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TRT/RS - Assédio sexual via MSN gera indenização por dano moral
No recurso contra decisão do primeiro grau, proferida pela juíza Odete Carlin, da vara do Trabalho de Cruz Alta, a empresa alegou que a autora e o assediador tinham a mesma posição hierárquica, exercendo a função de vendedores. Preliminarmente, o relator do acórdão, desembargador Fabiano Castilhos Bertolucci, destacou que embora o assédio sexual normalmente decorra da relação de poder entre as partes, isso não é essencial para sua configuração. Mesmo assim, sublinhou o magistrado, o preposto da reclamanda confirmou que o assediador tinha uma posição diferenciada na empresa, por ser o mais antigo. Ele orientava outros vendedores e tinha influência até mesmo na admissão de empregados.
Em depoimento, um gerente da revenda informou que a reclamante apresentou a ele o histórico impresso das conversas do MSN. O assediador estava presente e argumentou que tudo era uma brincadeira. O mesmo gerente também confirmou que o vendedor foi despedido devido ao episódio. Para o desembargador, essa informação corroborou com a tese da reclamante. "Como se vê, os elementos de prova dos autos apontam para a ocorrência do episódio de assédio sexual no contexto do contrato de trabalho, em afronta à liberdade sexual da empregada e demais direitos de sua personalidade".
Cabe recurso.
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Processo : 0130700-29.2009.5.04.0611 - clique aqui.
Veja abaixo a íntegra do acórdão.
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EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO. ASSÉDIO SEXUAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. O assédio sexual é conduta tipificada no artigo 216-A do Código Penal, como crime contra a liberdade sexual. Do ponto de vista do Direito do Trabalho, no entanto, o assédio sexual deve ser entendido sob ótica mais ampla, considerando-se a reiteração de condutas repelidas pelo empregado que violem a sua liberdade sexual, não se restringindo às hipóteses de intimidação por superior hierárquico. Assim, muito embora o assédio no âmbito das relações de trabalho usualmente decorra da relação de poder entre as partes, ao contrário do que afirma a recorrente como principal tese de suas razões recursais, este não constitui elemento essencial na sua configuração. De qualquer sorte, no caso, tanto o assédio como a condição de superior hierárquico do assediador em relação à reclamante restaram devidamente comprovados nos autos, razão pela qual resta devida a indenização por danos morais decorrentes de assédio sexual.
VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pela MM. Juíza Odete Carlin, da Vara do Trabalho de Cruz Alta, sendo recorrente SAVANA VEÍCULOS LTDA. e recorrida GENESCA SANTIAGO E SOUZA HENRIQUES.
Inconformada com a sentença das fls. 106/109, que julgou procedente em parte a ação, a reclamada interpõe recurso ordinário (fls. 112/126).
Aduz, preliminarmente, a incompetência da Justiça do Trabalho para apreciação do presente feito e a carência de ação por ilegitimidade passiva. No mérito, volta-se contra as condenações ao pagamento de indenização por danos morais decorrente de assédio sexual e multa do artigo 477, §8o, da CLT.
Com contrarrazões, sobem os autos a este Tribunal.
É o relatório.
ISTO POSTO:
INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO EM RAZÃO DA MATÉRIA
A reclamada renova a arguição de incompetência em razão da matéria. Aduz não ser a Justiça do Trabalho competente para o julgamento de ação envolvendo o pedido de indenização por danos morais decorrente da alegação de assédio sexual por colega de trabalho, sem subordinação hierárquica perante a autora. Sustenta que a pretensão não diz respeito à relação de emprego, e sim à ação de colega de trabalho que não teria agido de forma adequada, sendo necessário observar as partes envolvidas, a causa de pedir e o pedido formulados, os quais não se enquadram na competência desta Justiça do Trabalho.
Sem razão.
Nos termos do artigo 114, I, da Constituição, observada a nova redação decorrente da EC 45/04, a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as lides decorrentes da relação de trabalho, fixando-se critério material e objetivo de competência. De forma mais específica, o inciso VI do referido artigo dispõe acerca da competência para processar e julgar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho.
A aferição de tal pressuposto processual se dá, como é cediço, com base na teoria da asserção, tomando por base os elementos aduzidos na inicial.
No caso, a pretensão de indenização formulada pela reclamante encontra-se amparada em suposto dano moral sofrido durante a relação de emprego mantida com a reclamada em decorrência de assédio sexual por parte de seu colega de trabalho. Trata-se, como se vê, de pretensão fundada diretamente na relação de emprego mantida entre as partes, razão pela qual é inconteste a competência desta Justiça para julgamento do presente feito.
As demais alegações da recorrente confundem-se com o próprio mérito da ação, e como tal serão analisadas.
Rejeita-se.
CARÊNCIA DE AÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM
Repisa a reclamada a arguição de ilegitimidade passiva ad causam. Argumenta que a relação da autora e do suposto causador do dano decorrente do assédio sexual narrado na inicial era de colegas de trabalho, sem relação hierárquica, razão pela qual entende ser parte ilegítima para figurar no pólo passivo da presente ação. Postula a extinção do feito sem resolução do mérito, com fulcro no artigo 267 do CPC.
Os fundamentos apresentados pela recorrente, já trazidos na defesa, envolvem a própria discussão sobre a existência, ou não, de dano moral por assédio sexual decorrente da relação de trabalho e da sua responsabilidade, matéria que deve ser esgotada em sede de exame de mérito, tal como bem apreendido pelo Juízo de origem. E também é matéria de mérito o exame da situação funcional da reclamante e do outro empregado indicado na inicial como assediador, não sendo pertinente sua análise como condições da ação.
Rejeita-se.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASSÉDIO SEXUAL
Volta-se a reclamada contra a condenação ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes de assédio sexual, sustentando que a sentença restou amparada “mais na teatral atuação da recorrida em audiência, do que na prova efetivamente produzida nos autos”. Alega, em síntese, que o que efetivamente balizou a decisão proferida foi o choro da recorrida em audiência e não a documentação trazida aos autos, a qual demonstrava a igualdade de condições hierárquicas entre o dito assediador e a autora.
Não merece reparo a decisão.
O assédio sexual é conduta tipificada no artigo 216-A do Código Penal, como crime contra a liberdade sexual, consistente em:
“Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.”
Do ponto de vista do Direito do Trabalho, no entanto, o assédio sexual deve ser entendido sob ótica mais ampla, considerando-se a reiteração de condutas repelidas pelo empregado que violem a sua liberdade sexual, não se restringindo às hipóteses de intimidação por superior hierárquico.
Neste sentido, oportuna a lição de Alice Monteiro de Barros:
“Distinguem-se o assédio sexual por intimidação (“assédio ambiental”), que é o mais genérico, e o “assédio sexual por chantagem” (...). O primeiro caracteriza-se por incitações sexuais importunas, ou por outras manifestações da mesma índole, verbais ou físicas, com o efeito de prejudicar a atuação laboral de uma pessoa ou de criar uma situação ofensiva, hostil, de intimidação ou abuso no trabalho. Já o “assédio sexual por chantagem” traduz, em geral, exigência formulada por superior hierárquico a um subordinado para que se preste à atividade sexual, sob pena de perder o emprego ou benefícios advindos da relação de emprego.” (in Curso de Direito do Trabalho, 4ª Ed., São Paulo, LTr, 2008, pág. 936)
Assim, muito embora o assédio no âmbito das relações de trabalho usualmente decorra da relação de poder entre as partes, ao contrário do que afirma a recorrente, como principal tese de suas razões recursais, este não constitui elemento essencial na sua configuração.
De qualquer sorte, tanto o assédio como a condição de superior hierárquico do assediador (Luis) em relação à reclamante restaram devidamente comprovados nos autos, como se depreende da prova oral produzida.
O preposto, em seu depoimento às fls. 103/104, confirmou que, apesar de exercerem formalmente a mesma função, como vendedores, Luis tinha posição diferenciada, afirmando que “por ser o vendedor mais antigo, ensinava e dava instruções aos outros vendedores” e que a ele cabia indicar o pessoal para ser admitido no departamento de vendas da filial de Tupanciretã para a matriz em Panambi, recebendo orientações sobre os requisitos necessários à contratação de outros empregados.
No que se refere às demais alegações da inicial, apenas mencionou que Luis foi dispensado na mesma oportunidade em que a reclamante porque não estava atingindo metas e desenvolvendo o trabalho esperado.
Já no que diz respeito ao assédio sexual relatado na inicial e registrado em conversas pela internet, meio utilizado pela empresa para comunicação entre os empregados, as declarações da testemunha Felipe, gerente do setor de peças da filial de Tupanciretã, são bastante elucidativas, corroborando a tese da reclamante (fl. 104):
“Luis era o funcionário responsável pela parte das vendas, acompanhando os vendedores mais novos; m]ao sabe quantas entrevistas Luis fez com Genesca, mas sabe que viu uma entrevista prévia à contratação, da qual o depoente também participou, porque Luis pediu-lhe para também entrevistá-la para que o depoente pudesse dar sua opinião; neste dia, o depoente deu sua opinião e depois 'ficou tudo com ele', ou seja, a reclamante deveria entregar a documentação ao Luis para que este encaminhasse a Panambi; a reclamante não foi para Panambi e somente foi entrevistada por Luis; (...) sobre o assédio sexual descrito nos autos, relata que em uma determinada tarde, Genesca procurou o depoente chorando, dizendo-lhe que precisava dar uma saída; quando voltou, pediu para conversar com o depoente, mas que este chamasse Luis; Luis foi chamado e então a reclamante entregou ao depoente relações de conversas pelo MSN havidas entre ela e Luis, sendo que a reclamante continuava chorando e nervosa; em seguida, Luis disse que queria falar a sós com a reclamante, mas esta não permitiu, ou seja, queria que o depoente permanecesse escutando a conversa; Luis inicialmente deu risada, porque disse que se tratava de uma brincadeira, mas depois acabou pedindo desculpas à reclamante; a conversa que a reclamante entregou ao depoente é igual à juntada à fl. 16; (...) Luis foi dispensado em razão do episódio narrado nos autos sobre o assédio sexual;” (grifo)
Como se vê, os elementos de prova dos autos apontam para a ocorrência do episódio de assédio sexual no contexto do contrato de trabalho, em afronta à liberdade sexual da empregada e demais direitos de sua personalidade. Impende frisar que o fato de não haver nos autos relato de testemunhas que tenham presenciado as condutas inadequadas do empregado Luis em relação à reclamante não afasta a verossimilhança dos depoimentos prestados, mormente quando consabido que os casos de assédio sexual ocorrem na maior parte das vezes de forma encoberta.
Ademais, pertinentes as colocações da sentença a respeito da prova colhida (fl. 108), em reforço às declarações do preposto e dos documentos juntados:
“(...) diferentemente das alegações da defesa acerca de jargões populares ou mera cantada, pude constatar que o episódio prejudicou severamente a dignidade da reclamante. Ela compareceu em audiência e durante toda a solenidade mostrou-se constrangida e abalada. Durante seu depoimento, ela chorou, e chorou muito, desconsolada, ao recordar dos dias no trabalho em que Luis constante e insistentemente a assediava. Aliás, não foi por mera coincidência que a reclamada também o dispensou. A testemunha da reclamada confirmou que “... Luis foi dispensado em razão do episódio narrado nos autos sobre o assédio sexual ...”. Não foi, portanto, uma simples brincadeira ou uma mera cantada, porque pude sentir o sofrimento que o episódio narrado nos autos provocou na reclamante.”.
Assim, presentes os requisitos do artigo 186 e 927 do CC, e com amparo no artigo 932, III, também do CC, impõe-se a manutenção da sentença de origem que reconheceu o dever de indenizar da reclamada e condenou-a ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes de assédio sexual na quantia de R$15.000,00, valor contra o qual não se insurge a recorrente.
Nega-se provimento ao recurso.
MULTA DO ARTIGO 477, §8o, DA CLT
Volta-se a reclamada contra a condenação ao pagamento da multa do artigo 477, §8o, da CLT, aduzindo não poder ser responsabilizada pela mora da reclamante, que deixou de comparecer para formalizar a extinção do contrato de trabalho.
Sem razão.
Tal como referido em sentença, a ação de consignação em pagamento ajuizada pela reclamada - meio cabível a elidir a mora supostamente ensejada pela reclamante - somente foi ajuizada em 25/8/2009, ou seja, posteriormente ao prazo estabelecido no artigo 477, §8o, da CLT, considerando que o termo final do contrato em 09/8/2009.
Nega-se provimento.
Ante o exposto,
ACORDAM os Magistrados integrantes da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:
por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
Intimem-se.
Porto Alegre, 3 de março de 2011 (quinta-feira).
Des. Fabiano de Castilhos Bertolucci
Relator
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