Migalhas Quentes

Para MPF, exame de Ordem fere a Constituição

Parecer enviado ao Supremo é do subprocurador-geral da República Rodrigo Janot.

22/7/2011

Parecer do MPF enviado ao Supremo diz que exame de Ordem fere CF. A análise foi feita pelo subprocurador-Geral da República Rodrigo Janot ao examinar o recurso ajuizado por um bacharel em Direito no STF. Ele contesta a decisão do TRF da 4ª região que julgou legítima a aplicação da prova pela OAB.

Janot destaca que a exigência de aprovação no exame de Ordem como restrição de acesso à profissão de advogado "atinge o núcleo essencial do direito fundamental à liberdade de trabalho, ofício ou profissão, consagrado pelo inciso XIII, do art. 5º, da CF/88".

Para o MPF, fica presumido pelo diploma de Bacharel em Direito que o acadêmico obteve a habilitação necessária para o exercício da advocacia. "A sujeição à fiscalização da OAB, com a possibilidade de interdição do exercício da profissão por inépcia, se mostra, dentro da conformação constitucional da liberdade de profissão, como uma medida restritiva suficiente para a salvaguarda dos direitos daqueles pelos quais se postula em juízo".

O subprocurador-Geral da República ainda afirma que, mesmo sem o Exame, nada impede que a OAB atue em parceria com o MEC e com as IES, "definindo uma modalidade mais direcionada de qualificação profissional que venha a ser atestada pelo diploma".

_______

Nº 5664 – RJMB / pc

RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 603.583 – 6 / 210
RELATOR : Ministro MARCO AURÉLIO
RECORRENTE : João Antônio Volante
RECORRIDOS : União e Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

I ? IRREGULAR DELEGAÇÃO À OAB DE PODER REGULAMENTAR PRIVATIVO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL INEXISTENTE. II ? Exame de ordem. Lei nº 8.906/94, art. 8º, iv. Restrição ao direito fundamental consagrado no art. 5º, XIII, da CF de 1988. Liberdade DE ESCOLHA E LIBERDADE DE EXERCÍCIO. LIMITAÇÃO DE ACESSO A OFÍCIO que se projeta diretamente sobre a liberdade de escolha da profissão. EXIGÊNCIA legal QUE REFOGE À AUTORIZAÇÃO Constitucional e que não se revela compatível com o postulado da concordância prática, com recurso ao princípio da proporcionalidade.

1. A consagração da liberdade de trabalho ou profissão nas constituições liberais implicou na ruptura com o modelo medieval das corporações de ofícios, conduzindo à extinção dos denominados por Pontes de Miranda “privilégios de profissão” e das próprias corporações.

2. O direito à liberdade de trabalho, ofício ou profissão, consagrado na CF de 1988, deve ser compreendido como direito fundamental de personalidade, derivação que é da dignidade da pessoa humana, concebido com a finalidade de permitir a plena realização do sujeito, como indivíduo e como cidadão.

3. O inciso XIII, do art. 5º, da CF, contempla reserva legal qualificada, pois o próprio texto constitucional impõe limitação de conteúdo ao legislador no exercício da competência que lhe confere. A restrição ao exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, portanto, se limitará às “qualificações profissionais que a lei estabelecer.”

4. A locução “qualificações profissionais” há de ser compreendida como: (i) pressupostos subjetivos relacionados à capacitação técnica, científica, moral ou física; (ii) pertinentes com a função a ser desempenhada; (iii) amparadas no interesse público ou social e (iv) que atendam a critérios racionais e proporcionais. Tal sentido e abrangência foi afirmado pelo STF no julgamento da Rp. nº 930 (RTJ 88/760) em relação à locução “condições de capacidade” contida no § 23 do art. 153 da CF de 1967 e reafirmado pelo Plenário da Suprema Corte na atual redação do art. 5º, XIII, da CF (RE 591.511, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 13.11.09), com a expressa ressalva de que “as restrições legais à liberdade de exercício profissional somente podem ser levadas a efeito no tocante às qualificações profissionais”, e que “a restrição legal desproporcional e que viola o conteúdo essencial da liberdade deve ser declarada inconstitucional.”

5. A Lei nº 8.906/94 impõe como requisito indispensável para a inscrição como advogado nos quadros da OAB a aprovação no exame de ordem. Tal exame não se insere no conceito de qualificação profissional: o exame não qualifica; quando muito pode atestar a qualificação.

6. O art. 5º, XIII, da CF traça todos os limites do legislador no campo de restrição ao direito fundamental que contempla. Por isso tem afirmado a jusrisprudência do STF que as qualificações profissionais (meio) somente são exigidas daquelas profissões que possam trazer perigo de dano à coletividade ou prejuízos diretos à direitos de terceiros (fim).

7. A inobservância do meio constitucionalmente eleito — das especiais condições estabelecidas pelo constituinte — resvala em prescrições legais exorbitantes, consubstanciando inconstitucionalidade por expressa violação dos limites da autorização constitucional, sem necessidade de se proceder a um juízo de razoabilidade para afirmar o excesso legislativo. Doutrina.

8. O direito fundamental consagrado no art. 5º, XIII, da CF assume, sob a perspectiva do direito de acesso às profissões, tanto uma projeção negativa (imposição de menor grau de interferência na escolha da profissão) quanto uma projeção positiva (o direito público subjetivo de que seja assegurada a oferta dos meios necessários à formação profissional). Constitui elemento nuclear de mínima concretização do preceito inscrito no art. 5º, XIII, da CF, a oferta dos meios necessários à formação profissional exigida, de sorte que a imposição de qualificação extraída do art. 133 da CF não deve incidir como limitação de acesso à profissão por parte daqueles que obtiveram um título público que atesta tal condição, mas sim como um dever atribuído ao Estado e a todos garantido de que sejam oferecidos os meios para a obtenção da formação profissional exigida.

9. O exame de ordem não se revela o meio adequado ou necessário para o fim almejado. Presume-se pelo diploma de Bacharel em Direito — notadamente pelas novas diretrizes curriculares que dá ao curso de graduação não mais uma feição puramente informativa (teórica), mas também formativa (prática e profissional) — que o acadêmico obteve a habilitação necessária para o exercício da advocacia. A sujeição à fiscalização da OAB, com a possibilidade de interdição do exercício da profissão por inépcia (Lei nº 8.906/94, art. 34, XXIV c/c art. 37, § 3º), se mostra, dentro da conformação constitucional da liberdade de profissão, como uma medida restritiva suficiente para a salvaguarda dos direitos daqueles pelos quais se postula em juízo, até mesmo porque tal limitação se circunscreve ao exercício, sem qualquer reflexo sobre o direito de escolha da profissão. De qualquer modo, nada impede que a OAB atue em parceria com o MEC e com as IES, definindo uma modalidade mais direcionada de qualificação profissional que venha a ser atestada pelo diploma.

10. A exigência de aprovação no exame de ordem como restrição de acesso à profissão de advogado atinge o núcleo essencial do direito fundamental à liberdade de trabalho, ofício ou profissão, consagrado pelo inciso XIII, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988.

11. Parecer pelo parcial provimento do recurso extraordinário.

Trata-se de tempestivo recurso extraordinário interposto por João Antônio Volante, com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal, contra o acórdão proferido pela Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (fls. 200-202) assim ementado:

ADMINISTRATIVO. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. EXAME DE ORDEM.
Os arts. 8º, § 1º, da Lei nº 8.906/94, assim como os arts. 2ºs dos provimentos nºs 81/96 e 109/05, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, são constitucionais.”

O Tribunal a quo decidiu pela constitucionalidade da exigência de aprovação no exame de ordem como requisito para a inscrição do bacharel em direito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB (Lei nº 8.906/94, art. 8º, IV, e § 1º).

Rejeitaram-se os embargos de declaração opostos.

Daí o recurso extraordinário, com preliminar formal e fundamentada de repercussão geral, sustentando violação aos arts. 1º, II, III e IV; 3º, I, II, III e IV; 5º, II e XIII; 84, IV; 170, 193, 205, 207, 209, II, e 214, IV e V, todos da CF, articulando a inconstitucionalidade formal e material da exigência do exame de ordem a partir dos seguintes argumentos:

a) o § 1º, do art. 8º, da Lei 8.906/94 não poderia atribuir ao Conselho Federal da OAB a regulamentação, por provimento, do exame de ordem, por ser da competência privativa do Presidente da República o exercício do poder regulamentar (CF, art. 84, IV);

b) a exigência de aprovação no exame de ordem para a inscrição do bacharel como advogado atentaria contra o direito fundamental ao livre exercício profissional (CF, art. 5º, XIII), pois a qualificação do bacharel para o exercício da advocacia é aferida pelas instituições de ensino superior reconhecidas pelo MEC (Lei nº 9.394/96, art. 43) e não pela OAB;

c) a exigência do inciso IV, do art. 8º, da Lei 8.906/94 contraria, a um só tempo, os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, bem como o direito à vida e ao trabalho daqueles que obtiveram o diploma de bacharel em direito;

d) a avaliação da qualidade do ensino jurídico compete ao Poder Público (CF, art. 209, II) e não à OAB, que deteria, tão-somente, a competência fiscalizatória do exercício profissional do advogado;

e) o currículo acadêmico de formação de um profissional do direito é aquele definido pelas instituições de ensino superior (CF, art. 207), e não pelo Conselho Federal da OAB, e

f) a proliferação e deficiência do ensino jurídico no Brasil não teriam o efeito de conferir à OAB o exercício arbitrário de competência que atenta contra direitos fundamentais, pois o exame de ordem estaria sendo utilizado como verdadeira “reserva de mercado.”

Pede, ao final, o provimento do extraordinário para que, afastada a exigência do inciso IV do art. 8º da Lei nº 8.906/94, seja determinada a inscrição e registro definitivo do recorrente nos quadros de advogados da OAB, Secção de Porto Alegre/RS.

Recurso tempestivo. Contrarrazões às fls. 384-389 e 402-409.

Juízo positivo de admissibilidade às fls. 414-415.

Repercussão geral reconhecida às fls. 418-424.

Em síntese, são os fatos de interesse.

É necessário, primeiramente, delimitar o campo de discussão da questão constitucional posta sob a apreciação do Supremo Tribunal Federal. Não se põe em debate a necessidade de inscrição do bacharel em Direito nos quadros da OAB como requisito indispensável para a obtenção da condição de advogado (quid qualificante). Tal exigência legal foi reconhecida como legítima pelo Supremo Tribunal Federal (como ratio decidendi: AI 198.725-AgR, 1ª T., Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 17.10.97, e como obter dictum: RE 511.961, Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, RTJ 213/605). É que a inscrição do bacharel na OAB é condição prevista em lei e fundada no interesse público, pois à OAB compete a fiscalização do exercício profissional do advogado.

Discute-se a constitucionalidade da exigência contida no art. 8º, IV, da Lei nº 8.906/94, de submissão e aprovação no exame de ordem para a inscrição do bacharel em Direito nos quadros da OAB, bem como da delegação ao Conselho Federal da OAB para regulamentação da prova, atribuída pelo § 1º, do art. 8º, da Lei nº 8.906/94.

O cerne da controvérsia reside na definição do núcleo essencial do direito fundamental consagrado no art. 5º, XIII, da CF, bem assim do campo de restrição ou de limitação1 atribuído pelo constituinte ao legislador ordinário no que tange ao livre exercício profissional, especificamente sob a vertente do acesso ou admissão à profissão do advogado.2

Determinado o objeto, passo ao exame da questão.

I – Da competência atribuída ao Conselho Federal da OAB para a regulamentação do exame de ordem

O Supremo Tribunal Federal, quanto ao princípio da legalidade, distingue a reserva de lei da reserva de norma. Na primeira hipótese, tem-se a reserva de lei formal; a segunda trata da reserva de norma (que tanto pode ser legal, regulamentar ou regimental). Aqui, o princípio da legalidade genérica se perfaz, não em virtude de lei, mas, sim, em decorrência da lei, sem que disso resulte qualquer infringência ao referido postulado. É o que se colhe do voto proferido pelo Min. Eros Grau no julgamento da medida cautelar na ADC nº 12/DF:

“Lembro, a respeito, que a Constituição do Brasil consagra a legalidade como reserva da lei e como reserva da norma. Tome-se o enunciado do seu artigo 5º, II: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Ora, há visível distinção entre as seguintes situações: (i) vinculação às definições da lei; (ii) vinculação às definições decorrentes —— isto é, fixadas em virtude de lei; no segundo, em face da 'reserva da norma' [norma que pode ser tanto legal quanto regulamentar ou regimental]. Na segunda situação, ainda quando as definições em pauta se operem em atos normativos não da espécie legislativa —— mas decorrentes de previsão implícita ou explícita em lei —— o princípio estará sendo devidamente acatado. No caso, o princípio da legalidade expressa reserva da lei em termos relativos [= reserva da norma], razão pela qual não impede a atribuição, explícita ou implícita, ao Executivo e ao Judiciário, para, no exercício de função normativa, definir obrigação de fazer e não fazer que se imponha aos particulares —— e os vincule. Voltando ao artigo 5º, II, do texto constitucional, verificamos que, nele, o princípio da legalidade é tomado em termos relativos, o que induz a conclusão de que o devido acatamento lhe estará sendo conferido quando — manifesta, explícita ou implicitamente, atribuição para tanto — ato normativo não legislativo, porém regulamentar ou regimental, definir obrigação de fazer ou não fazer alguma coisa imposta a seus destinatários. Tanto isso é verdadeiro — que o dispositivo constitucional em pauta consagra o princípio da legalidade em termos apenas relativos — que em pelo menos três oportunidades [isto é, no artigo 5º, XXIX, no artigo 150, I, e no parágrafo único do artigo 170] a Constituição retoma o princípio, então o adotando, porém, em termos absolutos: não haveria crime ou pena, nem tributo, nem exigência de autorização de órgão público para o exercício de atividade econômica sem lei, aqui entendida como tipo específico de ato legislativo, que os estabeleça. Não tivesse o artigo 5º, II, consagrado o princípio da legalidade em termos somente relativos e razão não haveria a justificar a sua inserção no bojo da Constituição, em termos então absolutos, nas hipóteses referidas. Dizendo-se de outra forma: se há um princípio de reserva de lei — ou seja, se há matérias que só podem ser tratadas pela lei — evidente que as excluídas podem ser tratadas em regulamentos do Poder Executivo e regimentos do Judiciário; quanto à definição do que está incluído nas matérias de reserva de lei, há de ser colhida no texto constitucional; quanto a tais matérias, não cabem regulamentos e regimentos. Inconcebível a admissão de que o texto constitucional contivesse disposição despicienda — verba effectu sunt accipienda.” (ADC nº 12-MC/DF, Rel. Min. Carlos Britto, RTJ 199/427).

A expressão contida na parte final do inciso XIII, do art. 5º da CF (atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer) consubstancia verdadeira reserva de lei em sentido formal e material. A Lei nº 8.906/94, ao impor a aprovação no exame de ordem como requisito para inscrição como advogado atendeu o princípio da reserva de lei. Ao delegar ao Conselho Federal da OAB a deliberação sobre as regras aplicáveis ao exame de ordem, não infringiu princípio da legalidade, pois ao provimento compete a definição das normas e diretrizes a serem observadas na sua aplicação (reserva de norma). Assim, o disposto no § 1º, do art. 8º, da Lei nº 8.906/94, não viola a reserva de lei contida na parte final do art. 5º, XIII, da CF e tampouco o princípio da legalidade genérica (CF, art. 5º, II).

A delegação, por outro lado, também não atenta ou invade a competência privativa atribuída ao Presidente da República para expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis (CF, art. 84, IV): a delegação conferida pela Lei nº 8.904/96 limitou-se ao disciplinamento dos critérios técnicos de avaliação a serem adotados no exame de ordem e dentro da competência atribuída pelos arts. 54, V, e 78 do mesmo diploma.3

Em caso assemelhado (ADI 1.511-MC) o STF concluiu que o disciplinamento de instruções para a execução “provão” por portarias do Ministro da Educação e do Desporto não se confunde com o regulamento para a fiel execução da lei a que alude o art. 84, IV, da CF, de competência privativa do Presidente da República (ADI nº 1.511-MC, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 06.06.2003, RTJ 185/455).

No particular, portanto, hígido o viço constitucional.

II – Das liberdades públicas e da liberdade profissional nas constituições liberais e pós-liberais

O direito à liberdade de profissão, liberdade pública, é garantia fundamental umbilicalmente vinculada ao Estado de Direito, consagrada nos principais textos constitucionais (embora com amplitude e limites variados) e nos principais tratados internacionais sobre direitos humanos.

Segundo Jean Rivero:

“O que torna 'pública' uma liberdade, seja qual for o seu objeto, é a intervenção do poder para reconhecê-la ou regulamentá-la. Esta intervenção dá à liberdade a consagração do direito positivo. As liberdades públicas são poderes de autodeterminação consagrados pelo direito positivo.”4

E é exatamente no contexto da liberdade de autodeterminação consagrado pelo direito positivo que se deve compreender o direito à liberdade de profissão, direito fundamental do sujeito de se desenvolver segundo suas aptidões e de livremente escolher e exercer o ofício que melhor corresponda às suas vocações e capacidades, garantindo-lhe a plenitude de seu aprimoramento como indivíduo e como cidadão.

O reconhecimento da liberdade de profissão nesta extensão implicou na ruptura do modelo medieval das corporações de ofício, conduzindo à extinção (ou a significativa redução) dos privilégios de caráter corporativos e de seus inspiradores e beneficiários (dos próprios organismos corporativos). Pontes de Miranda identifica na liberdade de profissão a exclusão do privilégio de profissão das corporações de ofício.5

As Constituições que proclamam a liberdade da profissão6 têm o traço comum de explícito repúdio a qualquer forma de privilégio de caráter corporativista, e reconhecem dois momentos distintos na sua concretização: a liberdade de escolha e a liberdade de exercício.

O campo de restrição da liberdade de escolha deve ser menos abrangente do que o da liberdade de exercício. Pinto Ferreira sugere a intangibilidade ao direito de escolha da profissão, admitindo o poder de polícia no controle do exercício profissional,7 somente “excluídas do espectro de opções do titular do direito as atividades que atentem contra bens jurídicos prestigiados e protegidos pelo próprio ordenamento”8 (em razão de configurarem ilícitos de natureza civil ou penal).9

A liberdade de exercício profissional esbarra na cláusula geral do interesse público ou social, ainda que não prevista explicitamente.10 É dizer: a limitação ao exercício profissional somente se legitima se fundada no interesse imputado a toda a coletividade.

Nesse sentido destaca Pontes de Miranda:

“Tôda limitação por lei à liberdade tem de ser justificada. Se com ela não cresce a felicidade de todos, ou se não houve proveito na limitação, a regra legal há de ser eliminada. Os mesmos elementos que tornam a dimensão das liberdades campo aberto para as suas ilegítimas explorações do povo, estão sempre prontos a explorá-los, mercê das limitações.”11

O direito fundamental à liberdade de trabalho, ofício ou profissão foi consagrado na ordem constitucional brasileira a partir da Constituição de 1824 (art. 179, XXIV), com a abolição das corporações de ofício e, a contrario sensu, com as afirmações: “todo trabalho é permitido” ou “o exercício de todo e qualquer trabalho é livre.”

As Cartas de 1891 e 1934 apenas mencionavam o livre exercício de qualquer profissão (art. 72, § 24, e art. 113, nº 13, respectivamente). A de 1937, em seu art. 112, nº 8, fazia referência à escolha de profissão ou do gênero de trabalho. Foi a partir da CF de 1934 que expressamente se outorgou ao legislador ordinário a possibilidade de impor condicionamentos à liberdade de profissão (art. 113, nº 13), ao admitir a observância de condições de capacidade técnica e outras que a lei estabelecer, segundo a fórmula geral do interesse público. As Cartas de 1946 e 1967 (sem e com a EC nº 1/69) referiam-se apenas às condições de capacidade, sem, contudo, vinculá-las ao interesse público.

Assegura a Constituição vigente em seu art. 5º, XIII, o direito ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, vinculando-o à observância das qualificações profissionais que a lei estabelecer.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho atribui à terminologia “qualificações profissionais” sentido mais abrangente do que aquele utilizado a partir da CF de 1946, relativo às “condições de capacidade.” Distingue a liberdade de trabalho do direito ao trabalho (direito social). Empresta, todavia, à expressão qualificações profissionais “um sentido eminentemente corporativista” que “permite se exija para qualquer trabalho, ofício ou profissão um rol de qualificações que a lei poderá estabelecer livremente.”12

É certo que o atual texto constitucional contém terminologia mais abrangente do que aquela adotada pelas Cartas de 1946 e 1967 e pela EC 1/69. Não se pode, contudo, atribuir à expressão “qualificações profissionais” um sentido de ampla liberdade de conformação pelo legislador.13

Como advertem Celso Ribeiro Batos e Ives Gandra Martins:

“Uma forma muito sutil pela qual o Estado por vezes acaba com a liberdade de opção profissional é a excessiva regulamentação.”14

Assim, mesmo se admitindo possa ter a Constituição autorizado ao legislador a própria definição do direito a ser tutelado, está logicamente interditada à lei a desnaturação do direito a ser protegido: por obviedade palmar não há autorização para desproteger justamente o direito alvo da tutela. E direito fundamental, afetado com máxima proteção. Daí decorrer a necessidade de definição do núcleo essencial do direito ao livre exercício de qualquer trabalho, emprego ou profissão (CF, art. 5º, XIII), o objeto da proteção constitucional.

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