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TJ/RJ - Editora e autor do livro "Meu nome não é Johnny" terão que pagar indenização

Walter Luiz de Carvalho vai receber R$ 10 mil por danos morais da Editora Record e de Guilherme Fiúza, autor do livro “Meu nome não é Johnny”, por fazerem alusão à sua pessoa na obra e no filme homônimo sem autorização.

19/1/2011


Danos morais

TJ/RJ - Editora e autor do livro "Meu nome não é Johnny" terão que pagar indenização

Walter Luiz de Carvalho vai receber R$ 10 mil por danos morais da Editora Record e de Guilherme Fiúza, autor do livro "Meu nome não é Johnny", por fazerem alusão à sua pessoa na obra e no filme homônimo sem autorização. Os desembargadores da 1ª Câmara Cível do TJ/RJ decidiram, por maioria de votos, reformar a sentença de 1º grau que havia julgado improcedente o pedido do autor.

Segundo o autor da ação, os fatos narrados e as características pessoais do personagem Alex foram baseados na sua vida e permitem a sua identificação, principalmente pelo fato de ele ser deficiente físico. Para o relator do processo, desembargador Camilo Ribeiro Rulière, a alteração do nome não impediu a ofensa à privacidade do autor da ação.

"Não obstante o interesse social e a referência pedagógica da obra intelectual em foco, a mesma se destinou a exploração comercial e econômica e, ao que parece, só se preocupou com o consentimento do personagem principal, não abrangendo a autorização para mencionar episódios envolvendo outras pessoas cujas vidas foram narradas, mesmo que parcialmente, e identificadas", destacou o magistrado.

Confira abaixo a decisão na íntegra :

_______________

1ª CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Apelação Cível nº 0028427-24.2008.8.19.0001

Apelante: Walter Luiz de Carvalho

Apelados: 1) Editora Record Ltda.

2) Guilherme Sobral Pinto Menescal Fiuza

Relator: Desembargador Camilo Ribeiro Rulière

Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização, envolvendo a obra literária “MEU NOME NÃO É JOHNNY” – Menção, na obra literária e no filme, sobre a pessoa do autor, inclusive com relação as suas dificuldades sexuais por ser o mesmo paraplégico, valendo-se de personagem com o nome fictício de Alex, sem autorização.

Conjunto probatório que demonstra que a obra em questão retrata não só o personagem principal da história, João Estrela, como seus amigos, familiares e companheiros de empreitada criminosa, dentre estes últimos, o personagem Alex, que, pelos elementos constantes das narrativas, permitem a perfeita identificação do autor do presente litígio.

Conflito entre direitos fundamentais previstos constitucionalmente - O direito à livre expressão da atividade intelectual e de comunicação não pode ser exercido abusivamente, mas, muito pelo contrário, deve respeitar os estreitos limites impostos pela Lei Maior, sob pena de violar valores essenciais, de idêntica estatura jurídica e igualmente protegidos pelo ordenamento constitucional, em especial a intimidade, a vida privada e a honra das pessoas – No mesmo sentido o artigo 20 do Código Civil.

Obra intelectual que se destina a exploração comercial e econômica, não obstante o interesse social e a referência pedagógica – Ausência de autorização expressa do autor - Dano moral configurado – Sucumbência recíproca - Provimento parcial do recurso.

Relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível, originários da 35ª Vara Cível da Comarca da Capital em que é apelante Walter Luiz de Carvalho e são apelados Editora Record Ltda. e Guilherme Sobral Pinto Menescal Fiuza. Acordam os Desembargadores que compõem a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça, por maioria de seus votos, em dar parcial provimento ao recurso, vencido o Desembargador Fabio Dutra. Trata-se de Apelação tempestiva interposta por Walter Luiz de Carvalho, fls. 477/480, alvejando a Sentença de fls. 468/475, que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização proposta em face de Editora Record Ltda. e Guilherme Sobral Pinto Menescal Fiuza, julgou improcedentes os pedidos, condenando o autor ao pagamento das despesas processuais e verba honorária de R$ 5.000,00, na proporção de metade para cada réu, com observância do disposto no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.

Pretende a reforma do decisum, com a condenação dos réus a indenizarem os danos patrimoniais consubstanciados na exploração econômica da obra conhecida como “Meu Nome Não é Johnny”, bem como os danos morais suportados em razão da exposição de sua vida íntima no país e no exterior. Contrarrazões em fls. 485/503 e 504/522.

Relatados, decido.

Cuida-se de Ação de Obrigação de Fazer c/ Indenização envolvendo a obra literária “MEU NOME NÃO É JOHNNY”, editada pela primeira ré e de autoria do segundo, posteriormente adaptada para filme com o mesmo título, cujo enredo, que tem como protagonista João Guilherme Estrela, relatou o tráfico de drogas na classe média carioca, a partir da chamada “Conexão Nelore”, desmantelada em 1995 pela Polícia Federal.

Na inicial, o autor sustenta que os réus, muito embora destituídos de autorização, fazem na referida obra alusão à pessoa do autor, valendo-se do personagem com o nome fictício de Alex.

Prossegue aduzindo que, pelo cotejo entre os fatos narrados e as características pessoais de Alex, como por exemplo, sua condição de deficiente físico, as circunstâncias de como ficou paraplégico, sua prisão em Petrópolis, sua residência, sua confecção na Rua Tereza, sua condenação como traficante de drogas, entre outras, foi o autor prontamente identificado por pessoas que cercam sua vida e de sua família.

Afirma, com destaque, que no livro existem inclusive comentários sobre suas dificuldades sexuais por ser o mesmo deficiente físico.

Contestando os pedidos, de modo geral, os réus invocam a liberdade de expressão e imprensa, com respaldo no artigo 220, parágrafos 1º, 2º e 6º da Constituição Federal, defesa, aliás, acolhida na Sentença objeto do recurso.

Apreciando o contexto probatório, é inegável que a obra em questão retrata não só o personagem principal da história, João Estrela, como seus amigos, familiares e companheiros de empreitada criminosa, dentre estes últimos, o personagem Alex, que, pelos elementos constantes das narrativas, permitem a identificação do autor do presente litígio.

Aliás, no depoimento prestado em fl. 463, João Guilherme R. Fiúza, o João Estrela, reconhece que Alex é o autor Walter, acrescentando que todos os fatos são verídicos, conforme se depreende do seguinte depoimento:

“Que Walter é o personagem narrado no livro; que os dados do personagem Alex conferem com os dados de Walter, que conversou com Walter e de forma bem humorada ele revelou detalhes de sua vida sexual e por seu turno ditos dados foram transferidos para o livro; que na época havia uma relação de confiança entre todos...” (testemunha João Estrela - fl. 463)

Note-se que o autor do livro, em seu depoimento pessoal prestado em fl. 461/462, admitiu: “que seu interesse pela utilização e comercialização de drogas por jovens da classe média despertou o seu interesse jornalístico e sendo primo de João Estrela, personagem central da obra “MEU NOME NÃO É JOHNNY” e vendo também o flagelo social e familiar decorrente do uso de drogas partiu para uma investigação e entrevistas com diversos seguimentos, tais como polícia, usuários, autoridades penitenciárias e outros, tudo com a finalidade de bem retratar a situação em comento. A idéia do livro ocorreu anos depois da libertação de João Estrela; que nunca teve contato com o autor; que quem contou a história do personagem Alex foi João e também Flávio Furtado, delegado da PF...”.

A farta prova documental, em especial o anexo acostado pela própria Editora Record em fls. 185/192, destaca vários trechos do livro referentes ao personagem Alex, sendo que no primeiro já afirma: “que os personagens que são apresentados sem sobrenome tiveram seus nomes verdadeiros trocados, por questões de privacidade e de segurança”.

A alteração do nome não impediu a ofensa à privacidade do autor.

Por fim, o próprio reconhecimento expresso da nobre Magistrada a quo, em conformidade com o trecho do decisum, que ora transcrevo:

“Não cabe ao Juízo julgar a conduta do autor como traficante de drogas, pois esta já mereceu a análise e a condenação da sociedade, posto que cumpriu pena de reclusão por doze anos, o que bem demonstra a gravidade da conduta valorada penalmente. Todavia, não logrei concluir em abono da justificativa para a indenização pleiteada, porque o só fato de ter sido parceiro de João Estrela e a obra em comento conter, necessariamente, a sua performace na conexão Nelore, sob as tintas do personagem Alex, não pode ensejar compensação na medida em que o fato era verdadeiro e, por ele, foi o autor penalizado.

Portanto, para o fato público e notório, deve prevalecer o direito à informação da sociedade a liberdade de manifestação do pensamento.

Ainda no que toca e mesmo e com relação ao curto episódio, onde se registra os mecanismos utilizados para obter algum prazer em sua vida sexual, porque não agrega qualquer valor à obra não há de propiciar compensação material ou moral.”. (fl. 474).

Logo, a questão a ser enfrentada, no caso, envolve o conflito entre dois direitos fundamentais, ou seja, o direito do autor a preservação da intimidade e vida privada e o direito dos réus a liberdade de expressão e manifestação do pensamento reproduzido em obra literária.

Indiscutivelmente, a Constituição Federal de 1988 dispõe em seu artigo 5º, inciso X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Entretanto, o inciso IX do mesmo artigo supramencionado garante a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença, enquanto que o artigo 220 da Magna Carta cuida da liberdade de manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação.

Sobre o tema, o ilustre Desembargador Sérgio Cavalieri Filho, pondera: “na hipótese de haver confronto entre ambos os princípios, a tarefa do intérprete será sempre no sentido de encontrar o ponto de equilíbrio, de maneira a conciliá-los”.

A princípio, importante salientar o relevante papel social da imprensa, cujo exercício livre da atividade de comunicação, independentemente de censura ou licença, é essencial à configuração do Estado democrático de direito.

Contudo, o direito à livre expressão da atividade intelectual e de comunicação, não pode ser exercido abusivamente, mas, muito pelo contrário, deve respeitar os estreitos limites impostos pela Lei Maior, sob pena de violar valores essenciais, de idêntica estatura jurídica e igualmente protegidos pelo ordenamento constitucional, em especial a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.

No mesmo sentido o artigo 20 do Código Civil, que assim dispõe:

“salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização de imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais”.

Indubitavelmente, todo respeito merece a obra do conceituado jornalista Guilherme Fiuza, abordando o triste cenário do consumo e tráfico de drogas ilícitas na classe média/alta da sociedade e, como muito bem observado pela ilustre Juíza sentenciante, representa uma importante advertência não apenas aos pais extremamente permissivos que não impõem os limites necessários a seus filhos, como aos jovens que se tornam, com o vício, reféns de sua enganosa liberdade.

E, com toda certeza, o desenrolar de toda uma história, baseada em fatos reais e, infelizmente, muita próxima do drama vivenciado por muitos de nossos adolescentes e seus familiares nos tempos atuais, foi a principal razão do enorme sucesso de vendas do livro e bilheteria do filme, aliás, exibido em horário nobre, no último dia 07 de julho, na Rede Globo de Televisão.

No entanto, não obstante o interesse social e a referência pedagógica da obra intelectual em foco, a mesma se destinou a exploração comercial e econômica e, ao que parece, só se preocupou com o consentimento do personagem principal, não abrangendo a autorização para mencionar episódios envolvendo outras pessoas cujas vidas foram narradas, mesmo que parcialmente, e identificadas.

Consigne-se, ainda, que o escritor, ao desistir de fazer contato com o demandante e, consequentemente, deixar de obter a sua autorização expressa, assumiu o risco do ressarcimento, que tem respaldo no artigo 186 do Código Civil.

No que pertine ao pleito de recebimento de verba indenizatória a título de ressarcimento moral, não é difícil perceber as inúmeras divergências jurisprudenciais a respeito do valor do dano decorrente da violação da intimidade, vida privada e uso indevido da imagem, conforme se depreende dos Acórdãos que retratam situações assemelhadas à discutida no presente litígio, razão pela qual a questão deve ser dirimida à luz da análise do caso concreto.

Além da ausência de autorização do autor para ter parte da vida mencionada na obra literária e no filme, a reprodução do diálogo constante de fl. 39/40 do livro, por cópia em fls. 295/296, transcrito a seguir, comprova a violação da privacidade e intimidade:

“O companherismo entre os dois foi crescendo, e um dia João fez a pergunta inevitável: como era sua relação com as mulheres, se estava paralisado da cintura para baixo? Alex explicou que não sentia seus pés, nem seus joelhos, mas que dali para cima surgia alguma sensibilidade, que na região genital até se acentuava um pouco.

- Mas você consegue ficar de pau duro? Quis saber João.

Alex respondeu que, espontaneamente, não.

Mas tinha conseguido nos Estados Unidos uma maquininha “sensacional”, que envolvia o pênis num tubo de membrana, semelhante a uma camisinha, acoplado a uma bomba de sucção que levava sangue para o órgão.

- Dá pra trepar na boa. E eu ainda tenho uma vantagem sobre você: eu não brocho nunca! - arrematou às gargalhadas.”.

Segundo a oitiva de João Estrela, fl. 463, o episódio lhe foi narrado com muito bom humor, porém não havia autorização para divulgação ou menção em obra literária.

Consigne-se que além da ausência de discriminação pela condição de paraplégico do personagem Alex, o escritor dá muita ênfase a seu “alto astral” e condição de “líder”, enaltecendo, ainda, sua auto-estima masculina e, sobretudo sua virilidade, quando faz a seguinte referência: “volta e meia aparecia com uma mulher bonita ao lado, entre as várias namoradas que tinha”.

Consequentemente caracterizada a ofensa moral.

Por todo o exposto, os réus são condenados, solidariamente, ao pagamento de danos morais de R$ 10.000,00, monetariamente corrigidos da prolação do Acórdão e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a contar das citações dos réus.

No tocante ao dano patrimonial, o filme não visou retratar a vida do autor, que apenas em algumas pequenas passagens é mencionado, com o nome Alex, mas de João Estrela, razão pela qual não há ressarcimento material devido.

Despesas processuais rateadas, isento o autor, na forma do artigo 12 da Lei nº 1.060/50, arcando cada parte com os honorários do respectivo patrono, na forma do artigo 21 do Código de Processo Civil.

Assim, dá-se parcial provimento à Apelação, nos termos do Acórdão.

Rio de Janeiro, 05 de outubro de 2010.

CAMILO RIBEIRO RULIÈRE

Relator

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