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TJ/SP – Editora indenizará advogado por reportagem publicada na revista IstoÉ

A 4ª câmara de Direito Privado do TJ/SP reformou sentença da 38ª vara Cível de SP e condenou a Editora Três a indenizar por danos morais o advogado Nélio Roberto Seidl Machado. Em reportagem da revista IstoÉ, o advogado, que atuava na defesa de Daniel Dantas, foi acusado de negociar um HC a favor do banqueiro durante um jantar com assessores do ministro Gilmar Mendes, do STF.

11/7/2011


Imprensa

TJ/SP – Editora indenizará advogado por reportagem publicada na revista IstoÉ


A 4ª câmara de Direito Privado do TJ/SP reformou sentença da 38ª vara Cível de SP e condenou a Editora Três a indenizar por danos morais o advogado Nélio Roberto Seidl Machado. Em reportagem da revista IstoÉ, o advogado, que atuava na defesa de Daniel Dantas, foi acusado de negociar um HC a favor do banqueiro durante um jantar com assessores do ministro Gilmar Mendes, do STF.

De acordo com a decisão, a reportagem levantou a suspeita de ter ocorrido manipulação fraudulenta para obtenção de liminar no STF, sendo que, ao final, curvou-se ao resultado de o episódio ter sido uma farsa engendrada por encarregados da investigação. Para o desembargador Ênio Santarelli Zuliani, não cabia dúvidas de que o advogado foi "alçado em plano nacional, sem que houvesse prova alguma para confirmar o que foi escrito e reafirmado, como advogado desonesto e despido de escrúpulos, tamanha a desfaçatez de mercadejar decisões fajutas em restaurante (em público) e sem pejo de propagar, em alta voz, o preço da sordidez". O magistrado ainda ressaltou que Nélio Machado assumiu um preço "peculiar e pessoal a ser pago por se expor à mídia ávida pelo sensacionalismo".

Os desembargadores da 4ª câmara, por unanimidade, entenderam que reportagem cometeu abuso no exercício do direito de informação, por total falta de cuidado com a confirmação do fato grave exposto e que abala a honra e reputação do profissional. A indenização a ser paga pela Editora foi fixada em R$ 75 mil.

O advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira, do escritório Manuel Alceu Affonso Ferreira Advogados, representou Nélio Machado no caso.

Processo: 0159459-20.2009.8.26.0100 - clique aqui.

Confira abaixo a íntegra da decisão.

_________

VOTO Nº 21423

APELAÇÃO Nº 0159459-20.2009.8.26.0100.
COMARCA: SÃO PAULO
APELANTE [S]: NELIO ROBERTO SEIDL MACHADO
APELADO [A/S]: TRÊS EDITORIAL LTDA (EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL)
MMA. JUIZA PROLATORA: DRA. ANDREZA MARIA ARNONI

Imprensa – Caso do advogado do banqueiro envolvido em investigação ruidosa (operação Satiagrara) e que, por reportagens sequenciais, foi inserido como partícipe de negociata com assessores do Ministro do STF, que deu liminar em habeas corpus, com detalhe de ter participado de jantar durante o qual se cogitou de “um milhão de dólares” – Abuso cometido no exercício do direito de informação, por total falta de cuidado com a confirmação do fato grave exposto e que abala a honra e reputação do profissional – Dano moral fixado em R$ 75.000,00, negado pedido de publicação da sentença – Provimento, em parte.

Vistos.

O recorrente, como advogado de Daniel Dantas, impetrou habeas corpus em prol da liberdade de seu cliente e obteve liminar do Ministro Gilmar Mendes, no dia 11.7.2008 (HC 95009). A Revista ISTO É, edição 2020, de 23.7.2008, publicou reportagem (fl. 64) informando que o Delegado Protógenes (operação Satiagrara) entregou fita de vídeo ao Procurador da República, mostrando que dois assessores do Ministro Gilmar Mendes se encontraram com o recorrente e uma mulher loira, em um restaurante de Brasília, quando se captou trecho de uma expressão da conversa (“um milhão de dólares”). Posteriormente (edição de 30.7), a Revista ISTO É retoma o tema e esclarece que a direção da Abin negou ter realizado a gravação (fl. 71), revelando, em edição posterior (fl. 78), confirmação do encontro por informação de agente da Abin, sendo que, na edição de 1º.10.2008, a revista cita o local do encontro (Restaurante Original Shindu) e reafirma (fl. 86) que as fotografias foram exibidas para a Procuradora Lívia (Tinoco).

O advogado NÉLIO ROBERTO SEIDL MACHADO ingressou com ação de reparação de danos e convém descrever um parágrafo da inicial: “a atribuição de fato desonroso, difamando-o, e a nebulosa, mas suficiente imputação de ilícito penal corruptivo, caluniando-o, foram lançadas sem rasa preocupação ou primária prudência, e ainda sem que a revista, antes do noticiamento, sequer cuidasse de lhe colher a manifestação sobre a grave increpação”.

O presente recurso foi tirado contra r. sentença que considerou não ter ocorrido ofensa à honra e reputação e está centrado na imprudência da reportagem em não investigar a realidade desse fato, por não ter participado de jantar com mulher loira e assessores do STF, como propalado com insistência. O autor insiste em obter dano moral e publicação da sentença condenatória.

Verifica-se que a empresa que edita a Revista ISTO É (Três Editorial Ltda. – em recuperação judicial) nega a ofensa e cita o direito de informar como corolário da liberdade de expressão e comunicação, para defender a juridicidade da sentença apelada, sendo que é citada reportagem de revista semanal e concorrente (Veja) para provar o interesse público da notícia, tal como publicada (fl. 160), e matéria publicada por Fernando Porfírio, do site Consultor Jurídico (fl. 163).

É o relatório.

Os jornais e revistas são responsáveis pela difusão de notícias inexatas, falsas ou errôneas e são obrigados a reparar os danos que decorrem da falta dos deveres de diligência, que são impostos em razão de um valor absoluto que limita a liberdade da imprensa: a verdade (ZANNONI e BÍSCARO, Responsabilidad de los medios de prensa, Buenos Aires, Astrea, 1993, p. 78).

Há uma notória diferença de conteúdo das reportagens que foram citadas como paradigmáticas que seriam injuriosos, e isso decorre do distanciamento do fato noticiado e os esclarecimentos que surgiram na sequência da cena que teria sido captada pela lente fotográfica do próprio Delegado Protógenes. A Revista ISTO É cumpriu a função da reportagem investigativa e, evidentemente, as falhas decorrem do imediatismo da publicação ou da circulação da notícia sem o cuidado da pesquisa de controle da realidade do fato, enquanto que as outras, contemporâneas ao arquivamento da investigação que nada apurou, não afirmaram a ocorrência.

Assim é que, por exemplo, a Revista VEJA publicou, na edição de 11.3.2009, nota, com transcrição do relatório da Polícia Federal (fl. 160), em que o nome do autor aparece como tendo sido fotografado no referido restaurante, na noite do dia 11.7.2008, em companhia de “Pavie e Rodrigo”, que seriam seus colegas. O repórter Fernando Porfírio, do site Consultor Jurídico, cogitou de que a mulher loira citada nas reportagens seria a mulher do Delegado Protógenes, conforme texto de 10.3.2009 (fl. 163). Essas reportagens foram publicadas depois que os fatos foram elucidados e estão livres de erros.

Nesse processo aparece como verdade a presença física do recorrente em jantar com diversas pessoas, sem que se provasse que duas delas seriam assessores do Ministro Gilmar Mendes. Também não existe prova alguma de ter sido captado, gravado ou memorizado diálogo contendo a expressão “um milhão de dólares”, devendo ser registrado que, depois de detida análise, foi constatado que tudo não passou de fato criado pelo Delegado Protógenes que, naturalmente, não confirma ou desmente a ocorrência.

A imprensa existe para esclarecer a opinião pública, e a dinâmica dos acontecimentos não autoriza que o leitor seja informado com o resultado tomado após longa e exaustiva investigação da verdade do fato publicado. Caso fosse exigir o rigor probatório que modela a persecução criminal para liberar a edição, a demora da pesquisa esvaziaria o produto social que é indispensável para o exercício da democracia, qual seja, a própria reportagem bombástica, sendo obrigatório admitir que, nesse clima de verdadeira emergência, o jornalista e o editor perdem a cautela diante do entusiasmo e do clamor do furo da notícia. Convém dizer, contudo, que, mesmo existindo certa complacência com falhas do impresso precipitado, não há imunidade para a ilicitude decorrente da culpa (art. 186, do CC) e ou má-fé.

Não cabe esquecer que, pelas reportagens sequenciais da Revista ISTO É, o recorrente foi inserido como cúmplice de um esquema de fraude e corrupção em conluio com pessoas do gabinete do Ministro que concedeu a liminar no habeas corpus impetrado em favor de Daniel Dantas, e isso caracteriza pauta jornalística de extraordinária repercussão institucional. Um assunto dessa magnitude não poderia ser conduzido com leviandade ou com a culpa dos imprevidentes repórteres que espalham as fofocas de celebridades, valendo anotar que o peso desse pronunciamento reclamava exame cauteloso sobre a fidedignidade das fontes consultadas e que repassaram uma informação que o tempo provou ser inverídica no ponto essencial. É preciso enfatizar que a presença do recorrente no citado restaurante não é o aspecto relevante, mas, sim, a identidade de suas companhias e a frase que teria sido ventilada, competindo anotar que o juiz encarregado de examinar a legalidade das publicações não deve valorizar a verdade de uma circunstância periférica, mas, sim, o sentido que se buscou atingir.

Respeitado o entendimento da digna Magistrada que prolatou a r. sentença, o caso é de abuso do exercício previsto no art. 220, caput, e 220, § 1º, da Constituição Federal, e a indenização, por dano moral, é necessária para compensar o lesado, na forma do art. 5º, V e X, da CF. Há de ser dito, por regras de experiência (art. 335, do CPC), que o advogado encarregado da defesa do banqueiro envolvido na investigação assumiu um preço peculiar e pessoal a ser pago por se expor à mídia ávida pelo sensacionalismo, notadamente em uma sociedade que, infelizmente, festeja as filmagens de prisão sem sentença judicial definitiva, como ocorreu com as mirabolantes operações deflagradas pela Polícia Federal que não embasaram as condenações esperadas. O trabalho que se assume e se desenvolve com um risco calculado não significa a renúncia do profissional aos dons personalíssimos que foram cultuados em carreira profícua, como é o caso do autor (a recorrida não fez prova sobre qualquer fato que desabonasse a conduta do autor, como é de exigência em face do ônus objetivo da prova).

A Revista ISTO É não tinha provas do fato que alardeou com seguidas publicações, levantando a suspeita de ter ocorrido manipulação fraudulenta para obtenção de liminar no STF, sendo que, ao final, curvou-se ao resultado de o episódio ter sido uma farsa engendrada por encarregados da investigação. O tema é mesmo de interesse público, desde que exista, no momento da sua publicação, um mínimo de dado confiável sobre a credibilidade do que seria publicado. Sob esse aspecto, não cabe duvidar de que o recorrente foi alçado em plano nacional, sem que houvesse prova alguma para confirmar o que foi escrito e reafirmado, como advogado desonesto e despido de escrúpulos, tamanha a desfaçatez de mercadejar decisões fajutas em restaurante (em público) e sem pejo de propagar, em alta voz, o preço da sordidez.

Chama a atenção não ter sido consultado o Procurador da República para que confirmasse o recebimento da fita. Sequer se fez uma abordagem sobre a coerência da decisão do STF, com precedentes do Ministro Gilmar Mendes, sendo que não consta das reportagens que o autor fora procurado pelos jornalistas para que apresentasse sua versão sobre o jantar, convivas e tema abordado. Isso evidencia que os jornalistas acumularam as condutas errôneas, típicas daqueles que não se preocupam em investigar a verdade dos fatos e a carga destrutiva da notícia falsa que será transmitida. Subestimar a previsibilidade do dano é sinônimo de culpa na modalidade imprudência.

O princípio da proporcionalidade obriga que o intérprete de um conflito envolvendo colisões de direitos fundamentais opte pela predominância do direito a ser protegido com a razoabilidade da ponderação sensata. O autor assumiu o desafio da defesa antipopular, submetendo-se ao crivo da censura pública por apresentar versões favoráveis ao seu cliente e não ultrapassou, com sua atuação, a ética imposta pelos limites do mandato obtido. Enquanto isso, a Revista ISTO É, ao exercer o direito de informar, trazendo ínsito um risco da falibilidade, cometeu o excesso de incutir na mente do público a certeza de um crime inexistente. O resultado de improcedência é incoerente com esses enunciados, na medida em que favorece a tese de que tudo é possível para esclarecer a opinião pública, quando, pela lógica jurídica, não se permitem publicações, sem substrato fático, que colocam um advogado em negociatas que o envergonham, também os seus familiares, a sua classe, os servidores e o Judiciário.

Houve, sim, ofensa à honra objetiva e prejuízo da reputação. A indenização, por dano moral, não é suficiente para eliminar os resquícios da falsa imputação, servindo como lenitivo, isto é, empregando-se a eventual vantagem do consumo do dinheiro para amenizar o espírito do ofendido. O Tribunal considera adequado o valor de R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais) para fins do art. 944, do CC, e não admite a publicação da sentença, como pleiteado em razões recursais, por considerar que a própria imprensa, por outros segmentos, se encarregou de demonstrar a não participação do autor em jantar com assessores de Ministro do STF, durante o qual se falou em “um milhão de dólares”. A publicação seria uma redundância e até uma espécie de recordação inútil para quem não teve acesso aos textos caluniosos, devido ao fato de ser difícil rememorar o que se passou.

Isso posto, dá-se provimento, em parte, condenada a ré a pagar R$ 75.000,00, com juros da mora contados da primeira publicação do fato e correção monetária a partir do presente julgamento, mais custas e honorários de Advogado, esses fixados em 15% do valor atualizado da condenação, nos termos do art. 20, § 3º, do CPC.

ÊNIO SANTARELLI ZULIANI

Relator

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