Repercussão geral
Para ministro Marco Aurélio, analisar mérito de RExt no plenário virtual é "abandonar a organicidade própria ao Direito"
Ao pronunciar-se pela inadequação do instituto da repercussão geral no ARE 639.496, o ministro Marco Aurélio, do STF, afirmou que "o passo já se mostrou largo no que a definição, ou não, da repercussão geral faz-se no Plenário Virtual, sem, portanto, a reunião dos integrantes do Supremo em sessão. Caminhar-se para o exame do mérito do próprio recurso extraordinário, seja qual for o pretexto, no Plenário Virtual, é abandonar-se a organicidade própria ao Direito".
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Veja abaixo o pronunciamento na íntegra :
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REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 639.496 MINAS GERAIS
PRONUNCIAMENTO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO – TRANCAMENTO NA ORIGEM – AGRAVO – AUSÊNCIA DE APRECIAÇÃO – REPERCUSSÃO GERAL – INADEQUAÇÃO.
RECURSO – JULGAMENTO DE FUNDO – PLENÁRIO VIRTUAL – IMPROPRIEDADE.
1. A Assessoria prestou as seguintes informações:
Eis a síntese do que discutido no Recurso Extraordinário com Agravo nº 639.496/MG, da relatoria do Ministro Cezar Peluso, Presidente do Supremo, inserido no sistema eletrônico da repercussão geral às 23 horas e 59 minutos do dia 27 de maio de 2011.
A Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, no julgamento da Apelação Cível nº 1.0079.09.945392-4/001, afastou a aplicação de sanção cominada para o transporte clandestino de passageiros no artigo 7º da Lei nº 3.548/02, do Município de Contagem, cuja inconstitucionalidade fora reconhecida pelo Órgão Especial no Incidente de Inconstitucionalidade nº 1.0079.07.382307-6/002, porque não prevista pelo artigo 231, inciso VIII, do Código de Trânsito Brasileiro.
No extraordinário interposto com alegada base na alínea “a” do permissivo constitucional, a recorrente articula com a ofensa ao artigo 30, incisos I e V, do Texto Maior. Sustenta a ausência de efeito vinculante da decisão proferida, em sede de controle difuso, no referido incidente de inconstitucionalidade.
Evoca a titularidade do Município para a prestação do serviço público de transporte coletivo como fundamento da competência legislativa utilizada, mediante o artigo 7º da Lei nº 3.548/02, para coibir o transporte clandestino de passageiros.
Sob o ângulo da repercussão geral, diz estar em jogo questão que ultrapassa os limites subjetivos da causa, porquanto a prestação precária de transporte coletivo de pessoas, serviço público essencial, seria potencialmente lesiva à universalidade dos munícipes usuários.
A recorrida, nas contrarrazões, aduz, em preliminar, a ausência de prequestionamento e de repercussão geral. No mérito, aponta o acerto do acórdão impugnado, corretamente lastreado, conforme entende, no artigo 22, inciso XI e parágrafo único, da Constituição da República.
O extraordinário não foi admitido na origem.
A autarquia municipal interpôs agravo de recurso extraordinário, assinalando a desnecessidade de análise da legislação local.
A agravada, em contraminuta, reitera os argumentos apresentados nas contrarrazões.
Eis o pronunciamento do relator, Ministro Cezar Peluso, Presidente do Supremo:
1. Trata-se de agravo contra decisão que indeferiu o processamento de recurso extraordinário, interposto de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, e assim ementado:
ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE CLANDESTINO DE PASSAGEIROS - ART. 7.º DA LEI 3.548/02 - INCONSTITUCIONALIDADE - SANÇÕES MAIS SEVERAS DO QUE AS PREVISTAS EM LEGISLAÇÃO FEDERAL - RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO - SENTENÇA MANTIDA.
Embora não se olvide da necessidade de se coibir o transporte clandestino e do caráter ilegal da referida conduta, deve ser reconhecida como indevida a imputação ao administrado de sanção embasada no art. 7º da Lei nº 3.548/02 do Município de Contagem que, por afastar-se dos limites do art. 231 do CTB, revela-se inconstitucional, conforme já reconhecido pela Corte Superior deste TJMG no julgamento do incidente de inconstitucionalidade nº 1.0079.07.382307-6/002.
Tendo a Administração recebido valor que não lhe era efetivamente devido, ante a ilegalidade da multa aplicada, é cabível a restituição integral do valor pago.
Inteligência do art. 876 do CC.
Sustenta o recorrente, com base no art. 102, III, a, violação do artigo 30, I e V, da Constituição Federal.
Requer, em síntese, que seja conhecido e provido o recurso extraordinário para, com relação à Lei Municipal 3.548/2002, ser conferida a devida vigência aos supracitados dispositivos legais, reformando-se o acórdão combatido, condenando a recorrida nas custas correspondentes.
Apresenta preliminar formal e fundamentada de repercussão geral, no forma do art. 543-A, § 2º, do CPC (fl. 111).
2. A questão suscitada no presente recurso extraordinário versa, à luz do artigo 30, I e V, da Constituição Federal, sobre a competência suplementar de município para legislar sobre trânsito e transporte, e impor sanções mais gravosas que as previstas no Código de Trânsito Brasileiro CTB.
Há nesta corte decisão específica sobre o tema no sentido da inconstitucionalidade de norma municipal que impõe sanção mais gravosa que a prevista no CTB, por extrapolar a competência legislativa suplementar do município expressa no artigo 30, II, da Constituição Federal. Neste sentido: ARE 638574 / MG, Rel. Min. GILMAR MENDES, Dje 14.04.2011. Esta corte possui ainda jurisprudência firmada no sentido de que compete privativamente à União legislar sobre trânsito e transporte, impossibilitados os Estados-membros e municípios a legislar sobre a matéria enquanto não autorizados por Lei Complementar. Confiram-se: ADI 2432 / RN, Rel. Min. EROS GRAU, DJ 26.08.2005; ADI 2644 / PR, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ 17.09.2003; ADI 2432 MC / RN, Rel. Min. NELSON JOBIM, DJ 21.09.2001.
3. Ante o exposto, reafirmo a jurisprudência da Corte para negar provimento ao recurso extraordinário.
Brasília, 26 de maio de 2011.
Ministro Cezar Peluso
Presidente
Documento assinado digitalmente
Destaco constar da presente repercussão geral questão relativa à reafirmação da jurisprudência do Supremo.
2. Sucedem-se os autos e processos em que se abandona a organicidade do Direito. Consoante dispõe o artigo 102, § 3º, da Carta de 1988, o instituto da repercussão geral mostra-se estrito a recursos extraordinários em se que veicule matéria constitucional.
No caso, ante o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, veio a ser protocolado o extraordinário. Este não mereceu seguimento, chegando-se, assim, à interposição do agravo. É de sabença geral que este há de ser julgado pelo relator. Entrementes, a partir da nomenclatura criada mediante resolução da Presidência – recurso extraordinário com agravo –, simplesmente se lançou, no Plenário Virtual, a notícia dos autos e dos parâmetros envolvidos na espécie, preconizando-se o julgamento de fundo, nessa atuação individual que é a ocorrida na intranet, para confirmar-se a jurisprudência.
O passo já se mostrou largo no que a definição, ou não, da repercussão geral faz-se no Plenário Virtual, sem, portanto, a reunião dos integrantes do Supremo em sessão. Caminhar-se para o exame do mérito do próprio recurso extraordinário, seja qual for o pretexto, no Plenário Virtual, é abandonar-se a organicidade própria ao Direito.
3. Pronuncio-me pela inadequação do instituto da repercussão geral, porquanto o extraordinário continua retido na origem em virtude da decisão negativa do Juízo primeiro de admissibilidade. Ainda que pudesse ser ultrapassado esse óbice, caminharia para a conclusão sobre a manifesta impertinência de apreciar-se o recurso extraordinário no Plenário Virtual.
4. À Assessoria, para acompanhar o incidente.
5. Publiquem.
Brasília – residência –, 10 de junho de 2011.
Ministro MARCO AURÉLIO
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