STF - Ministro suspende censura a ONG que questiona maus tratos a animais em Barretos
Ação proposta pelos "Independentes", organizadores do evento, alegava que o PEA, ao se posicionar contra o uso de sedém em rodeios (ou qualquer outro tipo de artefato ou prática que maltrate os animais), estaria difundindo opinião inverídica e contrária à imagem de evento que sustentaria a "economia local". A ação postulava a interdição do direito de manifestação do PEA – no tocante aos rodeios em geral e à festa de Barretos em particular – e indenização por danos morais.
Em 1ª instância, os pedidos formulados pelos "Independentes" foram acolhidos. A decisão foi mantida pelo TJ/SP que, além de manter a proibição, elevou o valor fixado em primeiro grau para indenização por dano moral contra a associação.
A decisão do TJ/SP foi impugnada por a) recurso extraordinário e b) reclamação constitucional, ambos dirigidos ao STF. O recurso encontra-se pendente de exame de admissibilidade pelo TJ/SP. Enquanto isso, o ministro Joaquim Barbosa, relator da reclamação, deferiu liminar para cassar os efeitos do acórdão do TJ/SP. "Há espaço suficiente para diferentes opiniões na esfera pública, e é importante para a democracia brasileira que continue assim", afirmou o ministro.
O relator considerou que a decisão de proibir a veiculação da opinião de que o uso do sedém é cruel viola o entendimento do STF na ADPF 130 (clique aqui), que considerou a lei de imprensa (lei 5.250/67 - clique aqui), incompatível com a CF/88 (clique aqui). "Trata-se de juízo que tem fundamento ético, ligado a uma determinada opção de vida e a uma determinada forma de se relacionar com os animais, opinião que não é uníssona e nem de longe compartilhada por todos os cidadãos brasileiros", observou Joaquim Barbosa.
"A mera existência e circulação de uma opinião divergente sobre os rodeios não ofende os direitos de quem os organiza, patrocina ou frequenta", ponderou o ministro. "Salvo raríssimas exceções – penso, por exemplo, na proibição do discurso do ódio existente em várias democracias -, não cabe ao Estado, nem mesmo ao Judiciário, proibir ou regular opiniões".
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Processo Relacionado : Rcl 11292 - clique aqui.
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Decisão do STF
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Decisão do TJ/SP
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 994.09.335664-7, da Comarca de Barretos, em que são apelantes OS INDEPENDENTES e PEA - PROJETO ESPERANÇA ANIMAL sendo apelados PEA - PROJETO ESPERANÇA ANIMAL e OS INDEPENDENTES.
ACORDAM, em 4" Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AOS RECURSOS, NOS TERMOS QUE CONSTARÃO DO ACÓRDÃO. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores TEIXEIRA LEITE (Presidente) e FÁBIO QUADROS.
São Paulo,22 de julho de 2010.
ENIO ZÜLIANI
RELATOR
VOTO N°: 18824.
APELAÇÃO N°: 994.09.335664-7 (ANTIGO N° 655.169.4/7).
COMARCA: BARRETOS.
APELANTES e reciprocamente APELADOS: OS INDEPENDENTES e PEA - PROJETO ESPERANÇA ANIMAL
JUÍZA PROLATORA: DRA. RENATA ROSA DE OLIVEIRA
Colisão de direitos fundamentais - Entidade não governamental que atua na proteção dos animais versus promotor de tradicional rodeio (Festa do Peão de Barretes) - Conflito que surge em razão de publicações sobre crueldades que se praticariam na arena, seguidas de abordagens diretas aos patrocinadores do evento com o propósito de persuadi-los ao cancelamento da parceria - Inadmissibilidade - Exercício abusivo do direito de agir em favor dos animais - Intervenção necessária do Judiciário para adequar pronunciamentos da entidade à verdade, evitando que seu site se transforme em instrumento de opressão e de boicote de uma atividade que transformou a festa em cultura popular e polo da economia municipal - Dano moral in re ipsa - Provimento, em parte, dos recursos.
Vistos.
São dois recursos que permitem o reexame da r. sentença que, ao acolher (em parte) ação promovida por OS INDEPENDENTES, condenou o PEA - PROJETO ESPERANÇA ANIMAL a pagar danos morais (R$ 1.245,00), bem como excluir do site sobre a Festa do Peão de Barretos referências sobre festejos que praticam crueldades contra animais, com proibição de notícias generalizadas sobre o assunto, salvo citando a posição do autor (promotor do evento), além de proibir a divulgação dos patrocinadores das festas, passadas ou futuras, e outras atividades que poderiam sugerir desestímulo ao incentivo da programação.
O recurso do PEA, por ser mais abrangente será resumido em primeiro lugar e está centrado najiberdade de expressão garantida pelo art. 5o, IV e IX e 220, caput, da CF, e julgamento ultra petita (ofensa aos arts. 2o, 128 e 460, do CPC), porque o pedido foi diverso da ordem posta no capítulo da sentença. O PEA afirma que a r. decisão constitui uma censura ao direito de expor práticas que maltratam animais e, por acreditar que os rodeios com touros e cavalos são realizados com artefatos que machucam os animais considera seu direito constitucional divulgar e criticar essas práticas para que elas sejam banidas. O PEA retorna ao tema "utilização do sedem" (instrumento que teria a função de pressionar a virilha, o saco escrotal, o pênis e o abdômen do animal, provocando dor e sofrimento e levando-o a pular e corcovar) e menciona diversas legislações que proíbem artifícios que violentam os animais, como a Lei Estadual 11977/2005 (art. 22) e afirma que a "crueldade contra os animais é inerente à prática de rodeios em que se utiliza o sedem" (fl. 511).
Sustenta que ocorreu equivocada interpretação da prova, inclusive sobre os ônus subjetivos (porque não teria dever de provar a ocorrência de maus tratos) e clama pela aplicação do princípio da precaução (dúvida ensejaria interpretação em favor da proteção dos animais, como no meio ambiente) e faz referência ao art. 225, § 1o, da CF. Sustenta não ter praticado abuso de direito, nega a ocorrência de dano moral indenizável e critica, por fim, o arbitramento da multa por litigância de má-fé (imposta nos embargos declaratórios quando rejeitados), a verba honorária (considerada excessiva) e os juros (inaplicabilidade da Súmula 54, do STJ).
Recorreu o autor (Os Independentes) para majorar o valor da indenização, a qual não atingiria a finalidade punitiva e persuasiva contra recidivas de maior potencialidade ofensiva e para aumentar a verba honorária (a douta Juíza fixou em R$ 2.000,00), que foi avaliada no recurso como insignificante e sem correlação com o trabalho desenvolvido diante da complexidade da causa.
É necessário registrar ter ocorrido julgamento, pela Câmara, do Agln. 525.900-4/0, em 13.12.2007, quando foi estabelecido, por maioria (acórdão relatado pelo Desembargador Ênio Santarelli Zuliani), o seguinte (fl. 590):
"Agravo de instrumento tirado sobre decisão que resolve exceção de competência e que permite ao Tribunal descobrir a existência de uma decisão que concedeu tutela antecipada contra ditames constitucionais [censura], por traduzir proibição, para uma organização não governamental de defesa dos animais, de comentar sobre crueldade decorrente dos artefatos empregados em rodeios - Inadmissibilidade de se cogitar de preclusão para manter decisão manifestamente inconstitucional e que ofende o disposto no caput do artigo 200 e § 2o, da Constituição Federal e artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos - Possibilidade de revogação, de ofício, para harmonizar os direitos em rota de colisão, redimensionando as projeções da tutela antecipada, de modo a tutelar os direitos daqueles que promovem espetáculos com animais, até que se provem os fatos indicados - Provimento, em parte."
A questão da competência, alvo de agravo de instrumento do PEA para o STJ, foi definida para firmar a competência da Comarca de Barretes (Agln. 1.118.840 SP - fl. 657).
É o relatório.
Liberdade de exprimir convicções ideológicas e voltadas para tutela dos animais desprotegidos diante da irracionalidade dos humanos é movimento social que cumpre respeitar para que a sociedade evolua com essa variante democrática, promovendo o aperfeiçoamento da própria vida diante dos resultados positivos dos debates e reflexões estimulados por essa política defensável. O Judiciário não deve restringir a atividade do PEA e jamais poderá interferir nessa campanha cívica com sentenças radicais e que estabeleçam proibições para denunciar e chamar a atenção contra crueldades praticadas contra bichos indefesos, evitando, inclusive, impor condenações em dinheiro (danos morais) as quais, embora compensem os supostos ofendidos, desestabilizam o caixa da entidade e criam empeços administrativos para a continuidade do trabalho desenvolvido. Essa certeza de um agir orientado pela cartilha constitucional não admite abusos, e é exatamente aí que a r. sentença fez justiça ao caso concreto, limitando, com adequação, o direito de o PEA referir-se à Festa do Peão de Barretos, evitando que os ataques injustos e ilegais cometidos permanecessem ad aeternum, transmitindo a falsa impressão de o tradicional rodeio do interior paulista organizado pelo autor corporificar o ícone da prática de crueldade contra animais que são utilizados na festa e nas competições de montaria.
O Tribunal também admite que a esperança de melhor qualidade existencial dos animais até autoriza lançar mão de estratégias como a de ataque aos flancos dos megasshows, mirando os patrocinadores com o propósito de indispor essas empresas que apostam no marketing, em eventos populares, com o público simpatizante da proteção, por constituir uma providência inteligente e que, pelo impacto financeiro (retratação dos consumidores diante da imagem negativa daqueles que fomentam atrocidades) certamente, contribuiu para arrefecer parcerias e ingresso de receitas. A idéia é asfixiar o patrocínio para reduzir a popularidade que depende de publicidade cara, esvaziando, paulatinamente, o interesse até inviabilidade completa pela indiferença de novas gerações.
Ocorre que todo esse propósito deverá ser tomado no estrito campo da legalidade, e a ilicitude gera obrigações, como é próprio do sistema do direito civil (arts. 186 e 187, do CC). Da mesma maneira com a qual o Projeto Esperança Animal luta pelos seus ideais, a entidade Os Independentes, de Barretos, trabalha forte na preservação do patrimônio que construiu e que fez surgir uma cultura contagiante na Cidade, que respira a festa do peão boiadeiro. Poderá ser afirmado, longe de erros, que, apesar de o povo barretense não depender exclusivamente do rodeio, ao qual se orgulha pelo pioneirismo, o evento anual consiste em seu mais importante modo de congraçamento e solidariedade ambiental. Há, no regimento estatutário da sociedade promotora desse espetáculo, regra implícita a exigir ação de interesse público, qual seja, a defesa contra ataques infundados que depreciem o glamour da festividade municipal que ganhou fama internacional. Os Independentes não atuam especificamente em nome próprio no caso em apreço; agem, também, em favor da comunidade, e esse aspecto é essencial para definir, na disputa entre os direitos que se chocam, qual o preponderante e digno de tutela judicial.
O PEA faz uso da internet para propagar seus desígnios, metas e ataques contra aqueles que, no seu entender, são as fontes das crueldades contra os animais e utiliza essa via de acesso de maneira imprudente, disparando denúncias cuja veracidade não consegue demonstrar.
O erro do PEA decorre do emprego de uma comunicação de caráter abrangente ou sem fronteiras para propagar acusações genéricas e que, nos autos, se transformaram em inverdades. Não se provou que, na Festa do Peão de Barretos o sedem, artefato que faria o boi corcovear de dor, uma performance própria para a disputa dos montadores, maltrata os animais ou sequer influencia na sua capacidade reprodutiva (machos). Não existe um elemento nos autos comprometendo a posição neutra dos organizadores do evento sobre utilização dos animais no rodeio, sendo que a indispensabilidade do manuseio dos quadrúpedes obriga raciocinar que não há outra maneira de se realizar o episódio, pois, se forem banidos os bois e cavalos, não haverá mais festa do peão digna do nome e de suas tradições, o que não se coaduna com a política de defesa dos animais.
Convém registrar que esse não é o primeiro caso envolvendo o PEA e na Quarta Câmara de Direito Privado (Ap. 994.09.032202- 9, j . em 25.2.2010, relator Desembargador Ênio Santarelli Zuliani) ocorreu condenação em danos morais, conforme seguinte ementa:
"Responsabilidade civil - Divulgação no site de entidade de proteção a animais de lista de empresas que praticam crueldades contra bichos que são cobaias nos testes dos produtos que fabricam, em virtude da defesa radical baseada na atrocidade de todos essas providências - llicitude decorrente do excesso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e de comunicação, exatamente por transmitir um juízo sem critério ou pesquisa da forma dos serviços que são obrigatórios por imposição dos órgãos públicos e, principalmente, dos resultados não prejudiciais aos animais utilizados - Abalo moral decorrente do desprestígio da vinculação de seu nome [fabricante de produtos de uso veterinário] à prática de atrocidades contra animais - Recurso provido apenas para reduzir a verba indenizatória [de R$ 30.000,00 para R$ 5.000,00]."
O PEA fez uma acusação falsa e, ao fazê-lo, pela internet, pretendeu associar os patrocinadores da Festa do Peão de Barretos a um evento desmerecedor da sociedade contemporânea, o que constitui uma ilicitude grave. É que essa infundada denúncia foi exposta na internet, canal de acesso livre de milhões de pessoas, o que faz ainda mais vulnerável a situação dos promotores do rodeio, que se sentem injustiçados com a falta de seriedade das notícias do site. A causa do PEA, embora simpática, não o exonera do dever de diligência com os direitos alheios e, nesse particular, é que reside a culpa manifesta. Não existem indícios que favoreçam a tese de presunção de atrocidades ou crueldades, porque o rodeio é naturalmente bruto e causa ferimentos nos animais e nos peões, tanto que, freqüentemente, são relatados acidentes fatais. Há uma violência inerente à própria essência do que começou como brincadeira e ganhou status de esporte de gosto internacional, e não seria permitido, a pretexto de proteger o ser humano do perigo de certas atividades esportivas ou de entretenimento, impedir a participação deles. Os animais figuram nesse espetáculo como coadjuvantes, e basta a aquiescência dos donos deles para regularizar-lhes o ingresso nas arenas. Não há como impedir isso, salvo se for demonstrada uma crueldade que repugna os instintos dos que possuem sensibilidade normal para com os direitos dos animais.
A atividade do PEA, nesse particular, se assemelha a de o jornalista encarregado de divulgar notícias e, tanto para o profissional da imprensa, como para quem formata o painel do site, não se permite dispor dos requisitos da lealdade e da diligência na transmissão de dados verdadeiros ou conteúdo da notícia como fruto de um sério e diligente trabalho de pesquisa (PIETRO PERLINGIERI, O Direito civil na legalidade constitucional, tradução de Maria Cristina De Cicco, RJ, Renovar, 2009, p. 864). SANTOS CIFUENTES (Derechos personalísimos, 3a edição, Buenos Aires, Astrea, 2008, p. 463) escreveu o seguinte:
"Luego ei deber de veracidad importa simplemente que adopten una verdadera preocupación por dar ai público Io más autêntico posible, por una investigación primaria imparcial que acerque Ias senales verídicas dei acontecimiento, aunque pueda suceder, y ello se desculpa, que en fragor de Ias noticias se cometan equivocaciones, se manejen datos no dei todo ciertos, se manejen imágenes y descripciones no reales pero sin intención, o se agranden o empequenezcan historias y circunstancias sin intención de informar falsamente, ai margen de Io puntual y absolutamente comprobado".
O PEA argumenta não ter encargo probatório (art. 333, II, do CPC) e esse foi o erro processual que selou a ilicitude do ato que cometeu.
Os Independentes provaram a normalidade da preparação dos animais e das excelentes condições que ostentam no final dos trabalhos, sendo que caberia a ele (PEA) demonstrar a improcedência do fundamento que constitui a causa petendi da ordem de abstenção e condenação em danos morais. O contexto aproxima a situação do recorrente PEA a quem deva provar a verdade em litígio de delito de linguagem, valendo acrescentar que o exercício regular de um direito (art. 188,1, do CC), tese da defesa, exigia que se provasse a verdade da denúncia que colocou a Festa do Peão de Barretes no epicentro dos torturadores de animais, tal como mencionado no art. 333, II, do CPC. Não fosse apenas isso e apenas para realçar a conduta processual da parte, constitui ônus de todos os integrantes da lide produzir prova de fatos que abonem suas posições ou que ajudem o juiz a formar convicção favorável das versões deduzidas (ônus objetivo). O PEA fez, no processo, o que faz no site, ou seja, age de forma despreocupada com os fatos que imputa, o que não se compraz com o regime de responsabilidade pela conduta.
Para se aquilatar a maneira com que o PEA conduz a questão, convém reproduzir o que foi declarado pelo representante que compareceu à audiência (fl. 392). Foi dito pelo Sr. Manoel Francisco Ramos:
"Não tenho função nenhuma no PEA. Estou aqui representando, porque o pessoal de São Paulo da PEA me pediu para representar. Não tenho nenhum conhecimento sobre a estrutura e as atividades da PEA". É de concluir não ter o PEA produzido prova alguma e sequer contrariou os termos da farta documentação anexada aos autos e que indicaram que o Ministério Público do Estado de São Paulo não permitiu abertura de inquérito civil para investigação de crueldades contra animais, as quais seriam cometidas durante a Festa do Peão de Barretes (fl. 474). Nesse expediente, foi utilizado o termo "razoável" para explicar o emprego de animais para a atividade de entretenimento e isso obrigava o PEA a fazer prova de que não há razoabilidade na utilização de bois em Barretes, e não em outros rodeios.
A questão do processo diz respeito à Festa do Peão de Barretos e, no caso, não se provou que o sedem que é manuseado no local, embora possa provocar a ira que dá ares acrobáticos ao show de montaria, não machuca o animal ou lhe causa dano irreparável. O artefato é empregado com cuidado e em região sensível do boi, sem que lhe possa afetar a higidez anatômica, de modo que é surreal pretender liberar o instrumento dos rodeios a pretexto de causar dor intensa e própria da desumanidade de quem o comete.
Não há liberdade de exprimir suas convicções quando essas manifestações ultrapassam o campo da legalidade e invadem esferas privadas dignas de tutela, como o patrimônio de quem organiza e realiza festa de peões, eventos que alimentam a economia de uma cidade, constituindo, a partir desse lado econômico relevante, uma espécie de orgulho municipal. Daí porque necessária a intervenção judicial para regular (adequar) o exercício desse direito que não é ilimitado, concretizando a dimensão exata entre o que é permitido e o que é proibido. Essa atividade do juiz nunca será classificada como censura, porque reflete o poder do Estado (art. 5o, XXXV, da CF) na construção do fato jurídico adaptado ao regime constitucional.
Portanto e ao dispor que o PEA deverá excluir a Festa do Peão de Barretos da lista dos torturadores de animais, nada mais fez a r. sentença do que neutralizar o ilícito da mensagem postada no site, eliminando o ponto produtor do dano injusto. Não se maltratam animais na Festa do Peão de Barretos, e isso está provado em processo de que o PEA participou e nada provou para demonstrar o contrário. Quando a douta Juíza inclui no rol das abstenções o dever de o PEA não mais estabelecer contatos com os patrocinadores da Festa, seja nos números anteriores ou nos futuros, criou-se uma barreira contra a estratégia ilícita de afugentar os parceiros dos espetáculos, evitando-se que denúncias infundadas comprometam a liberdade de opção dessas empresas que apostam no patrocínio politicamente correto. O afastamento do PEA nesse círculo de interesse comercial restrito do autor é benfazejo para impedir que uma entidade não governamental, ao abusar da utilização das armas em defesa dos animais, indisponha, mediante práticas agressivas bem direcionadas, sociedades comerciais de participarem financeiramente e para fins publicitários de rodeios. O capítulo da sentença impossibilita a emissão e circulação de conceitos vagos e abstratos como sendo verdades absolutas, tal como constituir a integração de empresas em rodeio de montaria, uma atitude digna de boicote dos consumidores.
A r. sentença cumpriu o princípio isonômico e impôs condição para que o PEA pronuncie a Festa do Peão de Barretos como atividade cruel aos animais e nada de anormal existe no fato de estabelecer o dever de ouvir a parte interessada e recolher sua manifestação sobre o assunto em epígrafe. O PEA deve utilizar o site com liberdade, desde que não lese direito alheio e, quando o faz, como ocorreu na hipótese, sofre restrições que tolhem essa faculdade originária. Como o PEA não se dedica a investigar e aprofundar pesquisas sobre práticas atrozes e real avaliação dos prováveis sofrimentos dos animais, vive de divulgar opiniões de terceiros, o que é um perigo em termos de ofensas a direitos legítimos deles. Essa prática que não prioriza a realidade ou como as coisas realmente acontecem é pródiga para o abuso e, quando o dano se caracteriza e não promete interromper, cumpre ao juiz não somente tentar reparar o prejuízo, como adotar providências que impeçam a continuidade das lesões em série. A ilustre Juíza não interditou o canal de comunicação do PEA, tendo somente criado a obrigação de ele colher pronunciamento do autor quando for referir ao rodeio realizado em Barretos, para que a versão dos organizadores também chegue ao conhecimento dos interessados pela leitura da notícia.
Não há nesse contexto ofensa aos dispositivos constitucionais mencionados no recurso. Os arts. 5o. IV e IX, e 220, caput, da CF, não respaldam direito irrestrito, e o Judiciário pode, sim, construir barreiras para que as lesões não mais ocorram. Não há censura e, mesmo que o PEA tenha opinião sobre o uso do sedem, não lhe é permitido atuar contra a atividade de quem organiza rodeio e prova que o artefato não causa dano ao animal, valendo acrescentar que leis municipais que regulam o show com animais não se aplicam em Barretos. Não houve incorreta valoração da prova e sequer se poderá invocar o art. 333,1, do CPC, ou o art. 3o, da Lei 10519/2002, porque era dever do PEA fazer prova da verdade dos fatos que imputou em seu site. Sobre o sentido dos elementos probatórios, ficou claro que em Barretos faz-se uso do sedem com o cuidado de preservar todas as funções dos bois, o que descarta maus tratos (razoabilidade do emprego de animais). Os documentos da iniciai indicam que o PEA fez referência expressa à Festa do Peão e incitou patrocinadores a não mais fomentarem tal festa, o que é vedado pelo sistema de equivalência de direitos.
O recurso do PEA está bem articulado, mas peca pelo exagero, o que é próprio daqueles que assumem posições ortodoxas e radicalizam suas impressões. Sofrimento e crueldade de animais são valores que estão próximos de ameaças, de riscos letais e de exagerada submissão dos bichos aos caprichos e maldades humanas, o que não é a hipótese. Há de encontrar o equilíbrio das necessidades dos homens com as utilidades dos animais, sendo de indagar se não seria exagerado bloquear a retirada de esperma para reprodução a pretexto de constituir artifício cruel? Cachorros que caçam ou que protegem ambientes, camelos que transportam pessoas e coisas nos desertos, burros que são usados nas fazendas, cavalos que puxam carretas ou que correm em jóqueis, ursos, macacos, leões e elefantes de circos, todos esses são treinados para exercício de atividades comandadas pelo homem e que impõem sacrifícios aos animais. O boi de arena é igual e, assim como cumpre seu mister, goza dos privilégios pela performance e não há nesse quadro crueldade ou algo a impedir e restringir. O que o PEA deseja: que se receba o boi com flores e afagos? Houve, sim, violação ao direito do autor e de uma comunidade que gravita em torno da festa que é promovida com seriedade e competência profissional. Não é possível que a internet possa ser utilizada para extravasar opiniões não conclusivas e atitudes dirigidas aos organizadores das festas populares com o propósito de impedir a subscrição de patrocinadores, o que evidencia abuso do direito de explorar uma política (de defesa de animais), sendo que a multa cifrada em quantia adequada (R$ 5.000,00) constitui uma ferramenta extraordinária para que a requerida cumpra a sentença sem resistência indevida. Cabe, contudo, estabelecer um máximo para a multa e será fixado em R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Não há exercício regular de direito quando se empregam meios anormais e com má-fé para que prevaleça uma posição minoritária. O art. 188, I, do CC, não serve de excludente. Quanto aos danos morais, ficou evidenciada a sua ocorrência e sequer seria o caso de mencionar a Súmula 227, do STJ ("a pessoa jurídica pode sofrer dano moral") para referendar esse capítulo do julgado, porque é evidente o constrangimento do organizador do evento diante de denúncias infundadas e abordagem agressiva aos parceiros com o propósito de evitar a continuidade do patrocínio, como se o autor não tivesse criado uma festa que ganhou projeção internacional e agisse, nesses longos anos, contra a lei e a ordem natural das coisas. O dano moral ocorre in re ipsa e não se justifica sequer a necessidade de demonstrar com fatos concretos (art. 5o, V e X, da CF) porque a mensagem é altamente depreciativa e visou estarrecer o público a partir de práticas de crueldades que não se provaram, no campo de Barretes, em momento algum. Para encerrar esse item é importante mencionar que respeitado doutrinador defende a tutela dos direitos especiais de personalidade para pessoas coletivas (CAPELO DE SOUSA, O direito geral de personalidade, Coimbra Editora, Coimbra, 1995, p. 597).
O ilustre Advogado que fez uso da palavra na sessão de conferência de votos suscitou diversas indagações para sustentar que a procedência do pedido indicaria um certo favorecimento para a Festa do Peão de Barretos, indagando se o promotor desse evento não estaria, igualmente, obrigado a guardar ressalvas sobre o direito do PEA. Cumpre observar, como foi realçado pelo relator na oportunidade, que o autor provou que não comete atrocidades contra animais e isso é o que pesou na definição do litígio. Não se discute o que se passa em outros rodeios, porque a ação é individual, sendo que caso fosse provado que Os Independentes cometeram ofensas contra direitos alheios, seja pela internet ou outro meio de comunicação, caberia, igualmente, impor limites e restrições para salvaguarda do direito lesado, o que não ocorreu.
O recurso do autor será acolhido, em parte.
O valor do dano moral está aquém do adequado e cabe redimensionar, sem, contudo, alcançar valores expressivos, porque o PEA é uma entidade não governamental que depende de subvenções dos aficionados para sobreviver e perseverar os seus desígnios que são, teoricamente, relevantes. Assim e para que a condenação não se transforme em uma expressão financeira restritiva dos serviços da recorrida, a Turma Julgadora delibera fixar a indenização em R$ 10.000,00 (dez mil reais), com atualização a partir do presente julgamento, o que é feito em homenagem ao art. 944, do CC. Os juros são contados desde a data do evento danoso, por ser caso de responsabilidade extracontratual. Incide a Súmula 54, do STJ, conforme recente pronunciamento (AgRg no Ag 1281274 DF, DJ de 7.6.2010, Ministro Massami Uyeda).
Quanto ao valor dos honorários, considera-se que os trabalhos dos Advogados honram a OAB e revelam o cuidado com o debate de uma questão que não é complexa, mas, sim, que adquiriu riqueza de detalhes jurídicos pela dedicação dos causídicos. Como cabe retribuir o vencedor pelo princípio da causalidade (art. 20, do CPC), considera-se que o adequado é dobrar o quantum fixado (passar para R$ 4.000,00), anotado que o teto é fixado em face, igualmente, da condição econômica adversa da sucumbente e não propriamente em razão dos atributos das atividades forenses (§ 3o, do art. 20, do CPC).
Isso posto, dá-se provimento, em parte, ao recurso do autor (majorar o quantum da indenização por danos morais e duplicar a verba honorária) e dá-se provimento, em parte, ao recurso do PEA, estabelecendo o teto máximo das astreintes (R$ 100.000,00), mantida, no mais, a r. sentença.
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Embargos declaratórios
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Embargos de Declaração nº 994.09.335664-7/50000, da Comarca de Barretos, em que é embargante PEA - PROJETO ESPERANÇA ANIMAL sendo embargado OS INDEPENDENTES.
ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Acolheram os embargos. V. U.
Acolhidos em parte, mantido o resultado.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores TEIXEIRA LEITE (Presidente) e FÁBIO QUADROS.
São Paulo, 9 de dezembro de 2010.
ENIO ZULIANI
RELATOR
VOTO Nº: 18824a
EMBARGOS Nº: 994.09.335664-7 [antigo nº 655.169.4/7-00]
COMARCA: BARRETOS
EMBARGANTE[S]: PEA PROJETO ESPERANÇA ANIMAL
EMBARGADO[A/S]: OS INDEPENDENTES e OUTRO
JUIZ(A) PROLATOR(A): DRA. RENATA ROSA DE OLIVEIRA
Embargos declaratórios acolhidos, em parte (exclusão da multa por interposição de embargos declaratórios em Primeiro Grau), mantidos os demais termos do voto condutor.
Vistos.
PEA PROJETO ESPERANÇA ANIMAL opõe embargos declaratórios contra Acórdão assim ementado:
Colisão de direitos fundamentais Entidade não governamental que atua na proteção dos animais versus promotor de tradicional rodeio (Festa do Peão de Barretos) Conflito que surge em razão de publicações sobre crueldades que se praticariam na arena, seguidas de abordagens diretas aos patrocinadores do evento com o propósito de persuadi-los ao cancelamento da parceria Inadmissibilidade Exercício abusivo do direito de agir em favor dos animais Intervenção necessária do Judiciário para adequar pronunciamentos da entidade à verdade, evitando que seu site se transforme em instrumento de opressão e de boicote de uma atividade que transformou a festa em cultura popular e polo da economia municipal Dano moral in re ipsa Provimento, em parte, dos recursos.
Realmente ocorreu omissão no que concerne ao exame da penalidade imposta pela interposição dos embargos declaratórios (fl. 492), o que é de se lamentar devido a ter o embargante pleiteado, expressamente (fl. 531) a exclusão. Os embargos que foram deduzidos não foram manejados com a intenção de procrastinar, mas, sim, de obter esclarecimentos que, na ótica de quem fez o requerimento, eram importantes. A multa do § único, do art. 538, do CPC, deverá ser excluída.
Os demais pontos dos embargos não procedem e o Acórdão será mantido integralmente. O capítulo da r. sentença foi redigido de acordo com o pedido e a possibilidade de se proibir emissão de notícia generalizada, com indicação nominal dos patrocinadores, integra o contexto da súplica do autor, sem que configure ofensa aos arts.2º, 128 e 460, do CPC. O Tribunal entende que caberia aplicar a Súmula 54 e citou precedente do STJ, sendo que se a embargante discorda, deve interpor recurso especial e não ficar eternizando o debate. Os demais pontos dos embargos foram abordados pelo voto condutor e o propósito claro dos embargos, nesse aspecto, é o de obter nova e diferente decisão, o que é vedado pelo sistema (art. 535, I e II, do CPC). O Tribunal considerou que a embargante está abusando do direito de exercer a crítica e a expressão dos valores que defende, na medida em que, de forma leviana (sem provas que confirmariam o que escreve) propaga crueldades que não existem e tenta, com esse discurso, esvaziar a atividade desenvolvida pela autora.
Não existe censura ou ofensa ao direito fundamental de expressão e informação, como consta do voto condutor.
Pelo exposto, acolhem, em parte, os embargos (exclusão da multa de 0,5% do valor da causa), mantidos os demais termos do voto condutor.
ÊNIO SANTARELLI ZULIANI
Relator
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