TST
Unesco mantém imunidade à jurisdição trabalhista
O caso foi levado ao TST após decisão favorável à trabalhadora pelo TRT da 3ª região/MG, no sentido de serem devidas as verbas rescisórias.
O ministro Guilherme Caputo Bastos, relator do caso, destacou que organismos como a Unesco não são capazes de praticar os chamados "atos de império", típicos da administração. Além do mais, diferentemente dos países, não possuem território ou governo. Outro fato é que Estados têm igualdade qualitativa, ou seja, fins comuns, enquanto organizações como a Unesco se diferenciam entre si quanto ao orçamento, tamanho da organização e finalidades.
Bastos observa que a imunidade de jurisdição é assegurada na Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas (Convenção de Londres), pela Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Agências Especializadas das Nações Unidas e pelo Acordo Básico de Assistência Técnica com as Nações Unidas e suas Agências Especializadas, todos incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro.
Assim, ao afastar a imunidade de jurisdição absoluta reconhecida em relação à Unesco, o TRT da 3ª região afrontou o artigo 5º, parágrafo 2º, da CF/88 (clique aqui), segundo o qual os direitos e garantias constitucionais "não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".
Portanto, não se pode relativizar a imunidade da Unesco conforme se compreende hoje em relação os Estados estrangeiros. A Unesco "não pode se submeter à jurisdição local e responder pelas obrigações contratuais assumidas, dentre elas as de origem trabalhista", concluiu.
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Processo Relacionado : RR-104100-29.2008.5.15.0116 - clique aqui.
Confira abaixo a decisão na íntegra.
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ACÓRDÃO
RECURSOS DE REVISTA DA UNESCO E DA UNIÃO. MATÉRIA COMUM.
1. IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. ORGANISMOS INTERNACIONAIS. UNESCO.
Diferentemente dos Estados estrangeiros, que atualmente têm a sua imunidade de jurisdição relativizada, segundo entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal, os organismos internacionais permanecem, em regra, detentores do privilégio da imunidade absoluta.
Os organismos internacionais, ao contrário dos Estados, são associações disciplinadas, em suas relações, por normas escritas, consubstanciadas nos denominados tratados e/ou acordos de sede. Não têm, portanto, a sua imunidade de jurisdição pautada pela regra costumeira internacional, tradicionalmente aplicável aos Estados estrangeiros. Em relação a eles, segue-se a regra de que a imunidade de jurisdição rege-se pelo que se encontra efetivamente avençado nos referidos tratados de sede.
No caso específico da UNESCO, a imunidade de jurisdição, salvo se objeto de renúncia expressa, encontra-se plenamente assegurada na Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, também conhecida como -Convenção de Londres-, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 27.784/1950. Acresça-se que tal privilégio também se encontra garantido na Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Agências Especializadas das Nações Unidas, que foi incorporada pelo Brasil por meio do Decreto nº 52.288/1963, bem como no Acordo Básico de Assistência Técnica com as Nações Unidas e suas Agências Especializadas, promulgado pelo Decreto nº 59.308/1966.
Assim, porque amparada em norma de cunho internacional, não podem os organismos, à guisa do que se verificou com os Estados estrangeiros, ter a sua imunidade de jurisdição relativizada, para o fim de submeterem-se à jurisdição local e responderem, em conseqüência, pelas obrigações contratuais assumidas, dentre elas as de origem trabalhista. Isso representaria, em última análise, a quebra de um pacto internacional, cuja inviolabilidade encontra-se constitucionalmente assegurada (art. 5º, § 2º, da CF/88).
Recursos de revista conhecidos e providos.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-104100-29.2008.5.15.0116, em que são Recorrentes UNIÃO (ASSISTENTE SIMPLES DA UNESCO) e ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA - UNESCO e é Recorrida ALINE APARECIDA CAVALHEIRO DEL HOMO.
O egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, mediante acórdão colacionado às fls. 234/236, negou provimento aos recursos ordinários da União e da UNESCO, mantendo, assim, a r. sentença por meio da qual foi reconhecido o vínculo de emprego entre a reclamante e o citado organismo internacional, bem como foi a UNESCO condenada ao pagamento de verbas rescisórias e multa do artigo 475-J do CPC.
Inconformadas, a UNESCO e a União, na condição de assistente simples do organismo internacional, interpõem recurso de revista às fls. 255/266 e 238/249, respectivamente. Requerem que, acolhida a tese da imunidade absoluta de jurisdição, seja extinto o processo, sem resolução do mérito, nos moldes do artigo 267, VI do CPC. Sucessivamente, pleiteia seja afastada a condenação ao pagamento da multa do artigo 475-J do CPC.
Decisão de admissibilidade às fls. 272/273.
Não foram apresentadas contrarrazões.
O d. Ministério Público do Trabalho pelo conhecimento e provimento do recurso para, acolhendo a tese de imunidade de jurisdição do organismo internacional, seja determinada a extinção do feito, sem julgamento do mérito (fls. 280/284).
É o relatório.
VOTO
A) RECURSOS DE REVISTA DA UNESCO E DA UNIÃO
Tendo em vista a identidade das matérias e dos argumentos trazidos nos recursos de revista da União e da UNESCO, passo ao exame em conjunto de tais apelos.
1. CONHECIMENTO
Presentes os pressupostos extrínsecos de admissibilidade recursal, considerados a tempestividade (fls. 237-v, 255 - UNESCO - e 238 - União), a representação processual (Orientação Jurisprudencial nº 52 da SBDI-1) e o preparo (artigo 790-A da CLT), passo ao exame do preenchimento dos pressupostos extrínsecos.
1.1. IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO DA UNESCO
A respeito do tema, a egrégia Corte Regional consignou:
-IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO - ORGANISMO INTERNACIONAL - UNESCO - A imunidade de jurisdição apenas atinge os atos de império do organismo internacional, favorecendo-o com foro privilegiado. No entanto, em relação aos atos decorrentes da celebração do contrato de trabalho, o organismo pratica ato negocial e se nivela a particular, submetendo-se ao direito nacional privado. Assim, não são atingidos pela imunidade de jurisdição os litígios de natureza trabalhista entre o organismo internacional e empregados contratados- (fls. 234).
Inconformadas, a UNESCO e a União, na condição de assistente simples do organismo internacional, interpõem recurso de revista às fls. 255/266 e 238/249, respectivamente. Requerem que, acolhida a tese da imunidade absoluta de jurisdição, seja extinto o processo, sem resolução do mérito, nos moldes do artigo 267, VI do CPC. Fundamentam o recurso em ofensa aos artigos 896 da CLT, 4º, IX, 5º, LIV, § 2º, 49, 84, 97 e 114 da Constituição Federal, 2º do Decreto nº 27.784/50, 3º do Decreto nº 52.288/63 e 5º do Decreto nº 59.308/66. Indicam, também, divergência jurisprudencial.
Os apelos, de fato, alcançam conhecimento.
A questão ora trazida a exame refere-se à imunidade de jurisdição reconhecida em relação a organismo internacional, especificamente no que toca aos conflitos judiciais de natureza trabalhista.
Preliminarmente, devido à relevância da presente matéria, e também para espancar dúvida porventura existente, vale ressaltar que inexiste qualquer diferença substancial entre os termos -organismo- e -organização- internacional, os quais, a bem de se ver, são freqüentemente utilizados pela doutrina como sinônimos.
Outro aspecto que impende salientar diz respeito à própria conceituação de tais entes.
A despeito da reconhecida importância dos organismos internacionais na comunidade atual, certo é que ainda hoje inexiste norma internacional traçando a sua conceituação.
Com efeito, a sua definição ficou a cargo da doutrina, que, em apertada síntese -- sem fazer aqui menção a um ou outro autor --, passou a conceituá-los como sujeitos de Direito Internacional Público, formados, na sua grande maioria, pela associação voluntária de Estados estrangeiros, constituídos por acordo internacional e disciplinados por normas de direito internacional. Tais entes são, ainda, detentores de personalidade jurídica própria, distinta da de seus membros, o que implica reconhecer a aptidão para contrair direitos e obrigações na esfera civil e, por conseguinte, para praticar os atos necessários à consecução de seus objetivos. Tal aptidão abrange, por óbvio, a possibilidade de firmarem, no Brasil, contratos de trabalho.
E é exatamente neste ponto que repousa o presente feito. Indaga-se como os organismos internacionais, enquanto entes de direito público externo, devem responder pelas obrigações trabalhistas assumidas no país em que foram acreditados. Perquire-se, em síntese, se tais organismos são, ou não, imunes perante a jurisdição brasileira.
Antes, porém, de examinar a questão da imunidade especificamente em relação aos organismos internacionais, reputo salutar a realização de uma rápida digressão do tema no que tange aos Estados estrangeiros.
Longe de apresentar semelhança com as organizações internacionais -- que constituem um fenômeno relativamente novo, datado do século XX --, o Estado estrangeiro ostenta características, finalidades e prerrogativas próprias, inclusive no que toca à imunidade de jurisdição. Neste aspecto específico -- imunidade de jurisdição --, importa ressaltar que o seu reconhecimento, em relação ao Estado estrangeiro, prescinde de expressa previsão em norma internacional, porquanto decorrente do costume internacional, ou seja, da consolidada praxe internacional.
Entretanto, cumpre salientar que a imunidade do Estado estrangeiro, tida por absoluta em seus primórdios, hoje se encontra relativizada, segundo entendimento do próprio STF, notadamente no que diz respeito aos litígios de natureza trabalhista (-leading case-: Apelação Cível nº 9696-3-SP - Genny de Oliveira x Embaixada da República Democrática Alemã)1.
De fato, desde o fim da década de 70, vem caindo em desuso a antiga regra consuetudinária do Direito das Gentes, qual seja -par in parem non habet imperium ou iudicium-, segundo a qual um Estado, em respeito à sua soberania, não deve se submeter, contra a sua vontade, à jurisdição de outro Estado. De modo que, para grande parte da atual comunidade internacional, a tendência é pela não aceitação da imunidade absoluta de jurisdição do Estado.
Tal relativização teve origem com a Convenção Européia sobre Imunidade do Estado, de 1972, pela qual os pactuantes passaram a distinguir atos de império de atos de gestão, para afastar, em relação a esses últimos, diante de seu cunho nitidamente negocial, a imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro. Tanto isso é verdade que o artigo 5º da referida Convenção prevê, inclusive, que a imunidade de jurisdição não pode ser arguida quando a demanda versar sobre contrato de trabalho.
Uma distinção importante, todavia, há de ser feita entre a imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro para o processo de conhecimento e para o processo de execução.
Quanto ao processo de conhecimento, a tendência atual, conforme dito, é não mais falar-se, em termos absolutos, em imunidade de jurisdição do Estado, mormente quando se tratar de uma relação trabalhista regida pelas normas do direito material local. Resta abandonada, pois, a imunidade absoluta tradicionalmente apoiada no costume internacional.
Já em relação ao processo de execução, a questão há de ser examinada sob outro enfoque. Isso porque, em relação à execução, há de se salientar a existência de regra internacional prevendo expressamente a inviolabilidade dos bens do Estado.
Com efeito, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (1961) e a Convenção de Viena sobre Relações Consulares (1963), às quais o Brasil aderiu como signatário, asseguram, em seus artigos, a inviolabilidade dos bens que estejam afetos à missão diplomática e consular.
Como se vê, não se trata de uma imunidade executória, vale dizer, não se veda a execução em si mesma. Proíbem-se, sim, os atos materiais de execução sobre os bens que estejam localizados no âmbito da jurisdição brasileira e que estejam afetados à Missão. Tais bens não podem sofrer qualquer ato de constrição tendente à satisfação dos débitos trabalhistas não adimplidos pelo Estado estrangeiro.
Por conseguinte, se, por um lado, a ação é possível contra o Estado estrangeiro, em face da notória relativização da imunidade, por outro lado, é necessário lembrar que a execução, à luz das Convenções de Viena, tem a sua efetividade sobremodo comprometida. Isso porque, muito embora possível, é manifesta a dificuldade de se encontrar bens que estejam desafetados da função diplomática ou consular do Estado. De modo que, em tais hipóteses, a efetivação da execução fica na dependência da expedição, pelo Brasil, da competente carta rogatória, sob pena de esvaziamento da sentença condenatória proferida.
Tecidas tais considerações, impende agora perquirir se a relativização da imunidade de jurisdição, aplicável ao Estado estrangeiro no processo de conhecimento, estende-se aos organismos internacionais.
A resposta, todavia, a meu juízo, é negativa.
Os organismos internacionais, ao contrário dos Estados, são associações disciplinadas, em suas relações, por normas escritas, consubstanciadas nos denominados tratados e/ou acordos de sede. Dessa forma, não podem ter a sua imunidade de jurisdição afastada com base no princípio de origem costumeira, outrora aplicável aos Estados estrangeiros.
O exame da questão passa, necessariamente, pela análise do conteúdo de tais tratados de sede, a partir dos quais será possível definir o exato alcance da imunidade de jurisdição das referidas instituições. Trata-se, portanto, de uma abordagem casuística, tendo em vista que, diferentemente dos Estados estrangeiros, que comungam de uma igualdade qualitativa (fins comuns), as organizações internacionais diferem entre si não só quantitativa como qualitativamente.
Vale dizer: diferenciam não só a nível orçamentário, no tamanho da organização, mas, sobretudo, naquilo a que se propõem. Há organismos que perseguem um fim geral (ONU e OEA), bem como há os que defendem uma finalidade específica, que pode ser de cunho econômico (BIRD, BID, etc), social e humanitário (OIT, UNICEF, etc) e científico (PNUD, etc).
Daí se conclui que a imunidade de jurisdição das organizações internacionais há de ser examinada à luz dos compromissos assumidos por tais entes, os quais, ressalte-se, reconhecem, em sua grande maioria, aludido privilégio tanto para o processo de conhecimento como para o de execução.
Por oportuno, trago à baila a Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas (-Convenção de Londres-), ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 27.784/1950, que, recepcionado pela Constituição Federal, assim dispõe na Seção II do Artigo II:
-Seção 2 - A Organização das Nações Unidas, seus bens e haveres, qualquer que seja sua sede ou o seu detentor, gozarão da imunidade de jurisdição, salvo na medida em que a Organização a ela tiver renunciado em determinado caso. Fica, todavia, entendido que a renúncia não pode compreender medidas executivas-.
Tal privilégio resta igualmente assegurado na Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Agências Especializadas das Nações Unidas, que foi incorporada pelo Brasil por meio do Decreto nº 52.288/1963, bem como no Acordo Básico de Assistência Técnica com as Nações Unidas e suas Agências Especializadas, promulgado pelo Decreto nº 59.308/1966.
Tais documentos demonstram que, em princípio, a ONU e suas agências especializadas são detentoras do privilégio da imunidade de jurisdição em relação ao processo de conhecimento. Diga-se em princípio, porque, como visto, tal prerrogativa pode ser objeto de expressa renúncia.
Embora muitos defendam, à guisa do que se verificou com os Estados estrangeiros, a necessidade de relativização da imunidade conferida aos organismos internacionais, penso que tal mitigação não é possível. Isso porque, no caso dos organismos, a imunidade de jurisdição não encontra amparo na praxe internacional. Decorre, sim, de expressa previsão em norma internacional, de sorte que sua inobservância representaria, em última análise, a quebra de um pacto internacional, que acarretará, sem dúvida, enorme instabilidade das relações na comunidade internacional.
Afora isso, não se justifica, a meu ver, a relativização da imunidade dos organismos internacionais com base no critério adotado em relação aos Estados estrangeiros, pautado na distinção entre atos de império e de gestão.
Tal critério mostra-se totalmente inadequado aos organismos internacionais, considerando que tais entes, por não serem detentores de soberania, elemento típico dos Estados, sequer são capazes de praticar atos de império.
Neste sentido, inclusive, foi o voto proferido recentemente, em 07.05.2009, pela Exm.ª Ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários nºs 578.543 e 597.368, hoje suspenso em virtude de pedido de vista regimental.
Registre-se que nesses dois casos, envolvendo trabalhador brasileiro contratado pelo PNUD/ONU, a decisão da Ministra Relatora foi no sentido de que os organismos internacionais são detentores de imunidade de jurisdição e execução quando embasados em acordos e tratados internacionais e que o acórdão do TST, ao afastar referido privilégio, afrontou a literalidade do disposto nos artigos 5º, § 2º, e 114 da Constituição Federal. Afirmou, também, que a decisão proferida na Apelação Cível 9696-3 do STF, em que ficou reconhecida a imunidade relativa dos Estados, não abrange os organismos internacionais, que diferem dos países por não possuírem território, tampouco governo.
Nesse sentido, também, trago precedente da egrégia SBDI-1, em que fui redator designado:
-EMBARGOS. INTIMAÇÃO DO ENTE PÚBLICO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.496/2007. CIÊNCIA EM 24.08.2007. IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. ORGANISMOS INTERNACIONAIS. ONU/PNUD. Diferentemente dos Estados estrangeiros, que atualmente têm a sua imunidade de jurisdição relativizada, segundo entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal, os organismos internacionais permanecem, em regra, detentores do privilégio da imunidade absoluta. 2. Os organismos internacionais, ao contrário dos Estados, são associações disciplinadas, em suas relações, por normas escritas, consubstanciadas nos denominados tratados e/ou acordos de sede. Não têm, portanto, a sua imunidade de jurisdição pautada pela regra costumeira internacional, tradicionalmente aplicável aos Estados estrangeiros. Em relação a eles, segue-se a regra de que a imunidade de jurisdição rege-se pelo que se encontra efetivamente avençado nos referidos tratados de sede. 3. No caso específico da ONU, a imunidade de jurisdição, salvo se objeto de renúncia expressa, encontra-se plenamente assegurada na Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, também conhecida como "Convenção de Londres", ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 27.784/1950. Acresça-se que tal privilégio também se encontra garantido na Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Agências Especializadas das Nações Unidas, que foi incorporada pelo Brasil por meio do Decreto nº 52.288/1963, bem como no Acordo Básico de Assistência Técnica com as Nações Unidas e suas Agências Especializadas, promulgado pelo Decreto nº 59.308/1966. 4. Assim, porque amparada em norma de cunho internacional, não podem os organismos, à guisa do que se verificou com os Estados estrangeiros, ter a sua imunidade de jurisdição relativizada, para o fim de submeterem-se à jurisdição local e responderem, em conseqüência, pelas obrigações contratuais assumidas, dentre elas as de origem trabalhista. Isso representaria, em última análise, a quebra de um pacto internacional, cuja inviolabilidade encontra-se constitucionalmente assegurada (art. 5º, § 2º, da CF/88). 5. Embargos conhecidos, por violação ao artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal, e providos para, reconhecendo a imunidade absoluta de jurisdição da ONU/PNUD, restabelecer o acórdão regional, no particular.- (E-RR-90000-49.2004.5.10.0019, Redator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, SBDI-1, DEJT de 04/12/2009)-
Ainda, os recentes julgados oriundos de Turmas desta colenda Corte Superior:
-RECURSO DE REVISTA. IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. ORGANISMO INTERNACIONAL. A controvérsia quanto à existência, ou não, de imunidade absoluta de jurisdição de organismos internacionais já foi superada diante do recente posicionamento da SBDI-1, no sentido de que os organismos internacionais gozam de imunidade absoluta de jurisdição. Precedentes da SBDI-1. Conhecido e provido-. (RR-170240-88.2005.5.01.0003, Relator Ministro: Emmanoel Pereira, 5ª Turma, DEJT de 11/02/2011)
-RECURSO DE REVISTA. ORGANISMO INTERNACIONAL. IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. O entendimento deste Relator é no sentido de que os Organismos Internacionais não detêm imunidade absoluta de jurisdição, especialmente quando a lide se relacionar à matéria trabalhista. Entretanto, recentemente a SBDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho, entendeu que, como os Organismos Internacionais são associações disciplinadas por normas escritas, a questão deve ser analisada com base nos acordos e tratados internacionais que as regulam e que foram ratificados pela República Federativa do Brasil - no caso, os Decretos nos 27.784/50, 52.288/63 e 59.308/66. Assim, ressalvado entendimento pessoal deste Relator, e como esses tratados asseguram imunidade absoluta de jurisdição aos Organismos Internacionais regulados por eles, não é possível mitigá-los (TST-E-ED-RR-900/2004-019-10-00.9, Redator Designado Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos). Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.- (RR-10540-15.2005.5.10.0007, Relator Ministro: Pedro Paulo Manus, 7ª Turma, DEJT de 11/02/2011)
-RECURSO DE REVISTA. IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. ORGANISMO INTERNACIONAL. Conforme jurisprudência desta Corte, os organismos internacionais são beneficiários de imunidade de jurisdição absoluta (E-ED-RR-900/2004-019-10-00-9). Ressalva de ponto de vista do Relator. Recurso de revista conhecido e provido.- (RR-142200-08.2009.5.10.0003 , Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, DEJT de 11/02/2011)
-AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PRELIMINAR DE NULIDADE PROCESSUAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO - ORGANISMO INTERNACIONAL - UNESCO. DECISÃO DENEGATÓRIA. MANUTENÇÃO. Ressalvado o entendimento deste Relator (no sentido de que a Constituição não acolhe semelhante privilégio a entes estatais internacionais, principalmente na seara de direitos humanos, econômicos e sociais), a colenda SBDI-1, na sessão do dia 3/9/2009, no julgamento do processo TST -E-ED-RR-900/2004-019-10.00.9, reconheceu a imunidade absoluta de jurisdição dos Organismos Internacionais, quando assegurada por norma internacional ratificada pelo Brasil. Assim, não há como assegurar o processamento do recurso de revista quando o agravo de instrumento interposto não desconstitui os fundamentos da decisão denegatória, que subsiste por seus próprios fundamentos. Agravo de instrumento desprovido.- (AIRR-110140-36.2006.5.10.0019, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 6ª Turma, DEJT de 04/02/2011).
Desta forma, penso que a egrégia Corte Regional, ao afastar a imunidade de jurisdição absoluta reconhecida em relação à UNESCO, afrontou o artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal, que expressamente assegura a inviolabilidade dos tratados internacionais nos quais a República Federativa do Brasil figure como signatária.
Conheço, pois, dos recursos de revista, por afronta ao artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal.
2. MÉRITO
2.1. IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO DA UNESCO
Como conseqüência do conhecimento dos recursos de revista por afronta ao artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal, dou-lhes provimento para, reconhecendo a imunidade absoluta de jurisdição da UNESCO, extinguir o processo sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, VI, do CPC. Prejudicado o exame dos demais temas.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer dos recursos de revista da UNESCO e da União, por violação do artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal, e, no mérito, dar-lhes provimento para reconhecendo a imunidade absoluta de jurisdição da UNESCO, extinguir o processo sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, VI, do CPC. Prejudicado o exame dos demais temas.
Brasília, 30 de março de 2011.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
CAPUTO BASTOS
Ministro Relator
1 EMENTA: - Estado estrangeiro.Imunidade de jurisdição. Causa trabalhista.
1. Não há imunidade de jurisdição para o Estado estrangeiro, em causa de natureza trabalhista.
Em princípio, esta deve ser processada e julgada pela Justiça do Trabalho, se ajuizada depois do advento da Constituição Federal de 1988 (art. 114).
Na hipótese, porém, permanece a competência da Justiça Federal, em face do disposto no parágrafo 10 do art. 27 do A.D.C.T da Constituição Federal de 1988, c/c art. 125, II, da EC nº 1/69.
Recurso extraordinário conhecido e provido pelo Supremo Tribunal Federal para se afastar a imunidade de jurisdição reconhecida pelo Juízo Federal de 1º Grau, que deve prosseguir no julgamento da causa, como de direito.
(ACi nº 9696-3-SP, Relator Ministro Sydney Sanches, publicado no DJ. 12.10.90 e republicado no DJ. 24.10.90).
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