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Justiça indeniza professora responsabilizada por multas de antigo carro

O juiz de Direito Geraldo Carlos Campos, da 32ª vara Cível de Belo Horizonte/MG, condena uma concessionária e um cliente ao pagamento de indenização de R$ 10 mil por danos morais a uma professora. Ela havia sido responsabilizada por várias infrações de trânsito após ter negociado seu antigo veículo para aquisição de outro carro através da concessionária. Essas infrações teriam sido cometidas pelo cliente que comprou o carro dela e não realizou a transferência.

17/8/2011


Danos morais

Justiça indeniza professora responsabilizada por multas de antigo carro

O juiz de Direito Geraldo Carlos Campos, da 32ª vara Cível de Belo Horizonte/MG, condena uma concessionária e um cliente ao pagamento de indenização de R$ 10 mil por danos morais a uma professora. Ela havia sido responsabilizada por várias infrações de trânsito após ter negociado seu antigo veículo para aquisição de outro carro através da concessionária. Essas infrações teriam sido cometidas pelo cliente que comprou o carro dela e não realizou a transferência.

A professora disse ter iniciado negociação para adquirir um automóvel mais novo, deixando o seu carro como parte do pagamento e os documentos na concessionária, para que o despachante da casa realizasse a transferência do veículo. Afirmou que várias multas de trânsito relativas ao automóvel incluído no negócio e já com endereço da concessionária foram registradas em seu prontuário. Segundo a professora, a concessionária foi negligente por não ter providenciado a transferência do veículo. Ela acrescentou que o comprador do carro também não o transferiu para o nome dele.

A concessionária atribuiu a responsabilidade ao comprador do carro e alegou culpa exclusiva da professora, por não ter comunicado ao órgão de trânsito a venda de seu veículo.

O cliente negou sua responsabilidade, dizendo-se tão vítima quanta a professora por não ter sido comunicado a tempo de algumas multas que foram recebidas no endereço da concessionária. O comprador argumentou que ficara combinado entre as partes que ele iria transferir o veículo para o nome dele ou de terceiros, sendo a concessionária responsável por avisá-lo sobre o recebimento de notificações de multas de trânsito.

Em relação à concessionária, o magistrado considerou o fato de a empresa não negar ter vendido o carro sem regularizar a transferência. Já em relação ao comprador, como ele confessou ter usado o automóvel ainda registrado no nome da autora, sendo o responsável pelas infrações de trânsito, o juiz entende que também deve ser responsabilizado.

Para o julgador, são evidentes as negligências dos réus, que "tinham o dever de promoverem as sucessivas transferências do bem, sem os transtornos ou prejuízos para a antiga proprietária". Segundo o juiz, a transferência do endereço de correspondência para o da concessionária tirou da professora o conhecimento das infrações, dos impostos e do próprio uso do veículo em seu nome.

Ao determinar o valor R$ 10 mil de indenização, o magistrado levou em conta a necessidade de punir os réus, desestimulando nova conduta desse tipo, sem causar enriquecimento da autora.

Veja abaixo a íntegra da sentença.

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Autos n.º 0024.06.202.591-1

Ação de Indenização

A: A.H.I.S.

R: Cambraia e Rosa Comércio de Veículos e Serviços Ltda. e outro

SENTENÇA

Vistos, etc.

A.H.I.S., qualificada e representada, ajuizou a presente AÇÃO ORDINÁRIA em face de Cambraia e Rosa Comércio de Veículos e Serviços Ltda. e P.A.M., também qualificados, aduzindo que em 13 de julho de 2004 entabulou com a primeira Requerida a compra de um veículo marca/modelo CITROËN XSARA PICASSO GKS, ano/modelo 2004/2004 e de placa HDM-9110, tendo dado como parte do pagamento o veiculo CITROËN XSARA BK GLX, ano/modelo 2001/2001, de placas GZF-3397, que ficou na concessionária, “bem como seus documentos para que o serviço de despachante da casa providenciasse transferência do veículo”. Afirma que constatou em seguida, registros de inúmeras multas de trânsito em seu prontuário referente ao veículo dado como parte o pagamento.

Em razão desses fatos, procurou à concessionária-Ré e confirmou-se que o veículo ainda se encontrava em seu nome, com endereço da concessionária, além de uma comunicação de impedimento do veículo ao Detran datado de 02/06/2006, cuja assinatura não seria de sua lavra. Assevera negligência da concessionária em não providenciar a transferência do veículo, o que lhe causou “graves problemas junto ao DETRAN, que lhe custarão o confisco da carteira, a suspensão de seus direitos para dirigir e o pagamento de multas que não deu causa” – fls. 03/04. Acrescentou que o adquirente do veículo, ora co-réu, “por sua vez não providenciou a transferência do veículo para o seu nome, razão pela qual todas as infrações de trânsito estão sendo lançadas no prontuário da Autora”. Teceu considerações acerca do negócio firmado entre as partes, destacando negligência e má-fé da empresa-Ré e o dano experimentado. Requereu, finalmente, oficio ao DETRAN para a fim de obter cópia dos prontuários do mencionado veículo e do segundo-Réu, bem seja indenizada pelos danos morais sofridos, além da regular transferência do bem no órgão de trânsito.

Atribuiu à causa o valor de R$70.000,00 (setenta mil reais) e juntou documentos de fls.08/43 e fls.54.

A concessionária-Ré apresentou contestação (fls.61/99) argüindo preliminar de ilegitimidade passiva, pois atribuiu responsabilidade ao adquirente do veículo, o segundo Réu. No mérito, sustentou culpa exclusiva da Autora por não ter procedido, junto ao órgão de trânsito, o comunicado de venda. Diz que é descabida a indenização por danos morais e impugnou o valor indicado para condenação. Resiste também ao pedido de regularização do registro do atual proprietário do veículo, placas GZF-3397, postulando a improcedência dos pleitos iniciais.

Juntou documentos de fls.71/93.

O segundo-Réu ofereceu defesa às fls.109/120, com argüição de ilegitimidade passiva e falta de interesse processual. No mérito afirmou ter adquirido o veículo da primeira Requerida, ficando combinado entre as partes que “o comprador, ora Requerido, iria transferir o veículo para o seu nome ou de terceiros”. E, “como o veículo estava registrado no endereço da concessionária, a mesma ficou responsável em avisar ao ora Requerido sobre o recebimento de notificações de multas de trânsito”. Ademais, nega responsabilidade no assunto, pois seria igualmente “vítima dos fatos ocorridos, na mesma proporção da Autora, tendo sofrido, também, danos materiais e morais em decorrência de não ter sido comunicado a tempo de algumas multas que foram recebidas no endereço da concessionária”. Teceu considerações acerca do nexo causal e da autoria do suposto dano moral. Por fim, requereu a improcedência dos pedidos iniciais e os benefícios da gratuidade judiciária.

Juntou documentos de fls.121/123.

Impugnação às fls.125/131.

A Autora impugnou o pedido de justiça gratuita deferida ao co-réu (autos em apenso n°0024.07.585.640-1), cuja decisão foi mantida em recurso próprio.

Colhidos os depoimentos pessoais da Autora e do preposto da primeira-Requerida e ouvida uma testemunha, encerrando a instrução do processo – termos às fls. 184/187.

A Autora e a primeira-Ré apresentaram as suas derradeiras alegações (fls. 197/207 e 209/215).

Registra-se que os pedidos de regularização de registro no Detran e redirecionamento das multas e pontuação ao responsável perderam seus objetos, pois noticiado às fls. 115 a quitação das multas, venda do veículo a uma terceira pessoa e, às fls.138/147, assumiu o segundo Réu, P.A.M, a responsabilidade pelas infrações de trânsito perante a autoridade policial do DETRAN/MG, restando apreciar eventual indenização por danos morais e conseguintes verbas sucumbenciais.

É o relatório. Decido.

Das preliminares.

A primeira-Ré não nega ter recebido o veículo da Autora como parte de pagamento e o vendido à terceiro, sem regular transferência, donde se infere sua pertinência jurídica para a demanda.

O senhor P.A.M, por seu turno, confessadamente, utilizou-se do veículo ainda registrado no nome da Autora e foi o responsável pelas infrações de trânsito especificadas na inicial.

Revela-se, igualmente, legítimo interesse, seja pela adequação da ação, seja pela própria pretensão resistida.

Rejeitam-se todas preliminares argüidas.

Quanto ao mérito, incontroversa a entrega e recebimento do veículo Citroën, placa GZF-3397, como parte do pagamento, pela concessionária, ficando sob a responsabilidade da empresa-Ré, conforme se infere do “Pedido Firme de Compra” de fls.14 e “Termo de Responsabilidade”, fls.15.

Da mesma forma, restou confirmado o negócio subseqüente entre os Requeridos.

Iniludível as negligências dos réus. Nas circunstâncias, tinham o dever de promoverem as sucessivas transferências do bem, com observância da cadeia dominial, sem os transtornos ou prejuízos para a antiga proprietária. As acusações recíprocas não os socorrem, mesmo porque destituídas de fundamento e de boa-fé, pois retiveram informações, com transferência do endereço de correspondência para o da concessionária, subtraindo da Autora conhecimento a respeito das infrações, impostos, enfim, da utilização do veículo ainda em seu nome e a sua revelia.

De forma que não foram éticos e leais com a exproprietária, que entregou seu veículo para a revenda, em confiança e conforme melhor conveniência da concessionária.

A Requerente foi responsabilizada por infrações de trânsito (fls. 20), e suas conseqüências, por culpa dos Requeridos, em vilipendio a boa-fé objetiva e a função social do contrato (art. 422, do Código Civil)1, sendo certo que o ocorrido supera os dissabores comuns do dia-a-dia, próprios do trato social, causando-lhe danos morais e o dever da reparação, solidariamente.

A condenação a ser fixada deve guiar-se pelo princípio da razoabilidade, não se olvidando do caráter punitivo e de intuito inibidor da reincidência, evitando-se, contudo, eventual enriquecimento sem causa.

Atento a esses matizes, razoável fixar o quantum da indenização pelos danos morais sofridos pela autora na quantia de R$10.000,00 (dez mil reais), que será paga de uma só vez, devidamente corrigida.

Isto posto, JULGO PROCEDENTES os pedidos iniciais para condenar os Réus – Cambraia e Rosa Comércio de Veículos e Serviços Ltda. e P.A.M– pagarem à Autora, solidariamente, a quantia de R$10.000,00 (dez mil reais), a título de danos morais, devidamente corrigidos pelos índices publicados pela E, Corregedoria-Geral de Justiça/MG, além de juros de 1% (um por cento) ao mês, ambos incidentes a partir desta decisão2;

Condeno ainda os Requeridos ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor total da condenação, devidamente corrigido à data do efetivo pagamento, em rateio, suspendendo a exigibilidade em relação ao segundo Réu, P.A.M, uma vez que milita sob o pálio da assistência judiciária.

Extingo o processo, com resolução do mérito, a teor do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil.

P. R. I.

Belo Horizonte, 14 de julho de 2011.

Geraldo Carlos Campos

Juiz de Direito da 32ª Vara Cível

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1 “CIVIL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE FUNDO DE COMÉRCIO - DEPENDÊNCIA DE CONDUTA DE TERCEIRO - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA - NOVOS PARADIGMAS DO DIREITO BRASILEIRO - CONDUTA ILÍCITA CONFIGURADA - SUBSTRATO PROBATÓRIO - INDENIZAÇÃO PARCIALMENTE DEFERIDA. A boa-fé objetiva, a eticidade e solidariedade são preceitos inerentes à relação jurídica contratual e que devem orientar a condutas das partes. Constitui infração ao postulado da boa-fé objetiva a conduta de empresa distribuidora de combustíveis que, injustificadamente, recusa apresentar documentos que são essenciais para que seu concessionário possa realizar contrato de compra e venda e quitar dívida com aquela mantida. (...)” (TJ/MG - APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.04.462640-6/001 - RELATOR: EXMO. SR. DES. ALBERTO VILAS BOAS – Data da publicação: 29/09/2006)

2 “...Em se tratando de indenização por danos morais, a incidência da correção monetária e juros moratórios inicia-se da data da prolação da decisão que fixa o quantum indenizatório, uma vez que, a partir daí, o valor da condenação torna-se líquido. ...” – (TJ/MG – Apelação Cível n.º 1.0194.07.078147- 2/001 – Relator: DES. ELPÍDIO DONIZETTI – Data da publicação: 10/10/2008)

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