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TJ/SP - Feriado da Consciência Negra não ofende lei federal

A 3ª vara da Fazenda Pública da capital negou pedido do Sincopeças - Sindicato do Comércio Varejista de Peças e Acessórios para Veículos de São Paulo que pretendia funcionar no feriado do Dia da Consciência Negra. A alegação da entidade era de que o feriado municipal ofendia a ei Federal 9.093/95, que atribui aos municípios a competência para a instituição de feriados exclusivamente religiosos.

15/3/2011


Datas comemorativas

TJ/SP - Feriado da Consciência Negra não ofende lei Federal

A 3ª vara da Fazenda Pública da capital negou pedido do Sincopeças - Sindicato do Comércio Varejista de Peças e Acessórios para Veículos de São Paulo, o qual pretendia que seus associados pudessem funcionar no feriado do Dia da Consciência Negra. A alegação da entidade era de que o feriado municipal ofendia a lei Federal 9.093/95 (clique aqui), que atribui aos municípios a competência para a instituição de feriados exclusivamente religiosos.

Para o juiz Luis Fernando Camargo de Barros Vidal, "sob o aspecto quantitativo, a lei municipal não estabelece qualquer embaraço à vigência da lei federal, posto que observa o número de quatro feriados que pode definir de acordo com a sua competência e conforme suas tradições locais".

De acordo com a decisão do magistrado, se a questão fosse interpretada na literalidade da lei Federal, o município não poderia estabelecer o feriado, uma vez que não se trata de data religiosa. No entanto, por tratar de data comemorativa à consciência negra, a questão ganha status constitucional que, em seu art. 215 (clique aqui), garante o exercício dos direitos culturais e a fixação de datas comemorativas de alta significância para os diferentes segmentos étnicos nacionais.

"Tendo a lei municipal de São Paulo observado a limitação da instituição de quatro feriados, adequando-se assim aos limites de intervenções delegadas pela lei federal nos domínios das relações de trabalho e civis em geral, não há qualquer ilegalidade em estabelecer, ao invés de um feriado religioso, outro de caráter étnico-cultural de prestígio nacional", afirma o magistrado.

Além disso, diz o juiz que "o sindicato autor, certamente inadvertidamente, objetiva provimento que implica em restrição no reconhecimento e gozo de direito social e cultural da população negra".

Cabe recurso da decisão, que foi proferida no último dia 9.

Veja abaixo a íntegra da decisão.

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SENTENÇA

Processo nº: 0036117-16.2009.8.26.0053

Classe - Assunto Procedimento Sumário - Assunto Principal do Processo << Nenhuma informação disponível >>

Requerente: Sindicato do Comércio Varejista de Peças Acessorios para Veículos no Estado de São Paulo - Sincopeças

Requerido: Municipalidade de São Paulo

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luis Fernando Camargo de Barros Vidal

Vistos.

I - Trata-se de ação ordinária promovida por SINDICATO DO COMÉRCIO VAREJISTA DE PEÇAS E ACESSÓRIOS PARA VEÍCULOS NO ESTADO DE SÃO PAULO – SINCOPEÇAS contra a PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. Aduz em síntese que a instituição do Dia da Consciência Negra como feriado municipal pela Lei n.º 13.707/2004 ofende o disposto na Lei Federal n.º 9.093/1995, que atribuiu aos municípios a competência para a instituição de feriados exclusivamente religiosos, com o que ainda ofende a competência da União para legislar sobre direito trabalhista, dados os reflexos da data em questão (art. 22, inciso I, da Constituição Federal). Pede, pois, provimento antecipado e final que garanta aos seus o funcionamento ao abrigo do poder de polícia municipal. A inicial veio acompanhada de documentos.

Diferido o exame da tutela antecipada para melhor oportunidade, a requerida ofertou contestação na qual em síntese argumenta que a matéria é regida pela Lei n.º 14.485/2007 cujo fundamento de validade é a autonomia municipal consagrada no art. 30, inciso I, da Constituição Federal, como reconhecido pelo C. STF no julgamento do RE n.º 251.470, e que atende ao disposto no art. 215, § 2.º, da Constituição Federal, que dispõe sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os segmentos étnicos nacionais.

Houve réplica e facultou-se a manifestação do Ministério Público.

É o relatório. Decido.

Conheço diretamente do pedido nos termos do art. 330, inciso I, do CPC, pois a solução da questão controvertida demanda exclusivamente exame de matéria de direito.

A Lei Federal n.º 9.093/95 assim dispõe:

Art. 1º São feriados civis:

I - os declarados em lei federal;

II - a data magna do Estado fixada em lei estadual.

III - os dias do início e do término do ano do centenário de fundação do Município, fixados em lei municipal.

Art. 2º São feriados religiosos os dias de guarda, declarados em lei municipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-Feira da Paixão.

Como se lê, o art. 2.º da lei federal atribui aos municípios a competência para definir até quatro feriados, sem embargo dos reflexos nas relações de trabalho e civis alegadas pelo sindicato autor.

A Lei Municipal n.º 14.485/2007, assim dispõe sobre os feriados de atribuição do Município de São Paulo:

Art. 9º Fica instituído o feriado municipal do Dia da Consciência Negra, a ser comemorado todos os dias 20 de novembro.

Art. 10. São considerados feriados no Município da Capital, para efeito do que determina o art. 2° da Lei Federal n° 9.093, de 12 de setembro de 1995, os dias 25 de janeiro, 02 de novembro, 20 de novembro, sexta-feira da Semana Santa e Corpus Christi.

Como se lê, a lei local institui quatro feriados como autorizados pela lei federal, além daquele relativo ao centenário de sua fundação e previsto no inciso III do art. 1.º da Lei Federal.

Logo, não é difícil perceber que, sob o aspecto quantitativo, a lei municipal não estabelece qualquer embaraço à vigência da lei federal, posto que observa o número de quatro feriados que pode definir de acordo com a sua competência e conforme suas tradições locais.

Deste modo, resta claro que o ponto central da irresignação do sindicato autor reside no fato de que o feriado em questão não é religioso, e sim civil.

Sob o prisma da estrita literalidade da lei, de fato não haveria como sustentar a possibilidade do município estabelecer a observância do feriado da Consciência Negra, posto que não se trata de data religiosa, concluindo-se pela existência de conflito no plano infraconsticional.

Neste sentido já se pronunciou o C. STF nos autos da ADIN n.º 3069-9, em hipótese que tratava de data comemorativa dos comerciários, data, porém, sem qualquer relevo constitucional.

No caso presente, é de se ponderar que a hipótese não cuida de data comemorativa qualquer, mas sim da Consciência Negra, cuja significância tem status constitucional, como se lê no art. 215 da Carta Política:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

§ 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

§ 2º - A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.

Deste modo, à luz do dispositivo constitucional em questão, é possível vislumbrar que a comemoração da Consciência Negra tem fundamento constitucional, o que impõe à hipótese mais que a mera literalidade da lei, e amplia a análise o conflito de normas para o ambiente constitucional.

Ao autorizar os municípios a instituir feriados sob o discrímen da religião, a lei federal empresta ao valor constitucional de liberdade de culto alcance que não cabe aqui problematizar, mas que deve ser reconhecido igualmente em favor da manifestação étnica, de expresso relevo constitucional como visto, interpretando-se o comandando do art. 2.º da Lei Federal n.º 93.095/95 por extensão, como continente não apenas de datas religiosas, mas de quaisquer outras que tenham reconhecimento constitucional expresso.

Anote-se, aqui, que a leitura da Constituição Federal não permite encontrar qualquer referência a datas comemorativas religiosas que permitisse ao legislador, e depois ao juiz, conceder à religião algum prestígio diverso daquele aqui reconhecido em favor da Consciência Negra.

Logo, tendo e lei municipal de São Paulo observado a limitação da instituição de quatro feriados, adequando-se assim aos limites de intervenções delegadas pela lei federal nos domínios das relações de trabalho e civis em geral, não há qualquer ilegalidade em estabelecer, ao invés de um feriado religioso, outro de caráter étnicocultural de prestígio constitucional.

Só esta interpretação é capaz de vencer a perplexidade do juízo expressada ao tempo do exame da tutela antecipada requerida, como se lê:

Sem embargo da rigorosa argumentação contida na inicial, tenho que a hipótese sugere a prévia oferta de resposta para o exame dos pressupostos da medida antecipatória requerida, pois:

A) os efeitos de sua concessão são irreversíveis;

B) há problema de autonomia do ente federado a ser considerado;

e,

C)há que melhor se compreender na hipótese a eleição do dia da consciência negra como abundante no rol da Lei Municipal (que institui o 5º feriado além dos 4 religiosos previstos na Lei Federal), considerado que poder local não haveria mesmo de se limitar a feriados religiosos dado o caráter laico do estado brasileiro.

Como se verifica, causou estranheza o questionamento do Dia da Consciência Negra como aquele injurídico à luz do rol da Lei Federal, tendo em vista em vista que o caráter laico do estado brasileiro ensejaria de igual modo questionar o estabelecimento de feriados religiosos.

Após a referida decisão, foi promulgado e entrou em vigor o Estatuto da Igualdade Racial (Lei n.º 12.288/2010), cujo art. 1.º assim dispõe, no que interessa:

Art. 1º Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica.

Parágrafo único. Para efeito deste Estatuto, considera-se:

I - discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada;

Não é difícil perceber que, no manejo da ação, especificamente ao delimitar o seu objeto no Dia da Consciência Negra, sem problematizar os feriados religiosos, o sindicato autor, certamente inadvertidamente, objetiva provimento que implica em restrição no reconhecimento e gozo de direito social e cultural da população negra, e brasileira em geral que lhe devota o reconhecimento da importância conforme os termos do citado art. 215 da Constituição Federal, de modo que, efetivamente, a interpretação acima delineada é a única capaz de conciliar.

O mais seria conceber, na essência da linha de argumentação do sindicato autor, que dentre nós ainda vigem os preceitos excludentes das Ordenações Manuelinas, cujo Livro I, Título LXXVIII, obrigava a observância da festa religiosa do Corpo de Deus, com prejuízo de qualquer incursão republicana no reconhecimento da Consciência Negra.

Assim, a ação é improcedente, não havendo, por consequência, que se cogitar de tutela antecipada.

Pelo exposto, julgo improcedente a ação e condeno o autor ao pagamento das custas e dos honorários de advogado que fixo em R$ 10.000,00 nos termos do art. 20, § 4.º, do CPC.

P.R.I.

São Paulo, 09 de março de 2011.

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