Imóvel
STJ assegura a locador o direito de desistir da alienação de seu imóvel para locatário
No caso, o locador propôs ação de despejo por denúncia vazia contra o locatário depois que este já havia manifestado o desejo de comprar o imóvel nas condições oferecidas pelo proprietário – exercendo, assim, o direito de preferência que a lei lhe assegura. A sentença julgou procedente o pedido, declarou rescindido o contrato de locação e decretou o despejo.
Inconformado, o locatário apelou e o TJ/MG modificou a sentença sob o fundamento de que, uma vez regularmente aceita a proposta de venda do imóvel, o locador está vinculado a seus termos, não podendo ajuizar ação de despejo por denúncia vazia, porque viola o direito de preferência do locatário por via oblíqua.
O locador recorreu ao STJ sustentando que, nos contratos de locação por prazo indeterminado, é autorizada ao proprietário a retomada do imóvel, sem a necessidade de explicitar seus motivos – desde que o locatário seja notificado com 30 dias de antecedência. Além disso, alegou que a eventual preterição do direito de preferência do locatário não pode ser examinada em ação de despejo.
A relatora do processo, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que o direito de preferência do locatário lhe assegura a primazia na aquisição do imóvel, em igualdade de condições com terceiros. Nessa situação, o locador deve comunicar sua intenção de alienar o imóvel, bem como todas as informações referentes ao negócio.
Entretanto, afirmou a ministra, ainda que o locatário manifeste sua aceitação à proposta, o locador pode desistir de vender o imóvel, embora passe a ter a responsabilidade pelos prejuízos ocasionados ao locatário. "Aceita a proposta pelo inquilino, o locador não está obrigado a vender o imóvel ao locatário, mas a desistência do negócio o sujeita a reparar os danos sofridos", afirmou a ministra. Para ela, a discussão acerca da má-fé do locador não inviabiliza a tutela do direito buscado por ele por meio da ação de despejo.
A ministra ressaltou, no entanto, que se o locador houvesse preterido o inquilino em função de terceiros, o locatário poderia pedir a adjudicação compulsória do imóvel. A alienação a terceiro violaria o direito de preferência e o princípio da boa-fé objetiva, que, nesse caso, deveriam ser discutidos em ação própria.
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Processo relacionado : REsp 1193992 - clique aqui.
Veja abaixo a íntegra do acórdão.
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.193.992 - MG (2010/0086976-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : JOÃO EVANGELISTA FANE PINTO E OUTROS
ADVOGADO : SILVIO DE ASSIS MARINHO FILHO E OUTRO(S)
RECORRIDO : MOACIR MARCOS DA CUNHA VALENTIM
ADVOGADO : IVAN SÉRGIO PORCARO
EMENTA
DIREITO CIVIL. LOCAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO POR DENÚNCIA VAZIA. EXISTÊNCIA DE PROPOSTA DE VENDA DO IMÓVEL LOCADO. ACEITAÇÃO DO LOCATÁRIO. DISCUSSÃO EM TORNO DAS QUESTÕES RELACIONADAS À DESISTÊNCIA DO NEGÓCIO PELO LOCADOR. IMPOSSIBILIDADE.
1. A partir do momento em que o locatário manifesta, dentro do prazo legal, a sua aceitação à proposta, a confiança gerada acerca da celebração do contrato pode ser ofendida pelo locador de duas formas: (i) o locador pode desistir de vender o seu imóvel, aplicando-se o disposto no art. 29 da Lei 8.245/91; (ii) o locador pode preterir o locatário e realizar o negócio com terceiro, hipótese em que incide a regra do art. 33 da Lei 8.245/91 – que confere ao locatário, cumprida as exigências legais, a faculdade de adjudicar a coisa vendida.
2. Aceita a proposta pelo inquilino, o locador não está obrigado a vender a coisa ao locatário, mas a desistência do negócio o sujeita a reparar os danos sofridos, consoante a diretriz do art. 29 da Lei 8.245/91.
3. A discussão acerca da má-fé do locador – que desistiu de celebrar o negócio – não inviabiliza a tutela do direito buscado pelo locador por meio da ação de despejo, porque a Lei 8.245/91 não conferiu ao locatário o poder de compelir o locador a realizar a venda do imóvel, cabendo-lhe somente o ressarcimento das perdas e danos resultantes da conduta do locador.
4. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 02 de junho de 2011(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI, Relatora
RELATÓRIO
Cuida-se de recurso especial interposto por JOÃO EVANGELISTA FANE PINTO E OUTROS, com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional.
Ação: despejo por denúncia vazia, ajuizada pelos recorrentes em face de MOACIR MARCOS DA CUNHA VALENTIM – recorrido que desocupou o imóvel no prazo concedido.
Sentença: julgou procedente o pedido, para declarar rescindido o contrato de locação e decretar o despejo.
Acórdão: deu provimento à apelação interposta pelo recorrido, sob o fundamento de que, uma vez regularmente aceita a proposta de venda do imóvel, o locador está vinculado a seus termos, não podendo ajuizar ação de despejo por denúncia vazia, porque viola o direito de preferência do locatário por via oblíqua.
Confira-se a ementa (e-STJ fl. 115):
DESPEJO - DENÚNCIA VAZIA - PRÉVIO ENVIO DE CARTA DE PREFERÊNCIA PARA COMPRA DO IMÓVEL - ACEITAÇÃO DA PROPOSTA - VINCULAÇÃO DO LOCADOR - DESPEJO AJUIZADO COM INTUITO DE SE FURTAR À CONCLUSÃO DO NEGÓCIO - IMPOSSIBILIDADE - PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. - Enviada pelo proprietário carta de preferência ao locatário para compra do imóvel locado e aceita a proposta, fica o locador vinculado ao cumprimento daquelas condições, não podendo vir a alterar a proposta e nem promover ação de Despejo por denúncia vazia com o intuito de se furtar à obrigação assumida, o que viola o princípio da boa-fé objetiva.
Recurso especial: alega violação do art. 57 da Lei 8.245/91, além de dissídio jurisprudencial. Sustenta que: i) nos contratos de locação por prazo indeterminado, é autorizado ao locador a retomada do seu imóvel, sem a necessidade de explicitar os seus motivos – desde que o locatário seja notificado com 30 dias de antecedência; ii) a eventual preterição do direito de preferência do locatário não pode ser examinada em ação de despejo.
Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/MG admitiu o recurso especial (e-STJ fl. 147), determinando a subida dos autos ao STJ.
É o relatório.
Relatora: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
VOTO
I - Da delimitação da controvérsia
Cinge-se a controvérsia a determinar se é possível discutir, na ação de despejo fundada em denúncia vazia, questões relativas à conduta do locador que – após o inquilino ter aceitado a proposta de alienação do imóvel locado – desiste de realizar a venda, resilindo unilateralmente o contrato.
II - Do prequestionamento
Preliminarmente, verifico que, a despeito de o TJ/MG não ter mencionado expressamente o dispositivo legal tido por violado, esse constou da sentença e a matéria nele contida foi abordada, ainda que sucintamente, pelo acórdão recorrido, de modo que deve se admitir o seu prequestionamento implícito.
III - Da possibilidade de discutirem-se, na ação de despejo fundada em denúncia vazia, as questões relacionadas à desistência do locador em realizar o negócio. Violação do art. 57 da Lei 8.245/91.
O direito de preferência do locatário – disciplinado nos arts. 27 a 34 da Lei de Locação – assegura ao inquilino a preferência na aquisição do imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar - lhe conhecimento da sua intenção de alienar o imóvel locado e de todas as informações referentes ao negócio jurídico pretendido.
A partir do momento em que o locatário manifesta, dentro do prazo legal, a sua aceitação à proposta, a confiança gerada acerca da celebração do contrato pode ser ofendida pelo locador de duas formas:
I. o locador pode desistir de vender o seu imóvel, aplicando-se o disposto no art. 29 da Lei 8.245/91;
II. o locador pode preterir o locatário e realizar o negócio com terceiro. Nesta hipótese, incide a regra do art. 33 da Lei 8.245/91 que confere ao locatário, cumprida as exigências legais, a faculdade de adjudicar a coisa vendida.
Da análise do acórdão recorrido, infere-se que não houve efetiva venda do imóvel a terceiros pelo locador, mas apenas a denúncia da locação por prazo indeterminado, após o locatário aceitar a proposta de venda do imóvel.
Nesse contexto, de acordo com o art. 29 da Lei 8.245/91, ocorrendo aceitação da proposta, pelo locatário, a posterior desistência do negócio pelo locador acarreta, a esse, responsabilidade pelos prejuízos ocasionados, inclusive lucros cessantes.
A Lei optou, portanto, em não conferir ao locatário – diante do arrependimento do locador – a possibilidade de exigir a outorga da escritura definitiva de compra e venda. Assim, aceita a proposta pelo inquilino, o locador não está obrigado a vender o imóvel ao locatário, mas a desistência do negócio o sujeita a reparar os danos sofridos.
Cabe ainda destacar que, nos termos do art. 57 da Lei 8.245/91, o locador – nas locações não residenciais por prazo indeterminado – possui o direito potestativo de denunciar a locação e resilir unilateralmente o contrato, sem necessidade de justificativa, desde que notifique previamente o locatário.
Estabelecidas essas considerações, pode-se concluir que a discussão acerca da má-fé do locador – que desistiu de celebrar o negócio – não inviabiliza a tutela do direito buscado pelo locador por meio da ação de despejo, pois a Lei 8.245/91 não conferiu ao locatário o poder de compelir o locador a realizar a venda do imóvel, cabendo-lhe somente o ressarcimento das perdas e danos resultantes da conduta do locador.
Por essa razão, é irrelevante, para a defesa do réu da ação de despejo, a questão do arrependimento do locador em realizar o negócio, porque ela somente terá importância para a obtenção da tutela ressarcitória pelo locatário.
A essas considerações cabe ainda ressaltar que, na hipótese, eventual direito à adjudicação compulsória em virtude de posterior alienação do imóvel – efetuada com violação do direito de preferência e do princípio da boa-fé objetiva – deve ser discutido em ação própria.
Forte nesses razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para restabelecer a sentença proferida pelo juízo do primeiro grau de jurisdição.
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