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Aborto de fetos anencéfalos é analisado no Senado e no STF

Um dos temas mais polêmicos em tramitação no STF é a possibilidade de aborto de fetos anencéfalos, assunto de que trata o PLS 227/04, do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB/RR). Ele altera o artigo 128 do CP para incluir, entre os casos em que o aborto é permitido, a situação em que o feto tem anencefalia.

4/11/2010

Anencefalia

Aborto de fetos anencéfalos é analisado no Senado e no STF

Um dos temas mais polêmicos em tramitação no STF é a possibilidade de aborto de fetos anencéfalos, assunto de que trata o PLS 227/04 (clique aqui), do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB/RR). Ele altera o artigo 128 do CP (clique aqui) para incluir, entre os casos em que o aborto é permitido, a situação em que o feto tem anencefalia.

O senador alega que as mulheres brasileiras com esse tipo de gravidez estão sendo submetidas a "profundo sofrimento psicológico por todo o período gestacional". De acordo com o parlamentar, que é médico, as gestantes sofrem, além do trauma psíquico, prejuízos com relação à saúde - tais como o aumento da incidência de eclampsia e de anormalidades placentárias.

"É fundamental que a legislação brasileira contemple a possibilidade de interrupção da gravidez de fetos com anencefalia, caso seja o desejo da gestante e o ato seja praticado por médico habilitado", afirma o senador.

Supremo

O STF realizou, em 2008, uma série de audiências públicas com especialistas, autoridades do governo, entidades religiosas e da sociedade civil para debater a questão, mas, até hoje, não decidiu a respeito. O relator da matéria no STF é o ministro Marco Aurélio Mello.

A questão chegou ao STF a partir de uma ação ajuizada em 2004 na qual a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) pedia que a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos deixasse de ser considerada crime. A ação - denominada Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 (clique aqui) - foi proposta pelo advogado Luís Roberto Barroso com o apoio do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis).

A CNTS entende como ofensa à dignidade humana o fato de a gestante ser obrigada a carregar no ventre um feto que não sobreviverá depois do parto, ou que, na melhor das hipóteses, viverá algumas horas ou dias. Essa obrigação existe porque o Brasil proíbe o aborto, exceto quando a gravidez trouxer risco para a mãe ou for originária de estupro.

A confederação argumenta que "antecipação terapêutica do parto" não é o mesmo que aborto, mas uma questão tratada pela medicina e pelo senso comum que não teria qualquer semelhança com "escolha moral envolvida na interrupção voluntária de uma gravidez viável".

Procuradoria Geral

No dia 18 de agosto de 2004, o então procurador-geral da República Cláudio Fontelles manifestou-se a respeito da ação da CNTS enviando ao Supremo um parecer contrário à legalização do aborto de feto anencéfalo.

Fontelles argumentou que o direito à vida é garantido pela CF/88 (clique aqui) e que esse direito se estende aos fetos, uma vez que a Carta Magna diz, em seu artigo 5º, que "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida" e o artigo 2º do CC (lei 10.406/02 clique aqui) estabelece que "A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro".

Para o então procurador-geral da República, o tempo que pode viver uma criança anencéfala fora do útero - seja de minutos, seja de meses - não muda seu direito à vida, que "não se pode medir pelo tempo, seja ele qual for, de uma sobrevida visível".

Ele argumenta também que o feto anencéfalo não constitui, por si, ameaça à vida da gestante, pois, se a colocasse em risco, a interrupção nesse caso já seria permitida, não sendo necessária reinterpretação da lei. Com relação ao sofrimento da mãe que é obrigada a manter a gestação de uma criança com poucas esperanças de sobrevida, Fontelles diz que essa dor não é causa suficiente para relativizar o direito à vida.

Quase um ano depois das audiências públicas realizadas pelo tribunal em agosto e setembro de 2008 sobre o tema, a então procuradora-geral da República interina Deborah Duprat enviou novo parecer ao STF, no qual manifestava-se favoravelmente ao aborto por anencefalia do feto - posição claramente contrária à de Fontelles.

Deborah se disse convencida de que deve ser concedido à gestante o direito de interromper a gravidez sem a necessidade de prévia autorização judicial, caso um médico habilitado diagnostique que o feto não tem os hemisférios cerebrais. Em seu parecer, ela cita conclusões de participantes das audiências públicas do STF.

Divergência

Além da controvérsia entre os representantes do MP, os próprios ministros do STF divergem sobre o assunto. No dia 1º de julho de 2004, o ministro Marco Aurélio Mello, relator da matéria, concedeu liminar permitindo a gestantes de fetos anencéfalos antecipar o parto. Essa decisão durou, no entanto, apenas três meses. No dia 20/10 daquele ano, o plenário do STF retomou a discussão sobre o assunto e decidiu, por maioria, revogar a liminar de Marco Aurélio.

Votaram contra a liminar os ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Carlos Velloso e Nelson Jobim. Votaram com o relator e pelo referendo da liminar os ministros Carlos Ayres Britto, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence.

Enquanto o Supremo não conclui o julgamento, os juízes das instâncias inferiores continuam decidindo sobre esses casos. Alguns já autorizaram mulheres grávidas de anencéfalos a abortarem.

Marcela de Jesus

Em meio a toda a polêmica no Supremo e na Procuradoria Geral da República, ocorreu no interior de São Paulo um caso que esquentou ainda mais o debate. A menina Marcela de Jesus Galante Ferreira nasceu em novembro de 2006 na cidade de Patrocínio Paulista. Sua mãe, Cacilda Ferreira, decidiu levar adiante a gravidez mesmo depois do diagnóstico de anencefalia. Marcela Ferreira viveu por um ano, oito meses e doze dias, morrendo em agosto de 2008.

Embora confirmado pela pediatra da criança, alguns médicos contestaram o diagnóstico de anencefalia.

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PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 227, DE 2004

Altera o art. 128 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, Código Penal, para não punir a prática do aborto realizado por médico em caso de anencefalia fetal.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º O art. 128 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso:

“Art.128. ..........................................................................

Aborto no caso de gravidez de feto com anencefalia.

III – se o feto apresenta anencefalia e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. (NR)”

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Justificação

O debate sobre a interrupção da gestação de fetos anencefálicos instalou-se no País,provocado pela recente decisão liminar do ilustre Ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que autoriza a interrupção da gestação quando detectada anencefalia no feto. A decisão atendeu à Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54, movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS).

A anencefalia é uma das alterações na formação do sistema nervoso central resultante da falha, em etapas precoces do desenvolvimento embrionário, do mecanismo de fechamento do tubo neural conhecido como indução dorsal. A mais grave das enfermidades produzidas por essa falha, a craniorraquisquise total, resulta invariavelmente na morte fetal precoce (nos primeiros meses da gestação).

A próxima etapa em termos de gravidade da lesão é a anencefalia, que se caracteriza pela ausência dos hemisférios cerebrais e de ossos cranianos (frontal,occipital e parietais). O tronco cerebral e a medula espinhal estão preservados, exceto nos casos em que a anencefalia se acompanha de defeitos no fechamento da coluna vertebral (mielomeningocele).

Nos Estados Unidos, essa doença tem incidência de aproximadamente 0,5 em cada mil nascimentos, com variações regionais significativas. Para o Brasil, a incidência estimada é de 2 por mil nascimentos, segundo a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO). Há que se ressaltar, contudo, que esses números tendem a cair com a prática da fortificação de determinados alimentos com ácido fólico.

Estudos indicam que aproximadamente três quartos dos fetos acometidos têm morte intra-uterina e um quarto deles nascem vivos. Destes, a imensa maioria morre dentro de 24 horas e o restante, no decorrer da primeira semana.

Atualmente, graças ao uso cada vez mais disseminado da ultrasonografia obstétrica, é possível diagnosticar a anormalidade ainda no início da gravidez. O desfecho final da gestação – morte do concepto ainda no útero ou logo após o nascimento -já passa a ser conhecido desde o seu início.

Dessa forma, por força da inexistência de qualquer tratamento que possa curar ou, pelo menos, amenizar o problema, as futuras mães são submetidas a um profundo sofrimento psicológico por todo o período gestacional, pois têm a consciência de carregar, em seus ventres, fetos sem qualquer possibilidade de vida extra-uterina.

Além do trauma psíquico, a anencefalia fetal enseja sérios prejuízos à saúde materna, tais como o aumento da incidência de eclâmpsia e de anormalidades placentárias.

Com efeito, a justificativa da interrupção da gravidez em casos de anencefalia fetal decorre da conjunção dos fatores materno e fetal – o risco imposto à saúde física e psicológica da mãe somado à completa impossibilidade de o nascituro prosperar na vida extra-uterina.

Quando a gravidez implica risco moderado à saúde da gestante, os obstetras aguardam até que o feto seja considerado viável para induzir o parto. No caso do anencéfalo, todavia, essa viabilidade nunca é atingida, mesmo que se espere até o termo. Ele tem, por definição, viabilidade igual a zero, independentemente da idade gestacional.

Dessa forma, não faz sentido forçar a mulher a esperar até o final da gravidez para que esta tenha o desfecho há muito prognosticado, a morte do nascituro. De modo geral, o Poder Judiciário brasileiro tem concordado com os argumentos aqui apresentados e tem concedido liminares favoráveis à interrupção de gestações de fetos com anencefalia. Não raro, contudo, as decisões judiciais são proferidas tardiamente, depois que o parto já ocorreu de modo espontâneo e a mãe passou por sofrimento longo e desnecessário.

Por isso é fúndamental que a legislação brasileira contemple a possibilidade de interrupção da gravidez de fetos com anencefalia, caso seja este o desejo da gestante e o ato seja praticado por médico habilitado.

Esses são os motivos por que submetemos à elevada apreciação do Congresso Nacional o presente projeto de lei. Estamos certos do apoio de nossos pares, em razão da relevância que a matéria possui para a mulher e a família brasileiras.

Sala das Sessões, 11 de agosto de 2004.

Mozarildo Cavalcanti.

(À Comissão de Constituição, justiça e cidadania – decisão terminativa.)

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Fonte : Agência Senado
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