Migalhas Quentes

Centenário de nascimento do jurista Miguel Reale

Comemora-se amanhã, 6/11, o centenário de nascimento do festejado criador da "Teoria Tridimensional do Direito" : Miguel Reale. Para homenagear um dos maiores símbolos do Direito, Migalhas publicou uma série de textos elaborados pela colunista Roberta Resende sobre a vida desse grande jurista.

5/11/2010


Miguel Reale

Migalhas comemora centenário de nascimento do jurista Miguel Reale

Comemora-se amanhã, 6/11, o centenário de nascimento do festejado criador da "Teoria Tridimensional do Direito" : Miguel Reale.

Para homenagear um dos maiores símbolos do Direito, Migalhas publicou uma série de textos elaborados pela colunista Roberta Resende.

Hoje, encerramos a série com um texto que narra detalhes de sua vida familiar, as cidades que o jurista escolheu como recanto de descanso, os institutos que fundou para fomentar a cultura do país e sua formação acadêmica.

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Miguel Reale – Um nome na história do Brasil

Mais um pouco sobre Miguel Reale

Ao longo da vida de Miguel Reale foi manifesta a sua crença na organização da sociedade em associações civis para fomentar a cultura, tal como via nos Estados Unidos da América do Norte. Sob essa inspiração, fundou ainda no Instituto Médio Dante Alighieri o Grêmio Literário; foi um dos sócios-fundadores do Itanhaém Iate Clube, cujo Conselho Deliberativo presidiu por 28 anos consecutivos; foi o fomentador e organizador do Instituto Brasileiro de Filosofia, da Sociedade Interamericana de Filosofia, da Revista Brasileira de Filosofia.

Embora a prolífica obra e o consistente legado sugiram um estudioso e trabalhador incansável, em suas Memórias vemos Miguel Reale defender o descanso do domingo como necessário ao próprio trabalho árduo na semana, assim como uma noite bem dormida.

Para o repouso semanal escolheu uma pequena propriedade rural em Diadema-SP, o Sítio São Miguel, onde passava os domingos. Nesse sítio prezava receber amigos, andar a cavalo, por-se em contato com suas raízes rurais. Já para as férias escolheu Itanhaém, a tranquila cidade do litoral sul paulista, onde a família tinha uma casa.

Espírito sensível, produzia versos para celebrar os grandes momentos da vida: o nascimento dos filhos, dos netos, o restabelecimento de uma neta que caiu da escada, o fim da Cachoeira de Sete Quedas pela construção da Usina de Itaipu.

Sempre foi um intelectual ligado a questões práticas, muitas vezes vistas como distantes da pauta filosófica. Sob esse viés tratava, em seus artigos na Folha de S. Paulo e depois no Estado de S. Paulo, de temas bem concretos e cotidianos, como a vocação turística da cidade de São Paulo; a sugestão para que o 5º ano do bacharelado em Direito fosse organizado em áreas de especialidades, a serem escolhidas pelos próprios estudantes, “em função de suas vocações”; a religião, a amizade, a morte, e tantos outros.

De todos os seus escritos e do desenho de sua própria trajetória depreende-se que nutria inabalável crença no poder da vontade individual, o que pode ser ricamente ilustrado por trecho do discurso proferido por ocasião de sua posse na Academia Paulista de Letras, aos 5 de outubro de 1977: “Dou razão a Cícero quando recusa a tese estóica da subordinação da vida humana a inelutáveis processos naturais, proclamando, como bom romano, o valor autônomo da voluntas: ‘Est autem aliquid in nostra potestate’, ou seja, ‘apesar de tudo, há sempre algo em nosso poder de querer’.”

Miguel Reale, um nome em nossa História

Miguel Reale, tendo participado dos grandes momentos políticos brasileiros, tendo contribuído sobremaneira para a transformação do pensamento jurídico no Brasil, para a sua pesquisa e seu ensino, trabalhado proficuamente pela inserção da filosofia em nossa cultura, inseriu seu nome em nossa História.

Mais uma vez, são às suas Memórias que recorremos: “Mas, afinal, que é a existência senão assistir a um desfile de presenças que vão se tornando ausências ou lembranças, até sobrevir o dia em que de nós só restará nome e saudade no coração dos que continuam a desfilar?”

Anexo 1 - Formação

Em 1921 seu pai resolveu matriculá-lo no Instituto Medio Dante Alighieri na Capital paulista, colégio fundado pela colônia italiana para que os italianos e seus descendentes pudessem manter as tradições pátrias. Miguel Reale inicialmente foi interno no Colégio, passando a semi-interno quando a família mudou-se para São Paulo. Ao entrar no Colégio conheceu aquela que viria ser sua mulher, Filomena Pucci. Todas as aulas eram ministradas em italiano, idioma que Miguel Reale não conhecia, o que fez com que tivesse que repetir a quarta série elementar. Não era só o idioma que era italiano, mas todo o programa: estudava-se geografia italiana, história italiana, literatura italiana, e assim por diante. Daí merecer destaque a visão do já convicto estudante, que sentia falta de disciplinas que abordassem temas brasileiros. Ao lembrar-se do diretor e seus pendores para declamar “os versos patrióticos de Carducci” e “as insurreições lombardas ou as glórias de Bolonha”, conta-nos que embora se comovesse, “sentia falta de um professor que, com igual entusiasmo, me lesse os cantos de Gonçalves Dias ou de Castro Alves”.

Sua identificação com a pátria era tanta que sua primeira conferência, proferida no Grêmio Literário Dante Alighieri, a primeira associação por ele criada e presidida, versou sobre o poeta árcade brasileiro Cláudio Manuel da Costa e a Escola Mineira.

Mais tarde, semeados entre seus trabalhos jurídico-filosóficos, haveria sempre textos dedicados a grandes nomes de nossa literatura. São de sua lavra dois exemplares integrantes da Coleção Afrânio Peixoto, editada pela Academia Brasileira de Letras: em um deles, o opúsculo Das Letras à Filosofia, reunião de artigos acerca de temas distintos, merece destaque o trabalho em que, a partir de análise de trechos de Os Lusíadas, de Camões, Miguel Reale defende que Portugal viveu, sim, ainda que à sua moda, um Renascimento das idéias e das artes.

Foi a essa época que Miguel Reale recebeu aquele que viria a ser o primeiro prêmio em sua carreira, em um concurso ainda no 2° grau.

Ao longo de sua profícua carreira, muitas os outros escritores de nossa literatura merecerão sua atenção. Assim será com o trabalho sobre Gonçalves de Magalhães, o poeta romântico, sobre A Filosofia na Obra de Machado de Assis, sobre A Face Oculta de Euclides da Cunha, com suas inúmeras referências a Gilberto Freire e a João Guimarães Rosa, com seu perfil de Menotti Del Picchia e tantas outras remissões que fará, ao longo de suas obras, a pensadores nacionais.

Mas voltemos à sua formação.

Terminados os estudos no Instituto Medio Dante Alighieri, Miguel Reale ingressou nas Arcadas, a Faculdade de Direito de São Paulo, em 1930, ano de efervescência política no país. Iniciou-se, assim, com a faculdade, sua intensa participação na vida político-partidária brasileira.

Sobre as aulas na velha Academia de Direito conta que eram proferidas à moda antiga, “verdadeiras conferências a um auditório não raro desatento, à espera da ‘sebenta’ a ser lida na véspera dos exames”. Como é sabido, na ausência de cursos de Filosofia, Sociologia ou Letras no país, ao curso jurídico afluía toda a espécie de vocação para as ciências humanas, uma das causas do desinteresse percebido pelo arguto aluno.

Ainda na faculdade tomaria parte na Revolução Constitucionalista e escreveria seu primeiro livro, O Estado Moderno, marco do início de sua longa e profícua trajetória como pensador de rumos para o Brasil.

Anexo 2 - A família que formou

Miguel Reale casou-se em 11 de setembro de 1935 com Filomena Pucci, filha de Raquel Lombardi Pucci e José Pucci, família de origem da Calábria, no sul da Itália. Filomena sempre foi conhecida como Nuce, apelido abrasileirado por Miguel a partir de Nuccia, abreviação de Filomenuccia.

Ebe, a primeira filha, nasceu em junho de 1936 e foi batizada em homenagem à Grécia, início de toda a civilização Ocidental. Dedicou-se ao estudo de História e é casada com Paulo Ferreira de Souza Filho.

Em janeiro de 1941 nasceu Lívia Maria, que recebeu o nome em homenagem à civilização romana, tendo cursado Letras neolatinas. Em temperamentos, no entanto, o orgulhoso pai explica, em suas Memórias, que eram o inverso: Lívia, loura e de feições frágeis, era sonhadora. Ebe, por sua vez, morena de olhos verdes, caracterizava-se por espírito decidido e prático.

A 18 de abril de 1944 nasceu Miguel, caçula e único filho varão. Graduado em Direito, desde cedo optou por dedicar-se a área criminal. É casado com a também advogada Judith Martins Costa.

Miguel Reale orgulhava-se da família, que com o passar dos anos completou-se com a chegada dos netos Thaís, Eduardo e Beatriz, filhos de Livia Maria, e Luciana, filha de Miguel Reale Júnior.

Em 1973 Livia Maria e seu marido Antonio Carlos de Camargo Ferrari faleceram em um incêndio em um hotel em Copenhagen. Nuce e Miguel assumiram a tutela e a educação dos três filhos do casal, que criaram como filhos.

O casal chegou a completar 63 anos de casados.

Os netos, Thais, casada com Ciro Naufel Filho, Eduardo, casado com Maria Silvia de Alcaraz Reale, Beatriz, casada com Silas Kok Ribeiro e Luciana, ao lado dos bisnetos Leonardo, Anna Lucia, Henrique e Lívia alegraram os últimos anos de vida de Miguel, na casa em que ele continuou vivendo após a morte de Nuce, em 4 de maio de 1999, onde gostava de reunir a família e amigos.

Após sua morte nasceram mais dois bisnetos, Estela e Luca.

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