Dívida
STJ - Venda de bem apreendido sem comunicação ao fiador cessa a fiança
A empresa afirmou que, diante de inadimplência, foi constituído devedor em mora e promovida a busca e apreensão do bem, que foi vendido no valor de R$ 10 mil. Mesmo após a venda, alegou que havia ainda um débito de R$ 19.902,90.
Em primeira instância, o juízo julgou parcialmente procedente o pedido para condenar os réus ao pagamento de 51,4% do valor do bem, que em 1999 representava quase R$ 29 mil. Os réus apelaram e o TJ/SP negou provimento aos recursos.
Uma vez no STJ, o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso, afirmou que embora o fiador tenha assinado o contrato garantindo a obrigação fiduciária, essa responsabilidade não vigora após a venda extrajudicial do bem, sem que o fiador seja comunicado dessa operação pelo credor. Disse: "Não tendo sido o fiador cientificado acerca da alienação, a obrigação de pagamento do saldo é pessoal do devedor, desaparecendo a garantia de fiança".
Outras questões foram levantadas no recurso, porém o relator não julgou seu mérito, como a violação de dispositivos constitucionais. Assim, o recurso foi apenas parcialmente provido, afastando a responsabilidade do fiador, confirmando o entendimento de que a obrigação de saldar a dívida é exclusiva do devedor principal.
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Processo Relacinado : Resp 749199 - clique aqui.
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RECURSO ESPECIAL Nº 749.199 - SP (2005/0077589-0)
RECORRENTE : DONIZETE APARECIDO DA COSTA E OUTRO
ADVOGADO : ZULEICA RISTER E OUTRO(S)
RECORRIDO : GAPLAN ADMINISTRADORA DE BENS S/C LTDA
ADVOGADO : EDUARDO SILVEIRA ARRUDA E OUTRO(S)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
1. Cuida-se de ação de cobrança ajuizada por Gaplan Administradora de Bens S/C Ltda em face de Donizete Aparecido da Costa e Valdivino da Costa. Informa a autora que é administradora de consórcio, ao qual aderiu o primeiro réu, Donizete, sendo fiador o segundo, Valdivino. Afirma que, diante da inadimplência, foi constituído o devedor em mora e promovida a busca e apreensão do bem, em seguida a venda do veículo pelo valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Alega, contudo, que o débito persiste no valor de R$ 19.902,90 (dezenove mil, novecentos e dois reais e noventa centavos).
O Juízo de primeira instância julgou parcialmente procedente o pedido "para condenar os réus ao pagamento, em favor da autora, do equivalente a 51,4627% do valor do bem que, em agosto de 1999, representava R$ 28.725,00 (vinte e oito mil, setecentos e vinte e cinco reais), bem como da multa moratória de 10% (dez por cento) e dos juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, previstos no regulamento do consórcio", além dos ônus sucumbenciais (fls. 154/159).
Os réus apelaram (fls. 163/169).
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou provimento ao recurso, conforme a seguinte ementa:
NEGÓCIO FIDUCIÁRIO. Veículo adquirido pelo sistema de consórcio (trator agrícola). Inadimplência. Ajuste resolvido, em ação de busca e apreensão. Venda extrajudicial do bem, com o trânsito em julgado. Procedimento autorizado, na forma do art. 2º, do Dec. lei 911/69. validade. Cobrança do saldo devedor contra consorciado-inadimplente e respectivo fiador (responsabilidade solidária). Perícia contábil, confirmando o crédito do fundo consorcial. Multa de mora. Percentual menor (dois por cento), previsto em norma consumeirista. inaplicabilidade à espécie. Contrato e interregno moratório, anteriores à inovação mais benéfica (Lei n. 9.298/96). Sentença mantida (procedência parcial). Recurso dos réus. Desprovimento.
(fls. 238/241)Opostos embargos de declaração (fls. 243/246), foram rejeitados (fls. 250/252).
Inconformados, os réus interpuseram recurso especial (fls. 254/278), fundado nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, alegando, em síntese:
a) violação ao art. 535, I e II, do CPC e ao art. 93, IX, da CF, pois os embargos de declaração foram equivocadamente rejeitados sem suprir as assinaladas omissões, contradições e obscuridades;
b) violação aos arts. 1.503, II, do CC/16, 66, § 5º, da lei 4728/65, 6º do decreto Lei n. 911/69, 267, § 3º e 838, II do CC/2002, pois ficou demonstrado nos autos que, embora tenha o fiador assinado o contrato garantindo a obrigação fiduciária, tal responsabilidade não vigora após a venda extrajudicial do bem, levada a efeito sem sua cientificação;
c) existência de dissídio jurisprudencial.
Contrarrazões às fls. 337/339.
Admitido o recurso especial pelo tribunal de origem (fls. 341/342), subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. NEGÓCIO FIDUCIÁRIO. CONSÓRCIO. BUSCA E APREENSÃO. VENDA EXTRAJUDICIAL DO BEM. EXISTÊNCIA DE SALDO DEVEDOR.
1. Não há falar em violação ao art. 535 do Código de Processo Civil. O Eg. Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que venha examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes.
2. A falta de prequestionamento em relação aos arts. 1.503, II, do CC/16, 66, § 5º, da Lei 4728/65, 6º do Decreto Lei n. 911/69, 267, § 3º e 838, II do CC/2002 impede o conhecimento do recurso especial.
Incidência da súmula 211/STJ.
3. Após a venda extrajudicial do bem garantido por alienação fiduciária, não tendo sido o fiador cientificado acerca da alienação, a obrigação de pagamento do saldo é pessoal do devedor, desaparecendo a garantia da fiança.
4. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. Por primeiro, realço que descabe a esta Corte apreciar violação a dispositivos constitucionais, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.
Nesses termos, os seguintes julgados: AgRg no Ag 703.474/SP, Rel. Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 02/09/2008, DJe 29/09/2008; REsp 623.770/SC, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/02/2008, DJe 13/03/2008.
3. Ademais, não há falar em violação ao art. 535 do Código de Processo Civil.
O Eg. Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que venha examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes.
Basta que o órgão julgador decline as razões jurídicas que embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais. Ademais, não há omissão quando o julgador adota outro fundamento que não aquele perquirido pela parte (AgRg no Ag 428.554/RJ, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/06/2003, DJ 12/08/2003 p. 219; REsp 726.408/DF, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe 18/12/2009; REsp 679.135/GO, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe 08/02/2010).
4. Verifica-se, também, que os arts. 1.503, II, do CC/16, 66, § 5º, da Lei 4728/65, 6º do Decreto Lei n. 911/69, 267, § 3º e 838, II do CC/2002, não foram objeto de debate no acórdão recorrido. Desatendido, portanto, o requisito do prequestionamento, nos termos da súmula 211/STJ.
Para que se configure o prequestionamento, é necessário que o Tribunal a quo se pronuncie especificamente sobre a matéria articulada pelo recorrente, emitindo juízo de valor em relação aos dispositivos legais indicados e examinando a sua aplicação ou não ao caso concreto, o que não ocorreu no presente caso (AgRg no Ag 998.033/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 07/08/2008, DJe 25/08/2008; AgRg no Ag 985.902/PR, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 06/05/2008, DJe 26/05/2008; EDcl no Ag 894.040/SP, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 20/11/2007, DJ 03/12/2007 p. 322).
5. Contudo, no tocante à alínea "c" do permissivo constitucional, merece conhecimento o recurso especial.
De fato, é incontroverso nos autos que a alienação extrajudicial ocorreu após quatro anos contados da apreensão, inexistindo ciência ao fiador quando da venda do veículo, de modo a permitir-lhe a subrogação.
Com efeito, conforme demonstrado pelo ora recorrente, esta Corte Superior decidiu que, após a venda extrajudicial do bem, não tendo sido o fiador cientificado acerca da alienação, a obrigação de pagamento do saldo é pessoal do devedor, desaparecendo a garantia da fiança.
Nesse sentido os seguintes precedentes:
PROCESSO CIVIL E CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. FIADOR. COBRANÇA. CONDIÇÕES DA AÇÃO. ILEGITIMIDADE, CONHECIMENTO DE OFÍCIO. JUROS MORATÓRIOS. A teor do disposto no art. 267, § 3º, do Código de Processo Civil, enquanto não esgotado seu mister jurisdicional, pode e deve o juiz conhecer de ofício as questões referentes às condições da ação, entre as quais se encontra a legitimidade das partes para a causa. Não sendo o fiador cientificado que os bens apreendidos serão alienados, para que possa eventualmente quitar a dívida com sub-rogação, a obrigação do saldo remanescente é do devedor principal, desaparecendo a garantia da fiança.
São devidos os juros moratórios até a taxa de 1% ao mês, se pactuados.
Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.
(REsp 533.733/RS, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 09/09/2003, DJ 28/10/2003, p. 294)__________________________
ALIENAÇÃO FIDUCIARIA. FIADOR. ALIENAÇÃO DO BEM. - APOS A VENDA EXTRAJUDICIAL DO BEM, SEM A PARTICIPAÇÃO DO DEVEDOR, A OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DO SALDO E PESSOAL DO DEVEDOR, DESAPARECENDO A GARANTIA DA FIANÇA. ART. 66, PAR. 5. DA LEI 4.728/1965.
- EMBARGOS PROVIDOS.
(EREsp 49.086/MG, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/06/1997, DJ 10/11/1997, p. 57695)__________________________
Alienação fiduciária em garantia. Legitimidade do fiador. Não se exime da responsabilidade o fiador, quando, ocorrendo busca e apreensão, o bem é vendido pelo credor, mas o valor não é suficiente para cobrir o débito, existindo saldo devedor remanescente.
Interpretação do artigo 66 da Lei 4.728/65, na redação do Decreto-lei 911.
Necessidade, entretanto, de que seja ele cientificado, pelo credor, de que o bem será vendido, para que possa pagar o débito, sub-rogando-se no crédito e na garantia. Isso não se fazendo, não poderá ser responsabilizado pelo débito remanescente.
(REsp 140.894/PR, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/06/2000, DJ 19/03/2001, p. 73)_________________________
Alienação fiduciária. Cobrança de saldo residual. Garantes. A venda extrajudicial do bem alienado fiduciariamente não leva, por si, à extinção da responsabilidade dos garantes pelo pagamento do saldo devedor remanescente. Indispensável, entretanto, que o credor dê a eles prévia ciência de que vai alienar o bem, por determinado preço.
(REsp 178.255/PR, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 29/06/2000, DJ 28/08/2000, p. 76)___________________________
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. VEÍCULO APREENDIDO E VENDIDO EXTRAJUDICIALMENTE. SALDO. FIADOR. - "Após a venda extrajudicial do bem, sem a participação do devedor, a obrigação de pagamento do saldo é pessoal do devedor, desaparecendo a garantia da fiança" (EREsp nº 49.086-MG).
- Recurso especial não conhecido.
(REsp 254.408/MG, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 01/03/2001, DJ 04/06/2001, p. 158)6. Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e, nesta parte, dou-lhe provimento para afastar a responsabilidade do fiador, mantido o acórdão recorrido quanto ao mais. Em relação ao fiador, Valdivino, ônus sucumbenciais invertidos.
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