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Ministro Eros Grau é homenageado no Plenário do Supremo

O ministro Eros Grau, indicado para o Supremo Tribunal Federal (STF) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em junho de 2004 e aposentado em agosto de 2010, foi homenageado pelos colegas e pela comunidade jurídica em solenidade realizada na tarde desta quinta-feira (25), no Plenário da Suprema Corte. Tradicionalmente, o STF presta homenagem no ano seguinte ao da aposentadoria de seus ministros. A exemplo do que ocorreu hoje, o homenageado não costuma participar da solenidade. Familiares e amigos estavam presentes.

26/8/2011


Homenagem

Ministro Eros Grau é homenageado no Plenário do Supremo

O ministro Eros Grau, indicado para o STF pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em junho de 2004 e aposentado em agosto de 2010, foi homenageado pelos colegas e pela comunidade jurídica em solenidade realizada na tarde de ontem, 25, no Plenário da Suprema Corte. Tradicionalmente, o STF presta homenagem no ano seguinte ao da aposentadoria de seus ministros. A exemplo do que ocorreu hoje, o homenageado não costuma participar da solenidade. Familiares e amigos estavam presentes.

Representando os colegas do Supremo, o ministro Gilmar Mendes lembrou as origens de Eros Grau, nascido em tempos de guerra mundial, no dia 19 de agosto de 1940, em Santa Maria da Boca do Monte, cidade gaúcha de acampamento militar. "Nascia um soldado diferente, um menino-guerreiro cuja vocação para a paz encontraria na seara do direito as maiores e melhores armas", disse (v. abaixo).

O ministro Eros também recebeu homenagens do MPF, nas palavras do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, do Conselho Federal da OAB, representado por Rubens Approbato, e pelo amigo e advogado Marcelo Cerqueira.

__________

Senhores,

Em 1940, a Terra ardia, inflamada em conflagração mundial.

Enquanto a maior parte da Humanidade, ameaçada e perplexa, sofria os horrores da terrível batalha entre a liberdade e a intolerância, o Brasil, agrário e modesto, encolhia-se na neutralidade, como a confirmar, ainda uma vez, a lendária inclinação para seguir dormindo em berço esplêndido.

Contudo, naquele ano de 1940, no coração do Rio Grande do Sul, mais precisamente em Santa Maria, cidade originária de acampamento militar, nascia um soldado diferente, um meninoguerreiro cuja vocação para a paz encontraria na seara do Direito as maiores e melhores armas.

Eros Roberto Grau, filho dileto de Werner e Dava Couto Grau, herdou dos pais, além do traço magnífico da dignidade, o pendor natural do altruísmo e da liderança, marcas que o distinguiram desde a juventude. A par do raro dom da palavra – que o fez vencedor, ainda calouro, do 1º Concurso de Oratória da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie –, o amplo conhecimento nas coisas do Direito consagraria o bacharel inquieto e engajado como o melhor aluno em Direito Comercial da Turma de 1963, um ano depois de haver conquistado o Prêmio Alcântara Machado de Direito Penal.

Fácil concluir, portanto, que se avizinhava trajetória acadêmica das mais fulgurantes.

De fato, não tardou para que tão vigoroso talento intelectual encontrasse solo fecundo no magistério universitário, trilha pela qual enveredou antes mesmo da Especialização em Economia e Teoria Geral do Estado na Universidade de São Paulo, em 1966.

Logo depois, o “Professor Eros”, como até hoje gosta de ser chamado (“com orgulho e honra”), obteve o título de Doutor em Direito da Universidade de São Paulo, defendendo a tese “Aspectos Jurídicos do Planejamento Metropolitano”. Com o feito, assoma à cátedra de Direito Econômico no Largo de São Francisco. Sempre mediante concurso público, alcança a Livre Docência; em seguida, o cargo de Professor Adjunto e, finalmente, o de Professor Titular do Departamento de Direito Econômico e Financeiro das Arcadas, a tão querida Arcadas [“ali onde mora a amizade, ali onde mora a alegria, no Largo de São Francisco, na Velha Academia”], de que tanto se envaidece e até se ufana.

Vou à própria fonte para reverberar a voz do professor emérito, consagrado pelos pares, amado por exércitos de discípulos: “A academia é para mim o que o mar é para o peixe” – costuma afiançar o Mestre que, mesmo aposentado, generosamente permanece a disseminar ensinamentos por universidades de todo o país, ao tempo em que bem representa o Brasil lá fora. Assim foi, por exemplo, quando da elogiável atuação na França, onde contribuiu anos a fio como professor visitante em centros de referência como Université Paris 1 (Panthéon- Sorbonne), Université de Montpellier I e Université Du Havre. Tais incursões renderam-lhe, em merecido reconhecimento, dois dos três títulos de Doutor Honoris Causa que possui, isso sem falar do sensível acréscimo em respeitabilidade, a elastecer o já vasto rol de admiradores.

E lá se vão quase cinquenta anos de excelência em professorado – somente fidedignamente reconhecida àqueles movidos pela insuperável convicção de que têm algo muito importante a dizer. É deduzir, sem pejo de errar:

A energia motriz dessa peregrinação idealista, às vezes tão solitária, é a disposição para mudar o mundo, de modo a fazê-lo mais justo, mais harmonioso e, assim – tão somente dessa forma genuinamente democrático.

À força das palavras, Eros Grau somou o poder da luta efetiva com as armas da lei e do Direito para alcançar a sonhada Justiça – sem dúvida, o melhor de todos os argumentos. Por quatro décadas fez da Advocacia a trincheira de onde torpedeou desde a ilegalidade ao normativismo vazio. Volto a citá-lo, de maneira a melhor fruir da pureza só obtida na própria fonte:

Que me perdoem os estudiosos que tomam a norma escrita, positiva, como objeto único de suas indagações. Isso é pouco e demasiado pobre para mim. Prefiro os desafios mais amplos, ainda que irresolúveis, a ocultar-me na cidadela do normativismo.

Uma teoria crítica supõe a concepção do direito não apenas como norma, mas como conjunto de preceitos enraizados nas condições de vida material, preceitos que as representam de maneira deformada, ideologicamente. Uma teoria crítica é uma teoria voltada à transformação do mundo. Eis o que me motiva e me conduziu até aqui. Viemos ao mundo para marcar os nossos próprios pés na areia inexplorada.

Pensar e refletir criticamente não apenas sobre o direito, mas sobre o mundo. Mundo em transformação, mundo que necessita, para que se possa transformar, do dinamismo de um direito também em transformação.

Esse, o direito instrumento de mudança social, o direito que me cumpre ensinar, porém, mais do que isso, que me proponho estudar. Direito que há de ser resolvido em suas bases, mediante o profundo questionamento das teorias que o sustentam. Dele pouco sei. Menos, porém, por certo, do que dele saberei amanhã. O compromisso, que assumo, de perseverar a pesquisar e a refletir sobre o direito, assumo-o comigo mesmo. 1

Eis juramento – a um só tempo clara profissão de fé – da qual jamais se afastou nem o acadêmico, tampouco o advogado, que se fez gigante na batalha desigual contra as arbitrariedades consumadas nos anos vergonhosos da ditadura militar. Vítima também desse cataclismo, nem por isso tergiversou, nem assim renegou o ideário ou a esperança no homem. Muito ao contrário, Eros Grau pagou caro o tributo da própria coerência, como se extrai do notável registro que fez por ocasião de homenagem aos 90 anos de outro gigante do Direito pátrio, o Ministro Evandro Lins e Silva:

Sobrevivemos ao desespero. Os de ponta de minha geração marcaram seu tempo em lutas memoráveis, assumindo posturas corajosas, ora como réus em processos políticos – ou meramente prisioneiros, inoficiosamente –, ora como advogados desses réus. De um modo ou de outro resistimos à ditadura, nutrimos sonhos, desde os mais ousados até os comedidamente limitados à defesa do Estado de direito.2

Tão vasta experiência, urdida com os fios da responsabilidade social, tecida “com as tramas e entre os tramos do compromisso com a liberdade e a igualdade”3, moldada à luz de sensibilidade superior, fê-lo atingir, a par dos inegáveis méritos profissionais, o patamar máximo de cidadão exemplar, condição sem a qual não se habilita o magistrado ao excruciante ofício de julgar.

Destarte, como o rio ao mar, foi natural que a caminhada do jurista e acadêmico desaguasse nesta Suprema Corte, cujas decisões hão de “produzir humanidade”4, como Sua Excelência, ademais de ensinar, demonstrou diuturna e concretamente, em cada qual dos votos que aqui proferiu.

Senhores,

No âmbito das homenagens àqueles que fizeram esta Casa, é tradição, resgatar-lhes extratos do quanto realizaram, à guisa de ilustração da desenvoltura e contribuição do homenageado. Nada obstante, tão multíplice e densa a obra do Ministro Eros Grau – nesta Corte, nas Arcadas, na academia – jurídica e literária –, que me escuso de fazê-lo, por entender temerário resumir em exemplos totalidade das mais abrangentes. Os números superlativos – quase duas dezenas de livros publicados, centenas de artigos e outras produções bibliográficas, quase meio milhar de trabalhos apresentados em palestras e conferências – expõem de pronto a imprudência de quem se aventura a tal intento.

Em vez disso, reservo espaço dos mais preciosos para falar do ser humano admiravelmente lapidado, esculpido à força de coragem moral ímpar – um homem sem ódios, cuja cordialidade e fidalguia conseguiram superar o mais indigno dos entreveros; cuja natural generosidade revelou, às escancaras, a grandeza de caráter evidentemente superior, à prova da malevolência ou brutalidade alheia.

Sim, escapo à práxis de citar sábios acórdãos ou bem sedimentadas teses jurídicas de Sua Excelência, estampadas em publicações veiculadas nos quatro cantos do mundo. Deixo para os anais da Casa o inventário de tantos quantos títulos honoríficos lhe atestam a dignidade e as horas dedicadas ao bem público, a fim de que a mim caiba o mister de relembrar, por exemplo, a ternura espelhada no Vovô Grau – personagem do programa “Aprendendo Direitinho”, veiculado na Rádio Justiça – que traduziu, com total fidelidade, a dimensão humanística que esteou o tempo todo o jurista célebre. (Idealizado pelo Ministro Eros Grau para, por meio de mídia das mais populares, ensinar noções básicas de Direito e cidadania a alunos do ensino fundamental, o quadro acabou por ganhar o Prêmio Nacional de Comunicação e Justiça, na categoria “Melhor Programa de Rádio”.)

Permitam-me ressaltar o bibliófilo anônimo, cujos 20 mil títulos deleitam silenciosamente a alma e o coração, enquanto aprofundam cultura das mais eruditas. Ou o vizinho gentilíssimo, a desfilar simpatia e simplicidade nas ruas da querida Tiradentes, cidade mineira privilegiada com convívio dos mais amenos e benfazejos. E dessa espontaneidade, dessa brandura fui testemunha ocular quando lá estive, acompanhado do Presidente da Corte, Ministro Cezar Peluso, e do para sempre saudoso Ministro Menezes Direito, que desfrutava, particularmente, de estreita vinculação afetiva e intelectual com o ora homenageado.

Que os biógrafos se ocupem da tarefa honrosa de revisitar minudentemente os episódios de existência tão produtiva e venturosa, mercê de tantos e tão multifacetados dons. A propósito e en passant, lembro que a Academia Brasileira de Letras não tarda a reconhecer, com alvíssaras, o talento literário que pulsa cada vez mais forte sempre que o Eros amante das letras e dos livros lança mão da pena para dizer poeticamente da vida e dos mistérios que a acometem.

Como magistrado, professor e cidadão brasileiro, escolho saudar, em agradecimento obsequioso, a serenidade do jurista dedicado “ao artesanato da paz e da harmonia social”, ofício erigido desde muito cedo como missão de toda a vida. Louvo sobretudo o amigo leal, de temperamento suave e aguda inteligência, cuja inata bonomia cuidou de conduzir, inapelavelmente, à trilha grandiosa do perdão, de maneira a seguir trançando laços, numa inconclusa jornada de infinito querer bem.

Senhores, o testemunho de tudo quanto agora afirmo encontra na família notável que Sua Excelência construiu expressão vivaz e concreta. Tânia – eleita companheira inseparável, amiga e confidente inconteste –, Werner Neto e Karin – os filhos exemplares que lhe garantiram, por meio dos netos Ana Christina, Roberto e Beatriz, mais do que a continuação patronímica, a expansão de todo o patrimônio afetivo bem consolidado – atestam, com fidedigna autoridade, ademais de nós outros, seus pares e amigos, o sentimento de afeto e admiração que Sua Excelência a todos inspira.

Homem que sempre amou “o Longe e a Miragem, mas com os pés plantados no chão”, o Ministro Eros Grau, há de seguir construindo “a ordem normativa do nosso tempo, mas também o direito de um mundo mais justo, que há de vir”5. O Brasil, que invariavelmente se agiganta à luz de filhos de tamanha envergadura, em uníssono agradece e com sincera estima solenemente o reverencia.

Muito obrigado a todos.

Gilmar Mendes

1 Grau, Eros Roberto. Discurso pronunciado no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP na solenidade de posse como Professor Titular, no dia 22 de agosto de 1990.

2 Grau, Eros Roberto. Discurso de comemoração do aniversário de 90 anos de Evandro Lins e Silva, proferido em 27.02.2002

3 Idem

4 Grau, Eros Roberto. Discurso pronunciado no Supremo Tribunal Federal, no dia 31 de março de 2005, em solenidade de comemoração do centenário de nascimento do Ministro Hermes Lima.

5 Grau, Eros Roberto. Discurso de comemoração do aniversário do Instituto dos Advogados do Brasil, proferido em 29.08.2011

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