Habeas Corpus
STF - Indeferida liminar a advogado acusado de apropriação de verba de cliente
A quantia, resultante de sentença da 2ª vara Cível da mesma comarca, favorável ao cliente, foi sacada pelo advogado na agência do Banrisul mediante apresentação do alvará judicial, em agosto de 2009. Desde então, o cliente alegou não ter conseguido mais entrar em contato com o advogado.
No exame preliminar do processo, Gilmar Mendes entendeu que o juiz de primeiro grau indicou elementos concretos e individualizados que demonstravam a necessidade da prisão. O decreto de prisão cautelar assinalou que o advogado "sequer foi localizado pelos policiais civis para ser intimado pessoalmente para comparecer na Delegacia de Polícia e prestar depoimentos".
O juiz afirmou ainda que o advogado era alvo de outra investigação pela prática de delito idêntico, e que "as circunstâncias em que ocorreram tais crimes e seu modus operandi demonstram a audácia usada por ele". A prisão se justificava para evitar que crimes da mesma natureza continuassem a ocorrer, já que o denunciado continuava atuando como advogado na comarca.
O decreto foi mantido sucessivamente pelo TJ/RS e pelo STJ. "Salvo melhor juízo quanto ao mérito, os fundamentos adotados pela decisão proferida pelo STJ, assim como os demais elementos constantes dos autos, não autorizam a concessão da liminar", concluiu o relator.
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Processo Relacionado : HC 107181 - clique aqui.
Veja abaixo a íntegra da decisão.
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DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado por Jader da Silveira Marques e outro, em favor de Marcelo Peixoto Abal.
Nestes autos, a defesa impugna acórdão proferido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que denegou a ordem nos autos do HC 168.749/RS, relatora Ministra Laurita Vaz.
O paciente foi denunciado pela prática do delito descrito no art. 168, § 1º, III, do CP, e, quando do recebimento da inicial acusatória, o Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Erechim/RS decretou sua prisão preventiva para garantir a ordem pública, bem como a instrução criminal e a aplicação da lei penal.
A defesa, então, impetrou HC perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ/RS), alegando ausência dos requisitos da prisão preventiva.
A Sétima Câmara Criminal do TJ/RS, por unanimidade, denegou a ordem, nos termos da ementa transcrita:
“HABEAS CORPUS. DELITO DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA. Manutenção da prisão preventiva. Decisão devidamente fundamentada. Ausência de constrangimento ilegal. Tratando-se de delito grave, muito embora sem emprego de violência, a ordem de segregação cautelar se impõe em razão da obstinação do paciente em não atender os chamamentos para prestar esclarecimentos desde o início das investigações policiais.
Não se verifica o constrangimento ilegal na ordem prisional que restou fundamentada na relevância dos fatos e na garantia da aplicação da lei penal.
ORDEM DENEGADA ”.
Irresignada, a defesa impetrou HC perante o Superior Tribunal de Justiça, que também denegou a ordem pretendida:
“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA (ART. 168, § 1.º, INCISO III, DO CÓDIGO PENAL). PRISÃO PREVENTIVA. DECRETO PRISIONAL FUNDAMENTADO. PRECEDENTES DESTA CORTE.
1. A imposição da custódia preventiva encontra-se devidamente fundamentada para a garantia da aplicação da lei penal, na medida em que o Paciente não atendeu aos chamamentos da Autoridade Policial, encontrando-se em lugar incerto e não sabido.
2. Ordem denegada”.
No presente writ, a defesa alega que “o paciente faltou a uma única data agendada (24/11/2009), e sabidamente em razão de compromissos previamente estabelecidos para aquela semana”.
Aduz, ademais, “que o paciente não se encontra em local incerto e não sabido, como fundamentado na decisão que manteve a ordem de prisão. Seu endereço já é de muito conhecido do Juízo”.
Menciona, também: “diante do comparecimento espontâneo aos autos, não existe mais importância na ausência do seu depoimento policial e não se trata mais de acusado em local 'incerto e não sabido' (como, aliás, comprovadamente nunca o fora)”.
Por fim, afirma: “existe audiência designada para o dia 17/02/2011, (...) ou o paciente será preso ao exercer o seu direito/dever de comparecimento à solenidade de instrução do processo, ou terá contra si o prejuízo da ausência, o reconhecimento da revelia e a possível fundamentação de uma prisão que hoje comprovadamente não se justifica”.
Liminarmente, requer a suspensão do cumprimento do mandado de prisão expedido contra o paciente nos autos do processo 013/2.09.0008425-0, da 1ª Vara Criminal da Comarca de Erechim/RS.
No mérito, pugna pela concessão da ordem a fim de que seja revogada a determinação da prisão preventiva e assegurado ao paciente o direito de continuar a responder ao processo em liberdade.
Passo a decidir.
Colhe-se do voto da relatora do HC 168.749/RS, Ministra Laurita Vaz:
“ Segundo consta dos autos, o ora Paciente – advogado militante na Comarca de Erechim/RS – teria se apropriado da quantia de R$ 147.793,00 (cento e quarenta e sete mil, setecentos e noventa e três reais), pertencente à vítima Luiz Carlos Ferreto, a qual lhe foi disponibilizada pelo Alvará de Autorização n.º 4680/537-2009, deferido pelo Juízo de Direito da 2.ª Vara Cível daquela Comarca. Conforme a inicial acusatória, o acusado, portando o referido alvará, dirigiu-se ao Banco Banrisul, retirou o dinheiro e o depositou em sua conta-corrente particular, deixando de proceder ao devido repasse à vítima.
Conforme afirmaram as instâncias ordinárias, o ora Paciente não atendeu aos chamamentos da Autoridade Policial para o esclarecimento dos fatos a ele imputados e, segundo as informações que ora faço juntar aos autos, constata-se que o réu se encontra em local incerto e não sabido. Desse modo, transparece nítida sua intenção de se furtar à persecução criminal do Estado, razão pela qual encontra-se justificada a decretação da custódia preventiva”.
Ao decretar a prisão cautelar do paciente, o Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Erechim/RS adotou os seguintes fundamentos:
“Marcelo sequer foi localizado pelos policiais civis para ser intimado pessoalmente para comparecer na Delegacia de Polícia e prestar depoimentos.
(...) embora comprometendo-se de comparecer na Delegacia de Polícia, no dia 23.11.2009, não compareceu, demonstrando, então, descaso em colaborar com a Justiça, o que poderá voltar a ocorrer, prejudicada a instrução criminal e, por consequência, a aplicação da lei penal.
Ademais, como se vê, o representado está sendo investigado pela prática de delito idêntico ao descrito na exordial, sendo que as circunstâncias em que ocorreram tais crimes e seu modus operandi, demonstra a audácia usada por ele, devendo o Judiciário agir para evitar que crimes desta natureza não continuem ocorrendo, já que o denunciado continua atuando como advogado nesta Comarca”.
Para que o decreto de custódia cautelar seja idôneo, é necessário que o ato judicial constritivo da liberdade especifique, de modo fundamentado (CF, art. 93, IX), elementos concretos que justifiquem a medida. Nesse sentido, cito os precedentes: HC n. 74.666/RS, Min. Celso de Mello, DJ 11.10.2002 e HC n. 91.386/BA, da minha relatoria, DJ 16.5.2008.
Na espécie, entendo que o Juízo da origem indicou elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade da prisão do paciente, em especial o fundamento da aplicação da lei penal.
Dessa forma, salvo melhor juízo quanto ao mérito, os fundamentos adotados pela decisão proferida pelo STJ, assim como os demais elementos constantes dos autos, não autorizam a concessão da liminar.
Ante o exposto, indefiro o pedido de medida liminar.
Estando os autos suficientemente instruídos, abra-se vista ao Procurador-Geral da República (RI/STF, art. 192).
Publique-se.
Brasília, 16 de fevereiro de 2011.
Ministro GILMAR MENDES
Relator
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