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Gilmar Mendes mantém prisão de Battisti

O ministro Gilmar Mendes, do STF, negou ontem, 16/5, o pedido de soltura apresentado pela defesa do ex-ativista italiano Cesare Battisti na última sexta-feira, 13.

17/5/2011


Extradição

Ministro Gilmar Mendes mantém prisão de Cesare Battisti

O ministro Gilmar Mendes, do STF, negou ontem, 16/5, o pedido de soltura apresentado pela defesa do ex-ativista italiano Cesare Battisti na última sexta-feira, 13.

O relator considerou que não há nenhum "elemento novo" que justifique a medida, como alegou a defesa em relação ao parecer do procurador-geral da República na RLC 11243 (clique aqui), no qual Roberto Gurgel afirma que "não parece ser possível ao STF" decidir se o então presidente da República descumpriu tratado específico firmado entre o Brasil e a Itália ou se praticou algum ilícito internacional ao não extraditar Battisti.

Na decisão, o ministro Gilmar Mendes afirma que o pedido é uma reiteração daquele apresentado em janeiro deste ano, e negado pelo presidente do STF, ministro Cezar Peluso.

"A presente reiteração do pedido de relaxamento da prisão está fundada no 'elemento novo' que, segundo os patronos do extraditando, é constituído pelo parecer do procurador-geral da República nos autos da RCL 11243. Porém, é evidente que o parecer jurídico emitido pelo procurador-geral da República, de caráter opinativo, não constitui ‘elemento novo’ apto a alterar o estado dos fatos que serviu de base para a referida decisão do presidente desta Corte, ministro Cezar Peluso, não se prestando, em consequência, a juízo de reconsideração do que restou anteriormente decidido. E é óbvio que o Tribunal não se vincula ao parecer do procurador-geral da República", afirmou o ministro Gilmar Mendes.

O relator da Ext 1085 (clique aqui) ressaltou ainda que a decisão do Tribunal foi "diametralmente oposta" ao parecer do procurador-geral da República, que opinava pela declaração do prejuízo da extradição com base no ato do ministro da Justiça que concedia o refúgio ao extraditando. "Permanecem, portanto, íntegros os fundamentos da decisão exarada pela Presidência desta Corte negando os pedidos de liberdade formulados pelo extraditando. Ressalte-se, por fim, que, no caso, não há qualquer excesso de prazo imputável ao Tribunal. O processo e os incidentes a ele relacionados têm tramitado de forma regular nesta Corte", ressaltou Gilmar Mendes.

Em sua decisão, o ministro informa que o exame da controvérsia suscitada no processo de extradição do italiano Cesare Battisti "está concluído e em breve será apreciado pelo Plenário da Corte", tendo em vista que já há parecer da PGR na RLC 11243.

________

Decisão do ministro Gilmar Mendes

EXTRADIÇÃO 1.085 REPÚBLICA ITALIANA

RELATOR :MIN. GILMAR MENDES

REQTE.(S) :GOVERNO DA ITÁLIA

ADV.(A/S) :ANTONIO NABOR AREIAS BULHÕES

EXTDO.(A/S) :CESARE BATTISTI

ADV.(A/S) :LUIZ EDUARDO GREENHALGH

ADV.(A/S) :SUZANA ANGÉLICA PAIM FIGUERÊDO

ADV.(A/S) :GEORGHIO ALESSANDO TOMELIN

ADV.(A/S) :ROSA MARIA ASSEF GARGIULO

ADV.(A/S) :LUÍS ROBERTO BARROSO

ADV.(A/S) :RENATA SARAIVA

DECISÃO (Petição 26688/2001): O extraditando Cesare Battisti, por meio de seu advogado devidamente constituído nos autos desta EXT 1085, apresenta pedido de relaxamento da prisão para extradição.

Alega que o parecer do Procurador-Geral da República, apresentado nos autos da RCL 11.243, “constitui inegável elemento novo que justifica uma reapreciação do pedido de relaxamento da prisão preventiva” (fl. 4.537). Sustenta, assim, que o referido parecer confirma a inexistência de justa causa para a manutenção da prisão meses após a decisão do Presidente da República que negou a extradição requerida pela República Italiana. Em suma, haveria “evidente excesso de prazo” da prisão, visto que a decisão desta Corte no processo extradicional já teria transitado em julgado há mais de um ano, estando o extraditando preso há mais de 4 anos.

Este pedido de relaxamento da prisão preventiva para extradição do italiano Cesare Battisti foi apresentado no dia 13 de maio de 2011, um dia após a juntada aos autos da RCL 11.243 do parecer do Procurador-Geral da República (em 12.5.2011). Naquele dia, este Relator encontrava-se em missão oficial no exterior, especificamente participando, juntamente com

os Ministros Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski e Ellen Gracie, da delegação que representou o Supremo Tribunal Federal no “2011 USBrazil Judicial Dialogue”, em Washington, Estados Unidos da América do Norte, realizado entre os dias 11 e 13 de maio, conforme a Portaria n. 107, de 29.4.2011, do Presidente do Tribunal, Ministro Cezar Peluso, publicada no Diário da Justiça Eletrônico do dia 10 de maio de 2011.

Conforme certidão de fls. 4.532-4.533, da Secretaria Judiciária do Tribunal, a Seção de Processos Originários Criminais procedera erroneamente à remessa dos autos ao Gabinete do Exmo. Sr. Ministro Marco Aurélio, em razão de interpretação equivocada do art. 38, I, do Regimento Interno da Corte.

Em decisão de fl. 4.531, exarada no mesmo dia 13 de maio de 2011, o Ministro Ayres Britto, no exercício da Presidência do Tribunal (art. 14 do RI-STF), determinou o devido cumprimento do referido inciso I do art. 38 do Regimento Interno e os autos então foram encaminhados ao Ministro Joaquim Barbosa, o qual, em despacho exarado no dia 14 de maio de 2011 (fl. 4.535, frente e verso), determinou o retorno dos autos a este Relator, para apreciação do pedido de relaxamento da prisão.

Os autos vieram a mim conclusos no dia de hoje, 16 de maio de 2011 (fl. 4.559).

O pedido de relaxamento da prisão constitui reiteração de anterior requerimento de teor semelhante formulado em janeiro deste ano de 2011 pelos advogados do extraditando. Com efeito, em 6 de janeiro de 2011, o Presidente desta Corte, Min. Cezar Peluso, indeferiu os pedidos de relaxamento de prisão formulados por Cesare Battisti, em decisão com o seguinte teor:

“DECISÃO: 1. Invocando decisão do Exmo. Sr. Presidente da República que lhe teria negado a extradição, cujo pedido foi deferido por esta Corte, Cesare Battisti requer que o Tribunal lhe expeça, de imediato, alvará de soltura (a), ou, em via alternativa, que declare esgotada sua jurisdição,tocando aos órgãos do Poder Executivo a responsabilidade pelo cumprimento da decisão presidencial (b).

2. Não encontro, porém, em relação a nenhum de ambos os pedidos sucessivos, ou alternativos (a e b), não obstante a inegável urgência da matéria, que envolve questão de liberdade física, o requisito da aparência de razoabilidade jurídica das pretensões, o qual, sintetizado na costumeira expressão fumus boni iuris, justificaria excepcional cognição ativa desta Presidência, nos termos do art. 13, inc. VIII, do RISTF.

3. Quanto ao segundo (b), é, desde logo, óbvio que, castrando competência exclusiva do egrégio Plenário, não seria lícito a esta Presidência declarar exaurida, no caso, a jurisdição da Corte, sobretudo nas perspectivas de questão inerente ao âmbito de execução de acórdão proferido pelo Tribunal Pleno e cuja relatoria toca hoje a outro Ministro.

4. Tampouco deve ser outra a solução ao pedido principal (a). E dou as breves razões desse entendimento, reavivando, de um lado, que, nos termos claros do acórdão, a Corte negou toda legitimidade jurídica às causas fundantes da concessão de refúgio ao então extraditando, ao repelir, por substantiva maioria, as preliminares correspondentes e, em particular, ao reconhecer a “absoluta ausência de prova de risco atual de perseguição política”, bem como de algum “fato capaz de justificar receio atual de desrespeito às garantias constitucionais do condenado”. Ambas essas afirmações, que resumem e traduzem largos fundamentos do acórdão, constam de expressões textuais de uma de suas ementas, precisamente a quarta (cf. fls. 4195).

E, doutro lado, recusou ao Exmo. Sr. Presidente da República, para efeito de efetuar, ou não, a entrega do extraditando, perante o dispositivo final ou comando decisório (iudicium), discricionariedade só proclamada, de modo insuficiente, por quatro dos votos elementares do julgamento. É oportuno, aliás, advertir que, após longa discussão, acordou o egrégio Plenário extirpar ao acórdão e à ata de julgamento a referência à discricionariedade, exatamente porque a não reconheceu como opinião da Corte (cf. fls. 4182-4188).

De nenhum relevo ao propósito a opinião isolada que, integrando voto, pudesse sugerir liberdade absoluta do Exmo. Sr. Presidente da República em tema de entrega, ou não, do extraditando, diante do inequívoco teor do dispositivo do acórdão que, expressis verbis, subordinou a legitimidade do ato de S. Exª, uma vez decretada a extradição, à observância dos “termos do Tratado celebrado com o Estado requerente, quanto à entrega do extraditando”. Tal enunciado seria escusável, se não guardasse consequência prática no mundo jurídico.

5. Ora, funda-se o ato concreto do Exmo Sr. Presidente da República - o qual agora negou a entrega – em parecer que, para formalizar a motivação jurídica necessária, recorre à cláusula inserta no art. 3º, inc. 1, alínea f, daquele Tratado, sob alegação de que, segundo várias notícias jornalísticas que enumera, haveria, na Itália, "comoção política em favor do encarceramento de Battisti", enquanto "caldo de cultura justificativo de temores para com a situação do extraditando, que será agravada" (fls. 4305). A fundamentação última do parecer que sustenta o ato está bem resumida neste excerto: “153. A condição pessoal do extraditando, agitador político que teria agido nos em (sic) anos difíceis da história italiana, ainda que condenado por crime comum, poderia, salvo engano, provocar reação que poderia, em tese, provocar no extraditando, algum tipo de agravamento de sua situação pessoal.

Há ponderáveis razões para se supor que o extraditando poderia, em princípio, sofrer alguma forma de agravamento de sua situação"(fls. 4321).

6. Como transparece através do dilatado parecer, não deparei, para além das declarações colhidas aos jornais italianos, com descrição nem menção de nenhum ato ou fato específico e novo, que, não considerado pelo acórdão, pudesse representar, com a nitidez exigida pela natureza singular e restrita deste juízo prévio e sumário, razão ou “razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, opinião política, condição social ou pessoal; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos antes mencionados” (fls. 4329). Não tenho como, nesta estima superficial, provisória e de exceção, ver, provada, causa convencional autônoma que impusesse libertação imediata do ora requerente.

7. De modo que, até para não decepar competência do novo e eminente Min. Relator e do egrégio Plenário, no controle de eventual cumprimento ou descumprimento do acórdão exeqüendo, com as conseqüências jurídicas que convenham, não me fica alternativa.

8. Do exposto, indefiro os requerimentos de fls. 4243-4244, mantendo por ora a prisão do requerente e, diante da urgência do caso, determinando sejam os autos conclusos incontinenti ao Relator, Exmo. Sr. Min. Gilmar Mendes, que reapreciará os pedidos, se for o caso."

Contra essa decisão do Presidente desta Corte, Min. Cezar Peluso, o extraditando interpôs agravo regimental (fls. 4.342-4.364). Em despacho do dia 31 de janeiro de 2011, o Min. Cezar Peluso consignou que, “diante da decisão de fls. 4.334-4.337, (...), nada há por decidir ou reconsiderar” (fl. 4.418).

Os autos desta EXT 1.085 vieram a mim conclusos no dia 3 de fevereiro de 2011 (fl. 4.527).

Em 4 de fevereiro de 2011, a República Italiana ajuizou Reclamação (RCL 11.243) contra a decisão do Presidente da República que negou o pedido de extradição do nacional italiano Cesare Battisti, formulado pelo Governo da Itália nos autos do Processo Administrativo n. 08000.003071/2007-51 (Decisão publicada na Edição Extra do Diário Oficial n. 251-A, Seção 1, pág. 11, de 31 de dezembro de 2010) (fl. 4.331).

Em 9 de fevereiro, despachei na referida reclamação, requisitando as informações da Exma. Sra. Presidenta da República e o parecer do Procurador-Geral da República.

Em 23 de fevereiro, foram juntadas aos autos daquele processo as informações prestadas pela Presidência da República.

No dia 25 de fevereiro, os autos foram encaminhados à Procuradoria-Geral da República. Em 12 de maio de 2011, o Procurador- Geral da República fez juntar aos autos daquele processo seu parecer pelo não conhecimento da reclamação e, se conhecida, pela sua improcedência.

A presente reiteração do pedido de relaxamento da prisão está fundada no “elemento novo” que, segundo os patronos do extraditando, é constituído pelo parecer do Procurador-Geral da República nos autos da RCL 11.243.

Porém, é evidente que o parecer jurídico emitido pelo Procurador-Geral da República, de caráter opinativo, não constitui “elemento novo” apto a alterar o estado dos fatos que serviu de base para a referida decisão do Presidente desta Corte, Ministro Cezar Peluso, não se prestando, em consequência, a juízo de reconsideração do que restou anteriormente decidido. E é óbvio que o Tribunal não se vincula ao parecer do Procurador-Geral da República. Lembre-se, inclusive, de que, neste processo, a decisão do Tribunal foi diametralmente oposta ao parecer do Procurador-Geral da República, que opinava pela declaração do prejuízo da extradição, tendo em vista o ato do Ministro da Justiça que concedia o refúgio ao extraditando.

Permanecem, portanto, íntegros os fundamentos da decisão exarada pela Presidência desta Corte negando os pedidos de liberdade formulados pelo extraditando.

Ressalte-se, por fim, que, no caso, não há qualquer excesso de prazo imputável ao Tribunal. O processo e os incidentes a ele relacionados têm tramitado de forma regular nesta Corte.

O exame da controvérsia suscitada no processo de extradição do italiano Cesare Battisti está concluído e em breve será apreciado pelo Plenário da Corte, tendo em vista que, como já referido, a RCL 11.243 retornou da Procuradoria-Geral da República no último dia 12 de maio de 2011. Assim, deve o extraditando permanecer sob a custódia deste Tribunal, até o deslinde do processo extradicional.

Ante o exposto, indefiro o pedido de relaxamento da prisão do extraditando Cesare Battisti.

Intimem-se.

Publique-se.

Brasília, 16 de maio de 2011.

Ministro GILMAR MENDES

Relator

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Confira na íntegra a petição da defesa de Cesare Battisti

EXMO. SR. MINISTRO GILMAR MENDES – RELATOR DA EXTRADIÇÃO Nº 1.085/RJ

CESARE BATTISTI, já qualificado no processo em epígrafe, por seu advogado, diante do fato novo representado pelo parecer apresentado pelo eminente Procurador-Geral da República – que se manifestou pelo descabimento da Reclamação ajuizada pela República Italiana –, vem a V. Exa. apresentar PEDIDO DE RELAXAMENTO DA PRISÃO PARA EXTRADIÇÃO, pelos fundamentos de fato e de direito que passa a expor.

1. O parecer do ilustre Procurador-Geral da República, apresentado ontem a essa Eg. Corte, constitui inegável elemento novo que justifica uma reapreciação do pedido de relaxamento da prisão preventiva. Tal manifestação apenas corrobora a constatação de que, no presente caso, o processo extradicional – que deveria exercer uma função garantista – tem se prestado ao atípico e injustificável propósito de se manter o requerente preso mesmo após a decisão do Presidente da República que negou sua extradição, e agora também contra a manifestação do Ministério Público Federal.

2. Com efeito, a presente extradição foi julgada em 19 de dezembro de 2009, tendo o acórdão sido publicado em 16 de abril de 2010. A decisão transitou em julgado há mais de um ano e o processo já foi até baixado ao arquivo definitivo. No exercício da competência para a decisão final que lhe foi expressamente reconhecida, o Presidente da República negou a extradição do requerente em 31 de dezembro de 2010. Tal decisão deveria ter como resultado natural a expedição do correspondente alvará de soltura. No entanto, o ajuizamento de uma inusitada reclamação pela República Italiana, questionando a decisão do Presidente da República, serviu de fundamento para que um primeiro pedido de libertação fosse indeferido monocraticamente pelo Presidente dessa Eg. Corte e também por V. Exa.

3. Pois bem. O parecer apresentado pelo eminente Procurador-Geral da República demonstra de forma absolutamente clara que a Reclamação ajuizada pela República Italiana jamais poderia constituir uma causa suficiente para a manutenção da prisão preventiva. E isso pelo fato de que o Estado estrangeiro sequer teria legitimação processual para questionar, perante o Supremo Tribunal Federal, a decisão presidencial acerca do pedido de extradição, na medida em que esta se constitui em ato de soberania da República Federativa do Brasil, praticado por seu Chefe de Estado. E mesmo na eventualidade de vir a ser superada essa questão preliminar, a reclamação teria de ser indeferida pela razão singela de que a decisão do Presidente da República apenas exerceu a competência para a decisão final que lhe foi expressamente reconhecida por essa Eg. Corte. Em seus próprios termos, o v. acórdão registra que a "decisão de deferimento da extradição não vincula o Presidente da República, nos termos dos votos proferidos". Impossível, portanto, cogitar-se de descumprimento do acórdão.

4. A evidente fragilidade da reclamação ajuizada pela República Italiana – único fundamento que ainda tem servido para impedir a libertação definitiva do extraditando – reforça ainda mais a percepção de que a prisão preventiva do requerente já ultrapassou todos os limites do razoável. Como se sabe, a jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal reconhece a necessidade de que a prisão para extradição seja avaliada caso a caso, já tendo determinado o relaxamento ou a sua conversão em prisão domiciliar em situações que, data maxima venia, envolviam restrições muito menos graves ao direito fundamental de liberdade.

5. No caso, duas razões autônomas demonstram a manifesta ilegalidade de que se mantenha a prisão do requerente. A primeira delas decorre do caráter excepcional da prisão preventiva, cuja permanência somente se justifica enquanto houver um motivo suficientemente grave para tanto1. Como medida cautelar, a prisão para fins de extradição existe apenas para garantir eventual entrega do indivíduo, caso seja autorizada por esse Eg. STF e determinada pelo Presidente da República2. Nesse sentido, a Lei no 6.815/80 dispõe textualmente que o extraditando deve ficar preso, à disposição do Supremo Tribunal Federal, até o julgamento final do processo de extradição3.

6. Ora, no caso concreto, a decisão final do processo de extradição não apenas já foi proferida como transitou em julgado há mais de um ano. E no exercício da competência reconhecida por tal decisão, o Presidente da República negou o pedido de extradição. Não resta, portanto, nenhuma justa causa para a manutenção da prisão preventiva. A rigor, a sua persistência é que descumpre a decisão de não extraditar, manifestada pelo Presidente no exercício de sua competência constitucional. Impõe-se, portanto, a pronta liberação do requerente.

7. A circunstãncia descrita acima já seria mais do que suficiente para demonstrar a necessidade de relaxamento da prisão. Há, porém, uma segunda razão que conduz à mesma conclusão. Além da ausência de motivo que justifique a manutenção da prisão provisória – o que por si só já demandaria a imediata soltura do requerente – a verdade é que a duração da prisão preventiva na hipótese já ultrapassou todos os parâmetros constitucionais e legais que regem a matéria. Veja-se que o suplicante encontra-se preso desde 18 de março de 2007 – há mais de 4 anos, portanto –, período muito superior a qualquer limite razoável para uma prisão preventiva.

8. Em um Estado de direito efetivamente comprometido com os direitos fundamentais, não há nenhum fundamento que justifique que uma pessoa seja mantida presa por mais de 4 anos sem que essa grave restrição à liberdade seja determinada por uma decisão final condenatória. A imensa maioria dos crimes previstos no Código Penal brasileiro sequer daria ensejo ao cumprimento efetivo de quatro anos de prisão em regime fechado, muito menos por indivíduo que jamais cometeu qualquer ato de indisciplina durante o período de encarceramento. Simplesmente não é crível que o Estado brasileiro considere que a única forma de dar andamento a esse processo de extradição é mantendo o suplicante preventivamente preso por tanto tempo.

9. Vale dizer: ainda que houvesse uma justa causa para a manutenção da prisão preventiva – e não é o caso, como demonstrado – a jurisprudência dessa Eg. Corte já manifestou em inúmeros precedentes a necessidade de se cotejar o disposto no artigo 84 do Estatuto do Estrangeiro com o direito fundamental à liberdade4 e de se relaxar a prisão preventiva para extradição em caso de excesso de prazo5. Em julgamento recente, de relatoria de V. Exa., Ministro Gilmar Mendes, o Plenário dessa Eg. Corte destacou que "Apesar de sua especificidade e da necessidade das devidas cautelas em caso de relaxamento ou concessão de liberdade provisória, é desproporcional o tratamento que vem sendo dado ao instituto". Em seguida, determinou-se a aplicação dos requisitos do art. 312 do CPP à prisão preventiva para fins de extradição (PPE), "sob pena de expor o extraditando a situação de desigualdade em relação aos nacionais que respondem a processos criminais no Brasil". Veja-se trecho da ementa do acórdão:

'7. A PPE deve ser analisada caso a caso, e a ela deve ser atribuído limite temporal, compatível com o princípio da proporcionalidade; e, ainda, que esteja em consonância com os valores supremos assegurados pelo Estado Constitucional, que compartilha com as demais entidades soberanas, em contextos internacionais e supranacionais, o dever de efetiva proteção dos direitos humanos. 8. O Pacto de San José da Costa Rica proclama a liberdade provisória como direito fundamental da pessoa humana (Art. 7º,5). 9. A prisão é medida excepcional em nosso Estado de Direito e não pode ser utilizada como meio generalizado de limitação das liberdades dos cidadãos (Art. 5º, LXVI ). Inexiste razão, tanto com base na CF/88, quanto nos tratados internacionais com relação ao respeito aos direitos humanos e a dignidade da pessoa humana, para que tal entendimento não seja também aplicado às PPE's. 10. Ordem deferida para que o paciente aguarde em liberdade o julgamento da Extradição no 1091/Panamá" (negrito acrescentado)6.

10. Note-se que, no caso acima, o extraditando estava preso havia quatro meses, o que já foi considerado incompatível com a proteção dispensada aos direitos fundamentais e à dignidade humana. O requerente – frise-se – está preso preventivamente há mais de quatro anos (!). Conforme afirmou V. Exa., Ministro Gilmar Mendes, nessa mesma ocasião, com amparo em Claus Roxin, "o direito processual penal é o sismógrafo da Constituição, uma vez que nele reside a atualidade política da Carta Fundamental".

11. Permitir que uma PPE, que já se estende por mais de quatro anos, seja mantida mesmo depois que transitou em julgado a decisão final do processo de extradição, que o Presidente da República decidiu pela não-entrega e que o Procurador-Geral da República se manifestou pelo descabimento e pela improcedência da impugnação apresentada pela República Italiana implicaria não apenas na reversão da tradição garantista e protetiva dos direitos fundamentais sustentada até aqui por essa Eg. Corte7, mas também no esvaziamento das normas constitucionais que tutelam os direitos fundamentais de nacionais e estrangeiros domiciliados no Brasil, em especial, os artigos 4º, II e 5º, caput, LXV, LXVI, da Constituição Federal8, e 7º, nº 5, do Pacto de San José da Costa Rica.

12. Por todo o exposto, o requerente pede e espera que seja apreciado o seu novo pedido de relaxamento da prisão preventiva para extradição, determinando-se a sua pronta soltura. Não apenas pelo evidente excesso de prazo, mas também pelo elemento novo representado pelo parecer do Eminente Procurador-Geral da República, que confirma, uma vez mais, a manifesta inexistência de justa causa para a manutenção da prisão preventiva meses após a decisão do Presidente da República que negou a extradição requerida pela República Italiana.

Nestes termos, pede deferimento.

De Cambridge para Brasília, 13 de maio de 2011

LUÍS ROBERTO BARROSO

OAB/RJ nº 37.769

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