi certificada a quantidade de ações movidas em face das reclamadas. A certidão que veio aos autos às fls. 416 demonstra centenas de processos nos quais foi reconhecida a ausência de recolhimento do FGTS, a ausência de pagamento de verbas rescisórias e o pagamento em atraso dessas verbas.

Se isso não bastasse, dezenas de sentenças foram proferidas em face da reclamada reconhecendo a existência de dano moral aos trabalhadores por conta da ausência de pagamento de direitos contratuais e rescisórios. A reclamada já foi condenada em dezenas de reclamações julgadas pela MM. Juíza Titular desta Vara. Inicialmente a indenização por danos morais foi fixada em R$2.000,00. Não sensibilizada (pois certamente o valor foi reduzido) foi então condenada em dezenas de reclamações por danos morais no importe de R$4.000,00.

Ainda não abalada foi condenada em mais dezenas de reclamações ao valor de R$7.000,00. Se isso não bastasse foi também condenada em danos morais, por esses mesmos fundamentos, em valores de R$20.000,00.

Diversas dessas sentenças condenatórias em danos morais foram mantidas pelo E. TRT, reconhecendo a irregularidade cometida pela empregadora e o dano moral causado aos trabalhadores.

Se isso não bastasse, a reclamada não cumpriu a determinação constante da decisão de antecipação da tutela de fls. 101 no tocante ao pagamento tempestivo dos salários e das verbas rescisórias em conta salário aos trabalhadores, em manifesto desrespeito, desprestígio, desconsideração, ignorância às determinações judiciais. Isso quer se considere o prazo determinado na decisão de fls. 101, quer se considere o prazo referido no TAC perante a ação n° 1104.2009.004.24.00-2 (fls. 182).

Também restou evidenciado nos autos que o pagamento das verbas rescisórias e dos salários dos trabalhadores, diversas vezes ocorria em afronta ao princípio da pessoalidade, pois eram pagos a terceiras pessoas que não os próprios empregados. Restou comprovado que os pagamentos eram feitos aos donos de mercado, aos cabeçantes, ao capitão da aldeia ou aos familiares.

Também restou comprovado nos autos que o ambiente de trabalho a que eram submetidos os menores era sujeito a atentados violentos ao pudor, ao uso de drogas e entorpecentes, sendo constatados casos de embriaguês.

Esse depoimento foi prestado pelo próprio técnico de segurança do trabalho (fls. 52/53) da primeira reclamada.

Via de consequência, impõe-se reconhecer que o comportamento da reclamada é manifestamente atentatório ao Estado Democrático de Direito, afrontando não somente toda a população local e indígena, mas também todas as demais empresas do mesmo ramo econômico que cumprem a legislação trabalhista e, por isso, possuem maiores custos na sua produção.

O comportamento reincidente, reiterado, mesmo após várias condenações representa manifesta afronta à ordem jurídica estabelecida, bem como à dignidade do Poder Judiciário e chega a ameaçar o Estado Democrático de Direito e os princípios constitucionais referentes à dignidade da pessoa humana, a ordem econômica fundada na valorização do trabalho e à justiça social. Nessas circunstâncias resta configurado o “dumping social”, no qual toda a sociedade é afetada, afrontada, desrespeitada pelo poder econômico que não observa as normas mínimas de proteção às relações de trabalho, em especial às normas de saúde e segurança do trabalho, e à contratação de trabalhadores com idade mínima (trabalho de menores).

A reclamada permitiu o trabalho de menores, um deles veio a óbito, pois foi conduzido contra sua vontade ao trabalho. Atrasa pagamento de salários, deixa de efetuar o pagamento das verbas rescisórias ou o faz com atrasos abusivos, empregados trabalham sem equipamentos de proteção (fls. 37), não havia técnico de segurança em quantidade suficiente, segundo dimensionamento do SESMT (fls. 57), foi diversas vezes condenada pela ausência de pagamento de direitos trabalhistas, não mudou seu comportamento. Não observou as determinações judiciais e tampouco o próprio termo de acordo celebrado em juízo. É manifestamente relutante ao cumprimento de suas obrigações legais.

Tal comportamento gerou na comunidade um sentimento de impotência, de indignação. Houve projeção na sociedade dos fatos ocorridos com a reclamada. O Ministério do Trabalho foi envolvido. Os agentes da Polícia Federal, da Polícia Civil, Ministério Público do Trabalho, imprensa (fls. 48 e 120), Conselho Indigenista Missionário, Ministério Público Federal (fls. 125), comunidade indígena e o próprio Poder Judiciário. Tudo isso representa o dano moral coletivo a que a reclamada causou com seu comportamento que deve receber a sanção do Poder Judiciário.

O valor da condenação a título de dano moral coletivo deve considerar o comportamento contumaz da reclamada, reiterado, abusivo e de afronta ao Estado Democrático de Direito. Deve considerar a capacidade econômicofinanceira do empregador e a finalidade punitiva-pedagógica da indenização. Trata-se de empresa de amplitude nacional, com milhares de empregados, seis unidades (como se verifica do sítio www.cbaa.ind.br) e que não alterará seu comportamento com valores insignificantes para sua estrutura.

Portanto, entendo que o valor de R$5.000.000,00 (cinco milhões de reais), é suficiente e necessário para servir de caráter punitivo-pedagógico para o comportamento acima comprovado. Tal valor terá por destinação a reparação da comunidade local afetada e os valores deverão ser aplicados após o trânsito em julgado da presente sentença com supervisão do Ministério Público do Trabalho, conforme destinação a ser dada em execução, em projetos educacionais, de formação profissional qualificada, apoio hospitalar, psicológico ou de recuperação laborativa.

5. Comprovado o trabalho de menores nas unidades da reclamada , impõe-se o acolhimento integral do pedido de item 4, da inicial e seus subitens, com a sanção requerida no item “d” e “d.1”, da inicial.

Quanto aos pedidos de itens “1”, “2” e “3” da inicial e seus subitens, já houve celebração de acordo entre as partes, devidamente homologado, cuja extensão subjetiva foi admitida pelo Ministério Público do Trabalho, consoante se verifica às fls. 180. Diante disso, extingo o processo, em relação a esses pedidos, com julgamento do mérito, nos termos do art. 267, V, do CPC. No tocante às sanções requeridas, seguem a sorte do principal, porquanto também foram previstas nos termos do acordo homologado.

6. A prova evidente de trabalhadores menores no ambiente de trabalho, que culminou, inclusive, com morte, impõe a determinação de ofício à Fundação Abrinq para que tome conhecimento desse fato para as providências que entender cabíveis.

Dê-se ciência dessa sentença a todos os órgãos nela referidos.

7. Expostos os fundamentos pelos quais decididos os pleitos submetidos a julgamento restam atendidas as exigências da CLT, art. 832, caput, e da CF, art. 93, IX, não sendo exigível pronunciamento explícito acerca de todas as argumentações das partes1, até porque o recurso ordinário não exige prequestionamento viabilizando ampla devolutividade ao Tribunal (CLT art. 769 cc art. 515, §1º do CPC e Súmula 393 do TST).

POR TODO O EXPOSTO, em face do direito e de tudo o mais que dos autos consta, julgo PROCEDENTES EM PARTE os pedidos formulados na presente ação civil pública que o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO move em face de AGRISUL AGRÍCOLA LTDA e de COMPANHIA BRASILEIRA DE AÇÚCAR E ÁLCOOL/CBAA, para o fim de condenar solidariamente as reclamadas a se absterem de contratarem menores, nos termos do pedido de item “4”, da inicial e seus subitens, sob as penas elencadas no item “5”, “d” e “d.1”, da inicial, bem como a pagarem dano moral coletivo no importe de R$5.000.000,00 (cinco milhões de reais), cuja destinação será dada oportunamente em execução, com juros e correção monetária na forma da lei.

Custas pelas reclamadas sobre o valor da condenação de R$5.000.000,00, no importe de R$100.000,00.

Publique-se. Registre-se.

Intimem-se as partes.

ANTONIO ARRAES BRANCO AVELINO

Juiz do Trabalho Substituto

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