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TJ/SC decide que pai não responde por abandono afetivo se não sabia da existência do filho

A 3ª câmara de Direito Civil do TJ/SC confirmou sentença da comarca do Fórum Regional do Continente, e negou o pagamento de indenização por danos morais e afetivos, requerido por um rapaz em ação movida contra seu pai, que apenas soube do filho quando este já estava com 15 anos. Hoje com 30 anos, o autor alega que o abandono repercutiu em sua vida, tanto que não conseguiu concluir a universidade por culpa do genitor.

18/4/2011


Indenização

TJ/SC decide que pai não responde por abandono afetivo se não sabia da existência do filho

A 3ª câmara de Direito Civil do TJ/SC confirmou sentença da comarca do Fórum Regional do Continente, e negou o pagamento de indenização por danos morais e afetivos, requerido por um rapaz em ação movida contra seu pai, que apenas soube do filho quando este já estava com 15 anos. Hoje com 30 anos, o autor alega que o abandono repercutiu em sua vida, tanto que não conseguiu concluir a universidade por culpa do genitor.

O rapaz apelou da decisão com reforço da alegação de que passou a infância e parte da juventude sem contar com o pai, pois não sabia quem ele era e nem onde estava. Afirmou ter sofrido discriminações sociais e marginalização na escola por amigos e acrescentou que desde o reconhecimento, depois de ação judicial, não recebeu afeto e carinho. Esse desamparo, segundo o filho, prejudicou-o nos estudos, a ponto de não conseguir completar o ensino superior.

Em resposta, o pai afirmou que soube do filho apenas depois de ajuizada a ação de investigação de paternidade, quando o menino era adolescente. Disse que teve uma única relação com a mãe do rapaz, a quem credita o dano por não ter levado ao seu conhecimento a gravidez. O genitor comprovou ter pago alimentos ao filho desde então, para que concluísse seus estudos, o que ele não fez. Ao final, argumentou que o afeto exige reciprocidade, não sendo possível obrigar uma pessoa a amar outra, especialmente quando uma não sabe da existência da outra.

O desembargador substituto Saul Steil, relator, destacou o fato de o rapaz receber as pensões até os 27 anos e não ter concluído uma faculdade, mesmo sem constar nos autos prova de que estivesse trabalhando. Para o magistrado, a relação afetiva entre pai e filho, cientes um do outro após 15 anos, é difícil de ser estabelecida de imediato, especialmente diante das mágoas do autor, natural em casos desta natureza. O magistrado avaliou que, mais do que uma indenização, o rapaz deve buscar a presença paterna, não negada deliberadamente, "mas em razão das circunstâncias da vida".

"Os danos que certamente restaram no psiquismo do apelante não podem ser reparados com indenização financeira, mas com a efetiva busca de aproximação deste com seu pai, para que, ainda que tardiamente, possam construir uma verdadeira relação de pai e filho, fundada no afeto, o que só é possível com boa vontade de ambas as partes, sem resistências imotivadas, ou motivadas por interesses pecuniários que certamente não privilegiam o bem-estar de ninguém", concluiu o magistrado.

Veja abaixo a íntegra do acórdão.

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Apelação Cível n. 0, da Capital / Estreito

Relator: Juiz Saul Steil

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E AFETIVOS. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. DESNECESSIDADE DE INSTRUÇÃO DO PROCESSO. ELEMENTOS DE PROVA SUFICIENTES PARA FORMAR O CONVENCIMENTO DO JULGADOR. SEGURA RESOLUÇÃO DA LIDE (ART. 130 DO CPC).

ALEGAÇÃO DE ABANDONO MATERIAL E AFETIVO. RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE QUANDO O AUTOR TINHA 15 ANOS DE IDADE, APÓS REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA. PAGAMENTO DE ALIMENTOS DESDE O RECONHECIMENTO FILIAL, ATÉ QUE O AUTOR COMPLETOU 27 ANOS DE IDADE. ALEGAÇÃO DE QUE NÃO CONCLUIU A UNIVERSIDADE POR CULPA DO RÉU. AUTOR QUE NÃO EXERCE ATIVIDADE REMUNERADA. DEMORA NA CONCLUSÃO DO ENSINO SUPERIOR QUE DEMONSTRA A NEGLIGÊNCIA DO AUTOR NOS ESTUDOS. ATO ILÍCITO NÃO CONFIGURADO. DANO DECORRENTE DAS CIRCUNSTÂNCIA DA VIDA E NÃO DE AÇÃO OU OMISSÃO DELIBERADA DO PAI. PRETENSÃO INJUSTIFICADA. IMPROVIMENTO DO RECURSO.

O julgamento antecipado da lide (art. 330, I, do CPC) não implica cerceamento de defesa, se desnecessária a instrução probatória, face ao princípio da celeridade processual.

A paternidade pressupõe a efetiva manifestação sócio-afetiva de convivência, amor e respeito entre pai e filho, não podendo ser quantificada, em sede indenizatória, como reparação de danos morais, salvo raras situações, do que não se cuidam os autos, porquanto, o dano não se configura pelo simples fato de os pais não terem dedicado aos filhos o afeto que deles era de se esperar, sobretudo quando o vínculo de parentesco somente é conhecido tardiamente através de ação judicial onde se teve realizado exame de paternidade, o que é o caso dos autos.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0, da comarca da Capital, em que é apelante G. S. F., e apelado J. P. M. F.:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

RELATÓRIO

G. S. F. promoveu Ação de Indenização por Danos Morais e Afetivos contra J. P. M. F., alegando que atualmente possui 27 anos de idade, porém passou toda a infância e boa parte de sua juventude sem contato com o pai, ora réu, pois sequer sabia quem era seu verdadeiro pai, nem o verdadeiro paradeiro deste.

Aduz que percorreu longa trajetória de incertezas pessoais, diferenças sociais, muitas vezes sendo marginalizado em seu ambiente de estudo, por colegas de sua idade, os quais muito zombavam dele devido ao fato de não conhecer seu pai.

Salienta que, desde o ajuizamento da ação de investigação de paternidade até os dias atuais, não conseguiu lograr êxito em receber o afeto e carinho de seu pai, até agora ausente, passados dez anos do acordo judicial.

Sustenta que, em razão do desamparo material e psicológico por parte do réu, sofreu prejuízos em sua manutenção e nos estudos, fazendo com que até os dias de hoje não tenha completado o ensino superior.

Assevera que enfrentou dor e sofrimento ao ver o réu tratar os demais filhos de forma diferente do autor. Assim, "saturado de sua contenda na busca do amor paterno, o autor propõe a presente demanda, com cunho indenizatório, para que possa ser ressarcido nos danos morais e psíquicos que o abandono afetivo lhe causou", em valor a ser arbitrado pelo Juízo.

Valorou a causa e instruiu a inicial com as peças de fls. 12-123.

Regularmente citado, o réu apresentou contestação, arguindo, em preliminar, impossibilidade jurídica do pedido, porquanto o ordenamento jurídico não prevê a reparação de danos morais para a hipótese em apreço, sobretudo porque só soube da existência de seu filho quando do ajuizamento da ação de Investigação de Paternidade, após o exame de DNA, pois originado de uma relação eventual/única com a mãe do autor, portanto, se dano houve foi provocado por sua genitora que não levou o fato ao conhecimento do réu.

Ressalta que o afeto é conquista que exige reciprocidade, não sendo possível compelir uma pessoa a amar a outra, mormente quando uma das partes não sabia da existência do liame parental.

Afirma não estar configurado o dano moral, porquanto submeteu-se sem resistência ao exame de DNA e, tão logo comprovada a paternidade, assumiu a filiação, mas esse fato não ensejou a aproximação afetiva entre pai e filho.

Aduz que cabe ao Judiciário não dificultar, por meio de uma condenação, uma relação amistosa futura entre pai e filho, sem olvidar que deve-se evitar a patrimonialização das relações afetivas, porquanto, em situações como a relatada na inicial, o pleito de danos morais se reveste de caráter vingativo, com fundamento no abandono.

Pugna pela improcedência do pedido, porquanto não há prova de que o réu tivesse ciência de que o autor era seu filho, situação que só foi esclarecida por ocasião da propositura da ação de investigação de paternidade e, a partir de então, passou a pagar pensão alimentícia, até que completasse 27 anos de idade, para que concluísse seus estudo, o que não o fez.

Requer a concessão da assistência judiciária e junta as peças de fls. 150-165.

A réplica aportou às fls. 192-199.

A preliminar de impossibilidade jurídica do pedido foi rejeitada e deferida a produção de prova pericial.

O Perito nomeado apresentou proposta de honorários, sobre a qual as partes foram intimadas.

O réu afirmou não ter interesse na prova, a qual não foi por ele requerida e pugna pelo julgamento do processo no estado em que se encontra.

Sobreveio a sentença de fls. 228-233, prolatada pelo MM. Juiz Clóvis Marcelino dos Santos, que julgou improcedente o pedido e condenou o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.000,00 (mil reais), suspendendo a cobrança das verbas por ser o autor beneficiário da Justiça Gratuita.

Irresignado, o autor interpôs recurso de apelação, alegando violação aos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa em face do julgamento antecipado da lide, porquanto o Magistrado sentenciante não participou da instrução do processo e, ao proferir a sentença contrariou o despacho saneador que determinou a realização de perícia médica/psicológica, pois na hipótese o dano não é presumido.

Reedita o argumento expendido na inicial de que passou a infância e parte de sua juventude sem o contato paterno, evidenciando-se o desamparo material e psicológico, resultando que até hoje, com 28 anos de idade, o autor não conseguiu completar seus estudos.

Salienta que, somente com o ajuizamento da ação de investigação de paternidade o réu reconheceu o autor como filho, porém nunca se preocupou com seu desenvolvimento e formação, obrigação que lhe é imposta pela Constituição Federal.

Aduz que os danos morais decorrem do abandono afetivo e psicológico a que foi submetido ao ser privado do convívio e amor paterno.

Requer a anulação da sentença ou a devolução da matéria de mérito, ou o seguimento do julgamento com a procedência do pedido.

Em contrarrazões, pugna o apelado pela manutenção da sentença.

VOTO

Conhece-se do recurso, porquanto presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

Cerceamento de defesa

Não há cerceamento de defesa, em razão do julgamento antecipado da lide, quando os elementos constantes dos autos são suficientes para formar o convencimento do Magistrado.

Na hipótese, os autos contêm os elementos necessários ao julgamento da controvérsia, consubstanciado na farta documentação juntadas pelas partes, sendo dispensável a produção de outras provas para a formação do convencimento do julgador.

A prova pericial é despicienda, porquanto o autor possui atualmente 30 anos de idade e, como bem adiantou o perito nomeado às fls. 129, "pela idade atual do autor e por outros acontecimentos de sua vida, pode não ser possível estabelecer relação causal".

Prescreve artigo 330, I, do Código de Processo Civil:

O juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença:

Quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência.

Portanto, como destinatário da prova, cabe ao juiz decidir se os elementos colacionados bastam, ou não, para a formação do seu convencimento, cabendo-lhe deferir ou indeferir a produção de prova que entender desnecessária.

A propósito, colhe-se do STJ:

'A tutela jurisdicional deve ser prestada de modo a conter todos os elementos que possibilitem a compreensão da controvérsia, bem como as razões determinantes de decisão, como limites ao livre convencimento do juiz, que deve formá-lo com base em qualquer dos meios de prova admitidos em direito material, hipótese em que não há que se falar cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide' e que 'o magistrado tem o poder-dever de julgar antecipadamente a lide, desprezando a realização de audiência para a produção de prova testemunhal, ao constatar que o acervo documental acostado aos autos possui suficiente força probante para nortear e instruir seu entendimento' (REsp nº 102303/PE, Rel. Min. Vicente Leal, DJ de 17/05/99). (AgRg no REsp 839217/RS, rel. Ministro José Delgado, DJ de 2-10-2006, p. 240).

E deste Tribunal de Justiça, colhe-se:

"É poder-dever do magistrado o julgamento antecipado da lide nas hipóteses em que a prova existente nos autos se revelar suficiente para o exame e convencimento da questão posta para julgamento. Da mesma forma, mostrando-se desnecessária a produção de outros meios de prova, o julgamento prematuro do processo não acarreta cerceamento de defesa." (AC n. 00.006948-5, de Urussanga, rel. Des. Eládio Torret Rocha, j. 14.08.2003).

[...] 2. Inexiste cerceamento de defesa quando o juiz, considerando desnecessária a dilação probatória, julga antecipadamente a lide com base nos elementos até então coligidos e as provas requeridas evidentemente não alterariam a solução adotada. [...]. TJSC, Apelação Cível n. 2004.006008-4, de Rio do Sul, rel. Des. Mazoni Ferreira, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 15.10.2007).

Por tais fundamentos, rejeita-se a preliminar.

Mérito

Pretende o apelante a reforma da sentença de improcedência do pedido de indenização por danos morais decorrente de abandono afetivo a que foi submetido em razão de não haver recebido afetividade paterna.

O Código Civil vigente prevê a possibilidade de reparação de dano por ato ilícito, inclusive quando o dano é exclusivamente moral, nos termos dos artigos 186 e 927, do Código Civil.

Como afirma o próprio autor na inicial, teve sua paternidade reconhecida aos 15 anos de idade e, antes dessa data não sabia quem era o seu pai nem o seu paradeiro, enquanto este afirma que só teve conhecimento da existência do autor por ocasião da propositura da ação de investigação de paternidade, onde foi realizado o exame de DNA, sendo que, após o resultado, imediatamente reconheceu a filiação.

Extrai-se do Termo de fl. 47, que efetivamente o réu reconheceu a paternidade e restou condenado ao pagamento de pensão alimentícia no valor de 3 (três) salários mínimo. Em 29-6-2004, as partes firmaram acordo em ação de execução de alimentos, onde o réu se comprometeu a pagar ao autor pensão no valor de 1,6 salários mínimos, pelo período de três anos (até 29-6-2007), ficando exonerado da obrigação a partir desse termo, o que foi cumprido, conforme comprovantes de depósitos de fls. 172-189.

Como se vê, o autor recebeu pensão alimentícia do réu até os 27 anos de idade, portanto, se não concluiu o curso universitário até essa idade, foi por negligência própria com os estudos, e não em razão de fatores relacionados à paternidade, porquanto, ao que consta dos autos o autor não exerce qualquer atividade laborativa.

O fato de ter sido gerado em uma relação eventual, que não favoreceu a certeza da paternidade e ensejou a confirmação da ligação biológica com a realização de exame de DNA, quando o autor contavam com 15 anos de idade, já evidencia um início tumultuado para uma relação entre pai e filho, a qual deve ser construída de forma gradativa, ao longo do tempo.

Não se pode exigir que após decorridos 15 anos do nascimento do autor, pai e filho venham a se conhecer e estabeleçam, desde logo, uma relação afetiva, de modo a introduzir o autor na família que constituiu, sobretudo quando se percebe que essa circunstância deixou mágoas no autor, o que é de certo modo natural em casos dessa natureza.

Os danos que certamente restaram no psiquismo do apelante não podem ser reparados com indenização financeira, mas com a efetiva busca de aproximação deste com seu pai, para que, ainda que tardiamente, possam construir uma verdadeira relação de pai e filho, fundada no afeto, o que só é possível com boa vontade de ambas as partes, sem resistências imotivadas, ou motivadas por interesses pecuniários que certamente não privilegiam o bem estar de ninguém.

Certamente que o autor, muito mais do que uma generosa indenização, precisa buscar a presença paterna que, ao que parece, não lhe foi negada deliberadamente, mas em razão das circunstâncias da vida, uma vez que por ocasião da concepção do réu, o autor era casado e possuía filhos, sendo que conheceu a mãe do autor que era professora na escola em que seu filho estudava.

A reparação de danos em hipóteses de omissão afetiva que visa traduzir o afeto humano em valor monetário, não se configura pelo simples fato de os pais não terem dedicado aos filhos o afeto que deles era de se esperar, sobretudo quando o vínculo de parentesco somente é conhecido tardiamente através de ação judicial onde se teve realizado exame de paternidade, o que é o caso dos autos.

A contemplação do dano moral exige extrema cautela e a apuração criteriosa dos fatos, porquanto, o mero distanciamento afetivo entre pais e filhos não constitui, por si, situação capaz de gerar dano moral, nem implica ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana, mas constitui antes um fato da vida. Afinal o questionamento das raízes do afeto ou do amor, e da negação destes, leva a perquirir as razões íntimas do distanciamento, implicam invasão do campo jurídico ao terreno conceitual impreciso que avança pelo mundo da medicina, da biologia e da psicologia.

Embora se viva num mundo materialista, onde os apelos pelo compromisso social não passam de mera retórica, em si mesma desonesta e irresponsável, nem tudo pode ser resolvido pela solução simplista da indenização, pois afeto não tem preço, e valor econômico nenhum poderá restituir o valor de um abraço, de um beijo, enfim de um vínculo amoroso saudável entre pai e filho, sendo essa perda experimentada tanto por um quanto pelo outro.

Ao que se verifica, o distanciamento foi motivado pelo fato de ter sido a paternidade revelada pela mãe do autor somente por ocasião do ajuizamento da ação de investigação de paternidade, promovida quando ele já tinha 15 anos de idade. Portanto, pai e filho são vítimas de um mesmo fato para o qual, ao que parece, nenhum dos dois concorreu.

Nessas circunstâncias, entendo que o afastamento do réu com o filho, está plenamente justificado pelas circunstâncias da vida, que certamente produziram – e produzem – sofrimento para ambos.

Todavia, é preciso ter em mente que as relações interpessoais são balizadas por inúmeros fatores pessoais, ambientais e sociais, que produzem sentimentos e emoções, que conduzem à aproximação entre as pessoas ou ao distanciamento entre elas, sejam parentes ou não.

Por essa razão, a contemplação do dano moral em situações como a relatada nos autos, exige extrema cautela e, sobretudo, uma apuração criteriosa dos fatos.

Não se pode desconhecer que afeto é conquista e reclama reciprocidade, não sendo possível compelir uma pessoa a amar outra. A convivência familiar somente é possível quando existe amor. E amor não pode ser imposto, nem entre os genitores, nem entre pais e filhos.

Oportuno ressaltar, ainda, que não é a mera presença de um pai na vida do filho que lhe assegura um desenvolvimento saudável, nem a sua ausência um fato impeditivo deste desenvolvimento, pois o mais importante é que o filho seja educado em um ambiente permeado pelo equilíbrio, onde as relações familiares sejam saudáveis, com ou sem a presença do pai ou da mãe.

Mas a presença de pai e mãe e a relação equilibrada entre ambos também não é garantia de que o filho vá ter um desenvolvimento equilibrado e saudável, pois existem inúmeros fatores internos, externos e circunstanciais que balizam o desenvolvimento das pessoas. Pais ajustados podem gerar filhos desajustados, e a ausência do pai ou da mãe também não enseja condenação a uma vida permeada de conflitos.

O afeto não é sentimento humano que possa ser submetido ao livre arbítrio, como se não decorresse de uma relação bilateral e, pior ainda, como se pudesse ser mensurado economicamente.

Afinal, ninguém pode ser compelido a dar o que não tem. Quem não ama não pode dar o do amor que não sente, e quem não sente afeto não pode ser compelido a demonstrá-lo.

Por essa razão, somente em situações excepcionais é que se pode conceber a possibilidade de reparação por dano moral, ou seja, quando se evidencia alguma situação anormal, grave, o que decididamente não ocorre no caso em exame.

A propósito, colhe-se do Superior Tribunal de Justiça:

“Ainda outro questionamento deve ser enfrentado. O pai, após ser condenado a indenizar o filho por não lhe ter atendido as necessidades de afeto, encontrará ambiente para reconstruir o relacionamento ou, ao contrário, se verá definitivamente afastado daquele pela barreira erguida durante o processo litigioso?

(...)

Por certo um litígio entre as partes reduziria drasticamente a esperança do filho de se ver acolhido, ainda que tardiamente, pelo amor paterno. O deferimento do pedido, não atenderia, ainda, o objetivo de reparação financeira, porquanto o amparo nesse sentido já é providenciado com a pensão alimentícia, nem mesmo alcançaria efeito punitivo ou dissuasório, porquanto já obtidos com outros meios previstos na legislação civil, conforme acima esclarecido.

Desta feita, como escapa ao arbítrio do Judiciário obrigar alguém a amar, ou a manter um relacionamento afetivo, nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a indenização pleiteada.” (STJ, REsp 757411/MG, Rel. Min. Fernando Gonçalves).

E deste Tribunal de Justiça:

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM ALIMENTOS E DANOS MORAIS. PATERNIDADE RECONHECIDA. DANOS MORAIS DECORRENTES DO ABANDONO AFETIVO. REQUISITOS DO ART. 186 DO CÓDIGO CIVIL NÃO DEMONSTRADOS. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

“A simples recusa do réu em reconhecer a paternidade investigada não gera, por si só, dano moral indenizável, porquanto sua configuração dependa do preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil.” (TJSC, ACv n. 0, Rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben) (Apelação Cível n. 0, de Blumenau. Relatora: Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta).

Em situações similares, outro não tem sido o entendimento proclamado pelos Tribunais e Câmaras especializadas em Direito de Família, a exemplo dos arestos a seguir transcritos:

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. FILHO RECONHECIDO POR FORÇA DE AÇÃO INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE. ABANDONO AFETIVO. DANO DECORRENTE DAS CIRCUNSTÂNCIAS E NÃO DE AÇÃO OU OMISSÃO DELIBERADA DO PAI. Evidenciado que o dano psíquico experimentado pelo filho decorre muito mais das circunstâncias em que foi concebido e posteriormente reconhecido que de eventual ação ou omissão deliberada do pai, não ocorre a obrigação de indenizar por abandono afetivo. A relação paterno-filial, do ponto de vista psíquico, não surge com a sentença proferida na ação investigatória de paternidade, mas é construída ao longo do tempo, quando há efetiva boa vontade em se promover a aproximação de pai e filho, despojada de mágoas e centrada exclusivamente no bem estar emocional do envolvidos. O conceito de pai pressupõe um dado socioafetivo constituído na convivência, e não é uma mera decorrência do vínculo genético reconhecido na sentença, que simplesmente atribui a alguém a condição de genitor. NEGARAM PROVIMENTO, POR MAIORIA.” (Apelação Cível Nº 0, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 00/00/00000).

ALIMENTOS. FILHO MAIOR E CAPAZ. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ABALO EMOCIONAL PELA AUSÊNCIA DO PAI. 1. Sendo o filho maior, capaz, apto ao trabalho e com receita própria, com plenas condições de prover seu próprio sustento, descabe impor ao genitor encargo alimentar ou mesmo a obrigação de custear-lhe os estudos ou visando, ainda, o pagamento de prestações pretéritas da sua faculdade. 2. O pedido de reparação por dano moral no Direito de Família exige a apuração criteriosa dos fatos e o mero distanciamento afetivo entre pais e filhos não constitui situação capaz de gerar dano moral, nem implica ofensa ao (já vulgarizado) princípio da dignidade da pessoa humana, sendo mero fato da vida. 3. Embora se viva num mundo materialista, nem tudo pode ser resolvido pela solução simplista da indenização, pois afeto não tem preço, e valor econômico nenhum poderá restituir o valor de um abraço, de um beijo, enfim de um vínculo amoroso saudável entre pai e filho, sendo essa perda experimentada tanto por um quanto pelo outro. Recurso desprovido. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 0, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 00/00/0000).

APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ALEGAÇÃO DE ABANDONO AFETIVO. JULGAMENTO ANTECIPADO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 285-A, DO CPC. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS E JURÍDICOS FUNDAMENTOS. No caso, inexiste a alegada afronta ao princípio do contraditório, porquanto patente que o juízo singular julgou antecipadamente a causa com fundamento no artigo 285-A, do CPC. Aliás, observa-se que o magistrado julgou improcedente o pedido com fundamento em precedente no todo semelhante, tendo, inclusive, mencionado o número da demanda indenizatória que continha pedido idêntico, conferindo maior celeridade ao feito. Ademais, a reparação de danos que tem por fundamento a omissão afetiva, no âmbito do direito de família, é sabidamente de interpretação restritiva, pois que, visando a traduzir o afeto humano em valor monetário, é marcada por enorme subjetividade, e não se configura pelo simples fato de os pais não terem dedicado aos filhos o afeto que deles era de se esperar, mormente quando o vínculo de parentesco somente é conhecido tardiamente através de ação judicial onde se teve realizado exame de paternidade, o que é o caso dos autos. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 0, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Conrado Kurtz de Souza, Julgado em 00/00/0000).

Oportuno ressaltar, ainda, que no caso em apreço faz-se necessário muita determinação, paciência e empenho para um "encontro", uma "descoberta" entre pai e filho, que até agora, as partes não mostraram disposição em buscar, porque isso, evidentemente, envolve dor, sofrimento e revolve mágoas recíprocas. Contudo, não há outro caminho para formação de laços afetivos; as partes, hoje dois homens adultos, se assim desejarem, devem romper as barreiras do distanciamento e buscar diálogo e convivência, sob pena de não permitirem a construção de uma relação afetiva.

Contudo, pagar pela falta de amor não estabelece o amor; pagar pela falta de companhia, não tem o dom de restabelecer o prazer de conviver. O pagamento pelo “dano” pode sim implicar na definitiva ruptura da relação. E nas relações paterno-filiais o que se pretende não é a ruptura, mas sim a estimulação do vínculo da afetividade.

Isto posto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

DECISÃO

Ante o exposto, a Terceira Câmara de Direito Civil, decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

O julgamento, realizado no dia 12 de abril de 2011, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Fernando Carioni, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Marcos Tulio Sartorato.

Florianópolis, 12 de abril de 2011.

Saul Steil

RELATOR

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