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Oficiais de justiça são condenados por cobrarem para cumprir alvarás de soltura

Dois oficiais de Justiça da Comarca de Alto Araguaia/MT foram condenados e perderam o cargo público por cobrarem ilegalmente para realizar o cumprimento de alvarás de solturas. A decisão é da juíza Ana Graziela Vaz de Campos Alves Corrêa, que substituiu a pena privativa de liberdade pelo pagamento de multa e prestação de serviços a comunidade.

5/9/2011

Ilegalidade

Oficiais de justiça são condenados por cobrarem para cumprir alvarás de soltura

Dois oficiais de Justiça da comarca de Alto Araguaia/MT foram condenados e perderam o cargo público por cobrarem ilegalmente para realizar o cumprimento de alvarás de solturas. A decisão é da juíza de Direito Ana Graziela Vaz de Campos Alves Corrêa, que substituiu a pena privativa de liberdade pelo pagamento de multa e prestação de serviços a comunidade.

Conforme denúncia do MP, os acusados aproveitaram do cargo público para solicitarem e receberem vantagem indevida. Consta dos autos que em julho de 2009 o TJ/MT expediu três alvarás de solturas, sendo dois deles para beneficiar um réu preso no Quartel de Alto Araguaia. O terceiro documento era destinado a um detento da cadeia pública de Alto Garças.

De posse dos alvarás, os oficiais de justiça procuraram familiares do primeiro réu para pedir a quantia de R$ 1 mil, alegando ser necessário o recebimento para que pudessem cumprir o alvará de soltura. A quantia serviria para custear as despesas de locomoção até Alto Garças, onde o acusado estava preso. A dupla foi ainda ao Quartel da PM de Alto Araguaia, onde estava preso o segundo réu, e o avisaram que o documento de soltura havia sido expedido e que ele deveria pagar R$ 1 mil para custear as despesas de locomoção em razão de que haviam retirado o alvará da comarca de Alto Taquari.

Os advogados de defesa dos acusados pediram anulação do processo e arquivamento, alegando que a denúncia deveria ser julgada improcedente, uma vez que o processo teria sido alicerçado em meras presunções. A defesa apontou ainda que a denúncia teria sido recebida sem prévia oitiva de um dos acusados. Porém na decisão a juíza destacou que a materialidade delitiva ficou demonstrada nos documentos do processo e nos depoimentos das testemunhas.

"A autoria do crime de corrupção passiva imputado aos respectivos acusados encontra devidamente demonstrada, uma vez que as provas colhidas durante a instrução processual lhes são desfavoráveis, estando em harmonia com o todo apurado no procedimento de investigação criminal levado a efeito pelo órgão ministerial, de modo que a condenação é medida de justiça", descreve trecho da decisão.

Além dos depoimentos de testemunhas que confirmam a cobrança de valores para cumprimento de alvarás de soltura, o processo traz quebra de sigilo bancário dos acusados. O documento demonstra o depósito e a transferência de valores que levantam suspeitas da atividade ilícita realizada pelos funcionários públicos, que não tinham outra fonte de renda que não fosse o salário como oficial de Justiça.

Para a juíza, a culpabilidade dos acusados é clara. A magistrada lembrou ainda que os oficiais de Justiça já respondem a outros processos. Assim, estabeleceu pena de três anos e 50 dias-multa e pagamento das despesas e custas processuais. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritiva de direitos: multa de R$ 1 mil, a ser destinada ao Conselho da Comunidade da comarca, e prestação de serviços a comunidade por uma hora por dia de condenação. Tais serviços serão especificados em audiência admonitória futura.

Quanto à perda do cargo público, a magistrada se baseou no disposto no art. 92, I, alínea "a", do CP (clique aqui). "Eis que se enquadram no conceito de funcionário público previsto no art. 327 do mesmo codex, bem assim porque praticaram o delito de corrupção passiva no exercício das funções de oficiais de justiça. Ademais, no caso em apreço, pela extensão de sua gravidade, torna-se absolutamente incompatível a permanência dos agentes na função pública".

Confira abaixo a íntegra da decisão.

____________

Código nº 27231.

Autor: Ministério Público Estadual.

Réus: J. B. M. e J. C. C.

Vistos etc,

O Ministério Público do Estado de Mato Grosso, ofereceu denúncia em face de J. B. M., vulgo “P.”, brasileiro, casado, servidor público estadual, natural de Alto Araguaia/MT, filho de A. J. M. e N. F. M., residente na rua ______, nº __, Centro, nesta Cidade, e de J. C. C., brasileiro, divorciado, servidor público estadual, natural de Flora Rica/SP, filho de D. A. C. e de A. D. C., residente e domiciliado na rua ______, nº _____, ______, nesta Cidade, considerando-os como incursos no artigo 317 do Código Penal.

Consta na denúncia consubstanciada no inquérito policial incluso, que no dia 02 de julho de 2009, em horário noturno, nesta Cidade, os denunciados solicitaram e receberam, para proveito de ambos, no exercício e em razão da função pública de oficial de justiça, vantagem indevida.

Narra a peça acusatória que em razão de decisão do Tribunal de Justiça deste Estado, foram expedidos na Comarca de Alto Taquari, três alvarás de solturas, tendo dois deles como beneficiários as pessoas de Ricardo Barbosa dos Santos, preso no Quartel desta Comarca e Alexandre Borges dos Santos, preso na Cadeia Pública de Alto Garças.

Segundo relata o Parquet, restou apurado que de posse dos alvarás, os denunciados foram até a residência de Glauco dos Santos, genitor de Alexandre Borges dos Santos e solicitaram a importância de R$ 1.000,00 (hum mil reais) para que pudessem cumprir o Alvará de Soltura, alegando que tal quantia destinava-se a custear as despesas de locomoção até a Comarca de Alto Garças, tendo Glauco efetuado o pagamento. Após, se dirigiram até o Quartel da Polícia Militar desta Cidade, e informaram ao denunciado Ricardo Barbosa dos Santos, que ainda encontrava-se preso, de que o Alvará de Soltura havia sido expedido e que ele deveria pagar a quantia de R$ 1.000,00 (mil reais), sendo que tal valor seria dividido entre eles para custear as despesas de locomoção em razão de que haviam retirado o Alvará da Comarca de Alto Taquari/MT.

A denúncia foi recebida às fls. 69 e os acusados devidamente citados às fls. 77, apresentando defesas preliminares às fls. 84-88 e 101-112.

Realizada audiência de instrução foram inquiridas 02 (duas) testemunhas do Juízo, 04 (quatro) testemunhas arroladas pela acusação, 04 (quatro) testemunhas arroladas pela defesa dos acusados, e após, procedido o interrogatório dos réus.

Em alegações finais, o Ministério Público Estadual alegou que restou devidamente comprovada a materialidade e autoria do delito em questão, requerendo a condenação dos acusados nas penas do artigo 317 do Código Penal, com a aplicação como efeito da condenação a perda do cargo ou função pública, nos termos do artigo 92, inciso I do Código Penal.

Às fls. 247-253 a defesa do acusado J. C. C., apresentou memoriais arguindo a preliminar de nulidade no que tange a citação do réu, posto que o mesmo não foi notificado para oferecimento de defesa preliminar, requerendo assim, o acatamento da preliminar com a nulidade do processo e o arquivamento do mesmo, sem a resolução do mérito. Aduziu que a denúncia deve ser julgada improcedente, uma vez que o processo foi alicerçado por meras presunções, e havendo dúvida sobre a responsabilidade penal, impõe-se a absolvição do acusado pela luz da máxima que informa o direito penal: in dúbio pro reo.

A defesa do acusado J. B. M., em alegações finais, requereu o reconhecimento da nulidade do processo, uma vez que a denúncia foi recebida sem prévia oitiva do acusado. No mérito pugnou pelo reconhecimento da inexistência do crime de corrupção passiva, por absoluta falta de provas a conferir crédito às acusações, com a absolvição do acusado nos termos do artigo 386, inciso VI do Código Penal.

É o relatório.

Decido.

O Ministério Público do Estado de Mato Grosso, ofereceu denúncia em face de J. B. M., vulgo “P. ”, brasileiro, casado, servidor público estadual, natural de Alto Araguaia/MT, filho de A. J. M. e N. F. de M., residente na rua _____, nº _____, _____, nesta Cidade, e de J. C. C., brasileiro, divorciado, servidor público estadual, natural de Flora Rica/SP, filho de Donato Adelino Coelho e de Anadir Domingues Coelho, residente e domiciliado na Rua _____, nº ____, Centro, nesta Cidade, considerando-os como incursos no artigo 317 do Código Penal.

Da preliminar

Antes de adentrarmos ao mérito, cumpre-nos analisar a questão preliminar levantada pelas defesas.

A defesa de ambos acusados arguiram preliminar de nulidade do processo, em razão da ausência de notificação prévia dos funcionários públicos, ora acusados, para apresentarem defesa preliminar, nos termos do art. 514 do Código de Processo Penal.

A presente preliminar deve ser rejeitada, primeiro pelo fato da ação penal ter sido precedida de inquérito policial, segundo por ausência de comprovação de qualquer prejuízo para os acusados.

A da Súmula 330 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça dispõe: "é desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo 514 do Código de Processo Penal, na ação penal instruída por inquérito policial".

Vejamos o recente julgado do Superior Tribunal de Justiça:

“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PECULATO-FURTO. AUSÊNCIA DE DEFESA PRELIMINAR. NULIDADE RELATIVA. PRECLUSÃO. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. DENÚNCIA INSTRUÍDA COM O INQUÉRITO POLICIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A nulidade pela ausência de abertura de prazo para oferecimento da defesa preliminar prevista no art. 514 do Código de Processo Penal tem natureza relativa, devendo ser arguida tempestivamente e com demonstração do prejuízo, sob pena de preclusão. 2. Se a denúncia se fez acompanhar do inquérito policial, também fica afastada a existência de nulidade pela falta de defesa prévia, conforme a dicção da Súmula n.º 330 do Superior Tribunal de Justiça. 3. No caso concreto, a Defesa silenciou acerca do tema durante todo o iter processual, vindo a alegar a mácula tão somente por ocasião da impetração do presente habeas corpus, dirigido contra o acórdão - já transitado em julgado - proferido na apelação. 4. Segundo o entendimento das Turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte Superior de Justiça, é inaplicável o princípio da insignificância aos crimes contra a Administração Pública, pois, nesses casos, a norma penal busca resguardar não somente o aspecto patrimonial, mas a moral administrativa, o que torna inviável a afirmação do desinteresse estatal à sua repressão. 5. Ordem denegada. Pedido de reconsideração da liminar julgado prejudicado”. (STJ. HABEAS CORPUS 2010/0047157-7. Relatora: Ministra LAURITA VAZ. Data: 16/06/2011).

Dessarte, não havendo demonstração de prejuízo para os acusado e considerando que a ação penal foi instruída por inquérito policial, rejeito a preliminar arguída pelas defesas.

Não havendo outras preliminares há ser apreciadas, passo à análise do mérito.

Do mérito

No mérito, por ser necessário a demonstração da materialidade e autoria do fato típico e ilícito para a prolação de um decreto condenatório, analisarei de forma sistemática a presença dos requisitos indicados, bem assim a conduta dos implicados atrelada aos fatos descritos na denúncia.

Da materialidade e autoria.

A materialidade restou demonstrada por toda documentação acostada aos autos e pelas provas orais colhidas.

Por outro lado, contudo, em que pese a negativa dos acusados em juízo, entendo que a autoria do crime de corrupção passiva imputado aos respectivos acusados, encontra devidamente demonstrada, uma vez que as provas colhidas durante a instrução processual lhes são desfavoráveis, estando em harmonia com o todo apurado no procedimento de investigação criminal levado a efeito pelo órgão ministerial, de modo que a condenação é medida de justiça, de conformidade com os fundamentos e razões que abaixo serão expostos.

Vejamos a priori o teor dos citados preceitos cominatórios e suas respectivas normas sancionatórias:

“Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa”.

Infere-se dos autos que os acusados J. B. M. e J. C. C., na condição de funcionários públicos, e com as atribuições de oficiais de justiça, lotados o primeiro na Comarca de Alto Araguaia e o segundo na Comarca de Alto Taquari, solicitaram vantagem indevida das vítimas G. S. e R. B. S., em 02 de julho de 2009.

Segundo a peça acusatória que em razão de decisão do Tribunal de Justiça deste Estado, foram expedidos na Comarca de Alto Taquari, três alvarás de solturas, tendo dois deles como beneficiários as pessoas de R. B. S., preso no Quartel desta Comarca e A. B. S, preso na Cadeia Pública de Alto Garças.

Narra, ainda, o Parquet, que de posse dos alvarás de soltura, os denunciados foram até a residência de G. S., genitor de A. B. dos S. e solicitaram a importância de R$ 1.000,00 (hum mil reais) para que pudessem cumprir o Alvará de Soltura, alegando que tal quantia destinava-se a custear as despesas de locomoção até a Comarca de Alto Garças, tendo Glauco efetuado o pagamento. Após, se dirigiram até o Quartel da Polícia Militar desta Cidade, e informaram ao denunciado Ricardo Barbosa dos Santos, que ainda encontrava-se preso, de que o Alvará de Soltura havia sido expedido e que ele deveria pagar a quantia de R$ 1.000,00 (mil reais), sendo que tal valor seria dividido entre eles para custear as despesas de locomoção em razão de que haviam retirado o Alvará da Comarca de Alto Taquari/MT.

No inquérito policial a testemunha Glauco dos Santos (fls. 43/44) declarou que teria pago aos oficias de justiça, ora acusados, a quantia de R$ 1.000,00 (mil reais) para que fosse cumprido um alvará de soltura de seu filho Alexandre, que estava preso na Comarca de Alto Garças/MT

Quando inquirida em Juízo, a testemunha G. S. (fls. 177 declarou o seguinte:

“...É pai de Alexandre; que estava há dois dias em Alto Garças esperando que cumprisse a soltura e ninguém tinha solução e não sabia a quem perguntar; Foi até o Fórum lá e ligaram em Alto Taquari e Cuiabá e informaram que o alvará de soltura estava em Alto Araguaia; Que não tinha para quem ligar e conhecia o Pardal, João Batista, liguei para ele e disse que estava a dois dias esperando uma solução e ele falou, vou ver para você... Que ele chegou lá era uma hora e soltou e fomos embora... Falou para Pardal que lhe daria um café ou arrumaria o carro deste, pois o depoente tinha um oficina, abasteço o seu carro, faço qualquer coisa... Que a sobrinha do depoente lhe ligou e passou para o assistente do Juiz; Que perguntou se o depoente tinha pagado alguma coisa para Pardal e o depoente desligou o telefone... Que na época não tinha dinheiro... Que não disse que tinha dado ao Pardal a quantia de R$ 1.000,00... Que reconhece sua assinatura no termo do depoimento prestado na policial. Que realmente falou o que estava escrito no depoimento de fls. 44... Que não falou para ninguém que pagou R$ 1.000,00... Que o assessor do juiz não ligou para o depoente em casa, pois o depoente não para em casa... Que ligou duas vezes para o Oficial de Justiça João Batista... Que não tem conta no banco na época dos fatos...”

Realmente verifico contradições dos depoimentos prestados pela testemunha G. S., sendo que esta testemunha certamente, alterou seu depoimento por medo de ser processado por corrupção ativa, bem como das prováveis pressões sofridas pelos acusados em face de seu depoimento na fase extrajudicial.

Perante a Autoridade Policial a testemunha R. L. R. declarou às fls. 16/17 o seguinte:

“que é assessor de gabinete do Juiz da 2ª Vara desta Comarca; que o Juiz da 2ª Vara, responde também pela Comarca de Alto Taquari; que naquela Comarca está tramitando um processo crime no qual um dos acusados é Alexandre de tal; que Alexandre se encontrava preso na Cadeia Pública de Alto Garças; Que no dia 02 de julho de 2009 foram expedidos diversos alvarás de soltura, inclusive um que beneficiava Alexandre; que o alvará foi encaminhado por volta das 20:30 horas; que o alvará foi encaminhado via e-mail para o escrivão Alisson de Alto Taquari; que Alisson entregou uma via do alvará para o Oficial de Justiça daquela localidade, Sr. José Carlos; que na cidade de Alto Araguaia José Carlos entrou em contato com o oficial de justiça João Batista, vulgo “Pardal”; Que acredita que José Carlos e Pardal tiveram contato pessoal com Lauro, pai de Alexandre; Que tomou conhecimento através da agente prisional Patrícia que José Carlos e Pardal exigiram que Lauro pagasse R$ 1.000,00 a eles para que fossem até Alto Garças para liberar Alexandre; Que Patrícia teria conversando com Lauro via telefone; Que hoje ligou para Lauro para esclarecer o ocorrido; que Lauro lhe disse que na verdade teria oferecido a referida quantia aos Oficiais de Justiça; que Lauro lhe disse que os Oficiais de Justiça receberam a quantia e foram até Alto Garça para apresenta o alvará e liberar Alexandre; que Alexandre foi liberado por volta da 01 hora da madrugada do dia 03 de junho do corrente ano”.

Em Juízo, fls. 179, a mesma testemunha voltou a confirmar sua versão apresentada em Delegacia, vejamos:

“... Eu tava aqui trabalhando no fórum de Alto Araguaia quando eu recebi uma mensagem do Gustavo falando que tava triste com os oficiais de Justiça daqui de Alto Araguaia, ai eu perguntei o que foi e ele falou então passa aqui na cadeia e vem conversar comigo... ele falou prá mim que o Glauco, pai do Alexandre, né?... um dos presos de Taquari, tava falando na cidade que tinha pago para o oficial de justiça para que eles fossem soltar o filho dele lá em Alto Garças... ele falou assim o negócio é o seguinte não foi dinheiro eu dei uma gorja prá ele... ai eu fui no delegado e informei para o delegado... Falou que o Ricardo também tinha pago para que eles soltassem ele... o Ricardo prestou depoimento perante eu e o Capitão Wilson falando que ele tinha repassado o dinheiro para os dois Oficiais de Justiça que é o pardal e o José Carlos...”

A testemunha P., tanto em Juízo, quanto em Delegacia afirmou:

“... Que ouviu conversas de terceiros que Glauco dos Santos, seu tio teria pago R$ 1.000,00 (um mil reais) para que Alexandre Borges dos Santos, seu primo, fosse solto... Que disse a Rhanderson que realmente tinha ouvido falar algo nesse sentido... que Glauco disse que teve que dar R$ 1.000,00 (mil reais) para o Oficial de Justiça conhecido pela Alcunha de Pardal para que o mesmo fosse até Alto Garças para liberar Alexandre; que Pardal estava de posse de um Alvará de Soltura para liberar Alexandre...” (Depoimento extrajudicial, fls. 18).

“... ele me respondeu que havia pago R$ 1.000,00 (mil reais) para que o Alexandre fosse solto... para que o oficial de justiça soltasse o Alexandre... Na hora o Rhanderson estava junto comigo...” (Depoimento judicial, fls. 180).

R. B. dos S., vítima, também foi ouvido extrajudicialmente e judicialmente, alegando o seguinte:

“... Que ao chegarem no Quartel os oficiais de justiça vieram comunicar o declarante de que o Alvará de Soltura teria sido expedido, e que eles estariam ali para soltar o declarante, no entanto, deveria ser repassado aos dois oficiais a quantia de R$ 1.000,00 (hum mil reais). Que seria dividido o valor entre os dois oficiais de justiça...” (fls. 20).

“... Doutor eles informaram que era taxa que deveria ser paga para custear deslocamento e diligências a quantia de R$ 1.000,00 (mil reais)... Sim senhor... No momento eu não tinha o dinheiro ai ficou posteriormente eles foram lá na minha residência para eu efetuar o pagamento... O primeiro eles foram lá na minha casa e eu paguei R$ 400,00 e o outro R$ 600,00... Sempre que eu entreguei estavam os dois oficiais juntos...” (fls. 180).

A testemunha M. E. A. P., em Delegacia disse:

“... que os oficiais de justiça compareceram em Alto Garças para liberá-la foram João Batista, vulgo Pardal e José Carlos; que foi liberada e os oficiais de justiça lhe pediram para que lhe pagassem as “custas do processo”; que disse a eles que estava sem dinheiro naquele momento e que depois acertaria com os mesmos...” (fls. 42).

Já em Juízo quando inquirida às fls. 180, a referida testemunha limitou-se a dizer que os acusados pediram dinheiro para que ajudasse no combustível para o retorno a esta Comarca.

Os depoimentos colhidos nos autos comprovam os fatos descritos na denúncia. Além da comprovação dos fatos por testemunhas, houve a quebra de sigilo bancário dos denunciados onde restou demonstrado diversos depósitos bancários suspeitos.

Vejamos a relação de depósitos suspeitos em relação ao denunciado João Batista Moraes, vulgo “Pardal”, conforme quebra de sigilo bancário, com extratos acostados nos autos código 27229:

- 10/09/2007 - valor de R$ 1.012,50 (fls. 15);
- 13/09/2007 - valor de R$ 1.100,00 (fls. 16);
- 01/10/2007 - valor de R$ 1.800,00 (fls. 18);
- 01/11/2007 - valor de R$ 1.500,00 (fls. 20);
- 23/05/2008 - valor de R$ 1.050,00 (fls. 30);
- 18/11/2008 – valor de R$ 1.015,00 (fls. 39);
- 29/04/2009 – valor de R$ 5.000,00 (fls. 55);
- 06/07/2009 – valor de R$ 500,00, depositado do Andréia Ferreira (fls. 55).

Colaciono, também, a relação de depósitos suspeitos em relação ao denunciado José Carlos Coelho, conforme quebra de sigilo bancário, com extratos acostados nos autos código 27228:

- 07/12/2007 – valor de R$ 3.500,00 (fls. 22);
- 13/12/2007 - valor de R$ 1.620,00 (fls. 22);
- 07/01/2008 – valor de R$ 3.300,00 (fls. 24);
- 07/02/2008 – valor de R$ 1.500,00 (fls. 26);
- 21/02/2008 – valor de R$ 900,00 (fls. 27);
- 26/03/2008 – valor de R$ 950,00 (fls. 28);
- 27/03/2008 – valor de R$ 1.000,00 (fls. 28);
- 01/04/2008 – valor de R$ 1.750,00 (fls. 30);
- 04/07/2008 – valor de R$ 1.000,00 (fls. 35);
- 06/08/2008 – valor de R$ 1.500,00 (fls. 37);
- 02/09/2008 – valor de R$ 1.800,00 (fls. 39);
- 03/10/2008 – valor de R$ 2.000,00 (fls. 41);
- 04/11/2008 – valor de R$ 2.000,00 (fls. 43);
- 03/12/2008 – valor de R$ 2.300,00 (fls. 45);
- 05/01/2009 – valor de R$ 2.750,00 (fls.47);
- 05/02/2009 – valor de R$ 2.250,00 (fls. 49);
- 06/03/2009 – valor de R$ 2.290,00 (fls. 51);

Além dos valores citados acima, esta Magistrada verificou a existência de transferências de outros valores, que podem ser referente a depósito de diligência. Em consulta na central de mandados verifiquei que o valor de uma diligência simples no perímetro urbano é de R$ 20,00, e o valor máximo cobrado por diligência nesta Comarca de Alto Araguaia é de R$ 850,00, equivalente à distância de ida e volta de 340 quilômetros, na localidade denominada Rio do Peixe, divisa com Mato Grosso do Sul, conforme certidão expedida pelo Gestor Geral desta Comarca.

É conveniente ressaltar que os acusados na época dos fatos não possuíam outra fonte de renda, assim é no mínimo suspeito os depósitos citados acima.

Vejamos os seguintes julgados:

TMT: “Delegado de Polícia que receber qualquer quantia para colocar em liberdade quem se encontra detido comete o delito de corrupção passiva”. (RT 522/438).

TJ/SC: “Corrupção Passiva. Oficial de Justiça que exige vantagem financeira pelo cumprimento de um mandado, seu dever de ofício, inerente ao cargo público por ele ocupado. Delito caracterizado. Prova testemunhal aliada a demais elementos probatórios que autorizam a prolação de um juízo condenatório. Inexistência de flagrante preparado. Recurso desprovido”. (JCAT 7/675).

APELAÇÃO - PECULATO - RECEBIMENTO DE VALOR PARA RECOLHIMENTO DE CUSTA - CONDUTA QUE NÃO SE INSERE NAS ATRIBUIÇÕES DOS AGENTES - CONFIGURAÇÃO - Inocorrência: Para a configuração do peculato é necessário que a posse do objeto material decorra da função ou cargo público exercido pelo agente e, não tendo a res sido entregue por mandamento legal, a conduta não se subsume ao tipo-penal. CORRUPÇÃO PASSIVA QUALIFICADA - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - ABSOLVIÇÃO - Impossibilidade: Suficientemente demonstradas a materialidade e autoria delitiva, impossível falar-se em absolvição por insuficiência probatória. Recursos não providos”. (TJSP. APELAÇÃO No 993.08.045836-7. Relator: J. Martins. Data: 20/01/2011).

Desta forma, seguro o quadro probatório alicerça firmemente o lançado aos autos, afastando-se as teses defensivas referentes à absolvição.

De todo modo, repita-se, as negativas de autoria por parte dos acusados, no tocante à inexistência pedido de propina para cumprimento de alvará de soltura não podem prevalecer por serem inverossímeis e contrárias ao acervo probatório.

Diante do exposto, e por tudo o mais que consta dos autos, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a denúncia e CONDENO os acusados JOÃO BATISTA DE MORAIS, vulgo “Pardal”, brasileiro, casado, servidor público estadual, natural de Alto Araguaia/MT, filho de Anecidio José de Morais e Nercina Francisca de Morais, residente na Rua Rio Branco, nº 50, Centro, nesta Cidade, e de JOSÉ CARLOS COELHO, brasileiro, divorciado, servidor público estadual, natural de Flora Rica/SP, filho de Donato Adelino Coelho e de Anadir Domingues Coelho, residente e domiciliado na SCLN 408, bloco A, sala 22, em Brasília/DF; como incursos nas penas do art. 317, § 1º, do Código Penal.

Atento ao disposto nos artigos 68 e 59, ambos do Código Penal Brasileiro, passo a individualizar a pena dos acusados.

Do acusado João Batista de Morais.

A culpabilidade deste acusado é evidenciada, com grau máximo de reprovação em sua conduta, na medida em que, em função do cargo de oficial de justiça que exercia, sendo exigida conduta diversa; o acusado é tecnicamente primário, porém já respondeu por outros processos criminais nesta comarca; sua conduta social foi abonada pelas testemunhas que arrolou; não há elementos para aferir a personalidade do autor; os motivos são inerentes ao tipo, obter vantagem ilícita; as circunstâncias dos fatos não são favoráveis ao réu, pois, deliberadamente, solicitou e recebeu vantagens indevidas usando de seu cargo público, havendo efetiva violação em seu dever funcional. A vítima é o Estado e em nada contribuiu para a prática do delito.

Diante, portanto, dos elementos norteadores do art. 59 do CP, e feitas essas considerações, fixo a pena-base em 03 (três) anos de reclusão, e 50 (cinquenta) dias-multa. Não há circunstâncias atenuantes ou agravantes, causas de aumento ou diminuição da pena. Assim, torno a pena definitiva em 03 (três) anos de reclusão.

Fixo o valor do dia-multa em um décimo do salário mínimo vigente a época dos fatos, devidamente corrigido, quando do efetivo pagamento, nos termos do artigo 49 do Código Penal, considerando que se trata de acusado pobre, na forma da lei.

Estabeleço o regime aberto para cumprimento da pena privativa da liberdade, nos termos do artigo 33, § 2º, alínea “c” do Código Penal.

Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistente em uma multa de R$ 1.000,00 (mil reais) a ser destinada ao Conselho da Comunidade desta Comarca e prestação de serviços a comunidade por uma hora por dia de condenação, tais serviços serão especificados em audiência admonitória a ser realizada pelo Juízo das Execuções Penais.

Do acusado José Carlos Coelho

A culpabilidade é intensa, uma vez que o acusado possuía a consciência da ilicitude de sua conduta, sendo exigida conduta diversa da adotada; Não constam nos autos elementos para aferir personalidade e conduta social do agente. O acusado possui antecedentes, pois responde outros processos criminais. Quanto aos motivos, considero que agiu buscando aferir vantagem; as circunstâncias dos fatos não são favoráveis ao réu, pois, deliberadamente, solicitou e recebeu vantagens indevidas usando de seu cargo público, havendo efetiva violação em seu dever funcional. A vítima é o Estado e em nada contribuiu para a prática do delito.

Assim, considerando que a maioria das circunstâncias judiciais não favorecem este acusado, entendo necessário e suficiente para a prevenção e reprovação do crime a aplicação da pena-base acima do mínimo legal, pelo que fixo-a em 03 (três) anos de reclusão, e 50 (cinquenta) dias-multa. Não existem circunstâncias atenuantes ou agravantes, nem tampouco causas de aumento ou diminuição da pena. Assim, torno a pena definitiva em 03 (três) anos de reclusão.

Fixo o valor do dia-multa em um décimo do salário mínimo vigente a época dos fatos, devidamente corrigido, quando do efetivo pagamento, nos termos do artigo 49 do Código Penal.

Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas penas restritiva de direitos (parte final do § 2º do art. 44 do Código Penal), consistente em uma multa de R$ 1.000,00 (mil reais) a ser destinada ao Conselho da Comunidade desta Comarca e prestação de serviços a comunidade por uma hora por dia de condenação, tais serviços serão especificados em audiência admonitória futura.

Condeno os acusados ao pagamento das custas e despesas processuais.

Como efeito específico da presente sentença criminal condenatória, por força do disposto no art. 92, I, alínea “a”, do Código Penal Brasileiro, decreto a perda do cargo público dos acusados J. B. M. e J. C. C., eis que se enquadram no conceito de funcionário público previsto no art. 327 do mesmo codex, bem assim porque praticaram o delito de corrupção passiva no exercício das funções de Oficiais de Justiça. Ademais, no caso em apreço, pela extensão de sua gravidade, torna-se absolutamente incompatível a permanência dos agentes na função pública.

Assim, tão logo transitada em julgado a presente, caso o efeito acima seja mantido, oficie-se ao Conselho da Magistratura do Estado de Mato Grosso, determinando a inscrição dos citados réus nos seus assentamentos funcionais e a adoção das demais providências pertinentes para cumprimento desta decisão.

Passada esta em julgado, lancem-se o nome dos sentenciados no livro “rol dos culpados”, comunique-se o cartório eleitoral para cumprir o preceito do art. 15, inciso III da Constituição da República e o instituto nacional de identificação a respeito da condenação.

P. R. I.

Cumpra-se.

Alto Araguaia, 02 de setembro de 2011.

Ana Graziela Vaz de Campos Alves Corrêa

Juíza de Direito

__________

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