Sorteio de obra
"Divórcio de casais não é nada fácil ou simples, mesmo quando consensual. Envolve sempre sofrimento e dor, ainda que tenha um sentido de libertação. O fim da conjugalidade é um momento em que se depara, novamente, com o desamparo estrutural do ser humano. Depara-se consigo mesmo. E constata-se que aquele (a) que se pensava ser o complemento da vida já não sustenta mais esse lugar de tamponamento. O encantamento acabou. O amor perfeito, ou quase perfeito, era pura ilusão, ou simplesmente acabou. Sabe-se, por isso, que o amor perfeito é perfeitamente impossível.
Quando a separação é consensual é possível colocar um ponto final àquele amor que "era vidro e se quebrou", sofrer menos e proteger mais os filhos das consequências, às vezes maléficas, da separação. O fim da conjugalidade não significa o fim da família, nem o fim da felicidade; pelo contrário, separa-se para ser feliz, para melhorar de vida ou pelo menos ser menos infeliz. Na sociedade do consumo, do espetáculo, até o amor se consome mais rápido. O amor está cada vez mais líquido. É certo que os casais com filhos têm uma responsabilidade maior com a manutenção do vínculo conjugal, mas isso não significa que têm de ficar juntos para sempre em razão deles. Se agissem assim fariam mal a todos os envolvidos. Os filhos estarão melhor à medida que os pais estiverem melhor. A ideia de que filhos de pais separados não são felizes, ou serão problemáticos, não é verdadeira. Do ponto de vista social não há mais o peso do preconceito que recaía sobre eles e sobre as mulheres "desquitadas".
Apesar de toda evolução social, da desestigmatização das separações, da revolução dos costumes, da "liquidez" dos laços amorosos e conjugais, a separação, por mais simples que seja, continua sendo um dos momentos de maior dor e sofrimento, pelo menos para uma das partes. Embora a separação funcione muitas vezes como um remédio, ela é, antes de tudo, a constatação e o encontro com o desamparo. Afloram-se medos, inseguranças e decepções. São os fantasmas de solidão. Desmonta-se uma estrutura conjugal. E o fim de um sonho. E preciso aprender a se separar sem briga.
O processo judicial litigioso é uma maneira e uma tentativa de não se separar. O casal fica unido pelo litígio em verdadeiras histórias de degradação um do outro. O ódio une mais que o amor. O mais impressionante em um litígio conjugal é que cada parte tem certeza que está do lado da verdade. Da sua verdade. O litígio, além de ser o sintoma de uma relação mal resolvida, significa também a tentativa, muitas vezes inconsciente, de não perder, embora já tenham perdido: o amor, o respeito e a dignidade. A reivindicação objetiva que surge nos processos litigiosos vem sempre em nome de um direito. Na maioria das vezes isso é uma falácia. E comum o processo judicial ser usado para travestir uma outra cena, que é da ordem da subjetividade. E apenas uma tentativa inconsciente de não se separar.
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Na linguagem jurídica, os ritos se traduzem como um processo. Podemos dizer, então, que o processo judicial é um ritual sob o comando do Juiz, o qual ocupa a importante função de representante da lei e simbolicamente também de "um pai", que vem, principalmente, fazer um corte, pôr fim (sentença) a uma demanda, amigável ou litigiosa, instalando uma nova fase na vida das pessoas. Muitas vezes vem também, no litígio conjugal, barrar o desejo desenfreado, o excesso, colocando fim a uma relação doentia, sustentada principalmente pelo ódio." O autor
Sobre o autor :
Rodrigo da Cunha Pereira é advogado especializado em Direito de Família; trabalha interdisciplinarmente com Direito e Psicanálise. Presidente do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família. Doutor pela UFPR e mestre pela UFMG em Direito Civil. Autor de vários livros em Direito de Família.
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_________________André Jerusalmy, advogado da RB Capital Holding S.A., de São Paulo/SP