Danos morais
Juíza de SP julga improcedente ação movida por Lulinha contra a Editora Abril
A Editora Abril foi representada neste caso pelos advogados Alexandre Fidalgo e Claudia de Brito Pinheiro David, do escritório Lourival J. Santos - Advogados.
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Leia a sentença na íntegra.
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO COMARCA DE SÃO PAULO FORO REGIONAL XI – PINHEIROS 2ª VARA CÍVEL
SENTENÇA
Processo nº: 011.06.119805-8
Classe - Assunto Procedimento Ordinário - Assunto Principal do Processo
Requerente: Fábio Luis Lula da Silva
Requerido: Editora Abril S/A e outros
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Luciana Novakoski Ferreira Alves de Oliveira
Vistos.
FÁBIO LUIS LULA DA SILVA ajuíza ação de indenização por danos morais em face de EDITORA ABRIL S.A., ALEXANDRE OLTRAMARI e ALEXANDRE PAES DOS SANTOS, pelo procedimento ordinário.
Alega, em síntese, que a Revista Veja, edição impressa nº 1.980, datada de 01/11/06, publicou matéria de duas páginas, intitulada “O Fábio ficava mais ali”, redigida por Alexandre Oltramari, como forma de corroborar reportagem veiculada na semana anterior e que insinuava que o sucesso profissional do autor, filho do Presidente da República, decorria de sua filiação e da prática de lobby com pessoas influentes no cenário político, juntamente com Kalil Bittar, seu sócio na empresa GameCorp. Segundo a reportagem, o autor e Kalil Bittar usavam a sala, em Brasília, do co-réu Alexandre Paes dos Santos, que seria um lobista e teria um passado criminoso. No entanto, diante de notas divulgadas pelo próprio co-réu Alexandre Paes dos Santos como pela empresa GameCorp, negando a veracidade do conteúdo da matéria veiculada pelos demais réus, a Revista Veja publicou nova reportagem, na qual reitera a autenticidade das informações e que, inclusive, o lobista Alexandre Paes dos Santos, ouvido em três oportunidades pela revista, teria apontado a mesa que o autor usava em seu escritório para fazer lobby em Brasília.
Sustenta que, se chegou a afirmar isso, Alexandre Paes dos Santos mentiu. A Revista Veja e o repórter Alexandre Oltramari, por sua vez, não checaram a veracidade dos fatos supostamente narrados por sua fonte e tampouco ouviram o autor previamente à veiculação da reportagem, com o intuito de lhe garantir um direito de resposta. Os réus enxovalharam a imagem pública do autor, associando-o à prática de influências políticas. Assim, requer a condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais, em valor a ser arbitrado pelo Juízo, e à publicação da sentença condenatória na Revista Veja. O co-réu Alexandre Paes dos Santos é citado e contesta o pedido. Alega, preliminarmente, ilegitimidade passiva, porque também foi vítima das notícias inverídicas publicadas pelos demais réus; e inépcia da petição inicial. No mérito, alega que exarou nota à imprensa desmentindo os fatos veiculados na revista e que não pode ser responsabilizado por ato de terceiro.
A Revista Veja e o seu repórter também apresentam contestação. Alegam que essa segunda reportagem mostrou-se necessária diante das notas publicadas pela GameCorp e por Alexandre Paes dos Santos, negando os fatos veiculados pela revista na matéria da semana anterior. Logo, a reportagem apenas buscou reiterar a veracidade das informações levadas a público, enfatizando que seu repórter havia conversado como de fato fez em três oportunidades com Alexandre Paes dos Santos, que afirmou que o autor e seu sócio, Kalil Bittar, efetivamente usavam seu escritório em Brasília. Sustentam, ainda, que a expressão lobby indica atividade lícita no meio político e que não há qualquer conotação negativa em seu emprego. Aduzem que, antes da publicação da reportagem veiculada na semana anterior, o autor foi procurado, por meio de sua assessoria de imprensa, mas não quis se manifestar. No mais, ressaltam o interesse público da matéria e a figura pública do autor, filho do Presidente da República. Concluem que, diante das diligências tomadas pelos réus e da ausência de abuso nas informações expostas na matéria, inexiste o dever de indenizar. Requerem a improcedência do pedido. Réplica, às fls. 159/165 e 350/357.
O feito é saneado, às fls. 380/381, afastando as preliminares e deferindo a produção de prova oral. Em audiência de instrução e julgamento e por carta precatória, são tomados os depoimentos das partes e de duas testemunhas do autor. Por fim, as partes apresentam memoriais escritos, com exceção do co-réu Alexandre Paes dos Santos.
É o relatório.
Fundamento e decido.
A reportagem objeto do presente processo é, na verdade, um desdobramento de reportagem anterior, que, por sua vez, deu azo a outro processo. Nos autos da ação nº 09.119341-9, que também tramitou neste juízo, decidiu-se pela improcedência do pedido do autor, por se entender que a Revista Veja havia publicado uma notícia de interesse público, pautando-a pelas normas corretas que permeiam o jornalismo.
Pois bem. Não há como o resultado dessa ação seguir caminho diferente. O pedido de indenização por dano moral é, da mesma maneira, improcedente. Na primeira reportagem, denominada “O Ronaldo de Lula” e publicada uma semana antes da matéria objeto dessa ação, a Revista Veja abordou a trajetória profissional do autor, filho do Presidente da República, e de sua ascensão concomitantemente aos mandatos presidenciais de seu pai. Apontou, ainda, a participação societária do autor em empresa de telefonia e a atuação dele nos bastidores políticos, fazendo uso do escritório de Alexandre Paes dos Santos, em Brasília.
Durante os dias que se seguiram à publicação desse artigo pela revista, a empresa GameCorp e Alexandre Paes dos Santos desmentiram as informações publicadas, sendo que este chegou até a afirmar que sequer conhecia o autor e que ele nunca havia estado em seu escritório.
Por conta disso, nessa segunda reportagem, a Revista Veja nada mais fez do que defender a lisura de sua conduta, noticiando o desmentido de um dos entrevistados e reforçando, ao mesmo tempo, a veracidade de suas informações. Da leitura da segunda matéria, não se vislumbra qualquer alusão adicional que poderia ferir a honra do autor. Como dito, cuida-se de mero desdobramento da reportagem anterior, sem a inclusão de fatos novos.
Antes, porém, de se analisarem, de forma mais detida, a reportagem publicada pela Revista Veja e a eventual ocorrência de danos à imagem e à honra do autor, mostram-se imprescindíveis algumas considerações já abordadas no processo anteriormente mencionado sobre o direito de imprensa. A liberdade de imprensa é uma garantia vital à democracia, e seu controle pelo Poder Judiciário é solicitado quando entram em conflito dois princípios constitucionalmente protegidos: a liberdade de imprensa (arts. 5º, inciso IX, e 220 da Constituição Federal) e a inviolabilidade da honra e da imagem da pessoa (art. 5º, inciso X, da Constituição Federal).
No exercício desse controle, o Poder Judiciário deve se valer de outro princípio, o da proporcionalidade, para o cotejo daqueles princípios, de forma que, para fins de responsabilização civil, os órgãos da imprensa somente respondam quando haja abusivo no exercício da atividade jornalística. Aqui, vale mencionar lição de Antonino Scalise, transcrita em voto do MM. Juiz Relator Francisco Loureiro e com base na jurisprudência italiana, de que “a informação jornalística é legítima se preencher três requisitos cumulativos: a) o interesse social da notícia; b) a verdade do fato narrado e c) a continência da narração (apud Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, Direito de Informação e Liberdade de Expressão, Renovar, 1.999, p. 235/236).” (TJSP, Ap. nº 535.323.4/5-00, j. 01/10/09).
E, como já exposto na decisão anterior, é evidente que o autor, sendo filho do Presidente da República, é pessoa pública e, nessa condição, deve estar ciente de que sua imagem será exposta, especialmente se seu nome estiver ligado a assunto de interesse público como estava, na reportagem que insinuava sua meteórica ascensão profissional e patrimonial concomitantemente com os mandatos de seu pai.
No tocante à veracidade das informações veiculadas na matéria, ainda segundo citado voto, reproduzindo ensinamento de Cláudio Luiz Bueno de Godoy, em sua obra “A Liberdade de Imprensa e os Direitos da Personalidade”, é “claro que não se exige do jornalista o mesmo rigor e aprofundamento no exame das provas que devem ter as autoridades policiais e judiciárias, sob pena de se inviabilizar o jornalismo investigativo, que tantos benefícios presta à sociedade. Isso, porém, não isenta o jornalista do dever de ser reto e veraz, de checar suas fontes, de apurar a procedência dos fatos, de pesar evidências, evitando a todo custo a divulgação precipitada de fatos delituosos que possam arruinar a vida e a reputação de pessoas indevidamente citadas.”
E, nesse ponto, não existe qualquer comprovação de que a Revista Veja ou o seu repórter tenha distorcido os fatos ou, de alguma forma, se distanciado da verdade. Nem se diga que o desmentido de Alexandre Paes dos Santos seja prova cabal de que a revista seja mentirosa.
Sabe-se que, tratando-se de questão afeta ao direito de imprensa, desmentidos das pessoas envolvidas em reportagens não são fato incomum. Seria absolutamente desarrazoado que, à vista de um desmentido, um órgão de imprensa fosse obrigado a indenizar o envolvido. Se fosse assim, órgãos de imprensa, em geral, estariam sempre à mercê daquelas pessoas que entrevistam.
A Revista Veja e o repórter Alexandre Oltramari, ao que consta dos autos, expuseram, na primeira reportagem, o que foi dito por Alexandre Paes dos Santos e, na segunda, noticiaram o desmentido dele. Paralelamente o que é uma conduta natural de defesa -, buscaram reafirmar a ética de sua conduta. O teor das reportagens, se analisadas em conjunto, também não aponta indícios de invenção a cargo do repórter. Quisesse ele criar uma versão deliberadamente nefasta ao autor, não haveria necessidade de inventar que Alexandre Paes dos Santos alegou ter contato direto com ele. Bastaria ressaltar a estrita ligação de Alexandre Paes dos Santos com o amigo e sócio do autor, Kalil Bittar, o que é fato incontroverso, e insinuar que, por conta dessa ligação, Fábio Luís Lula da Silva também estaria envolvido. Qualquer repórter de mediana habilidade seria apto a construir uma versão comprometedora da imagem do autor apenas com base nessa relação.
Esse, no entanto, não parece ser o caso, pois seria inconcebível que um veículo de imprensa tão acostumado a reportagens e denúncias de cunho político se arriscasse por tão pouco.
Ademais, era ônus do autor, fundado no art. 333, inciso I, do Código de Processo Civil, demonstrar a total inverdade dos fatos noticiados pela revista. Veja-se, aqui, que as duas testemunhas por ele arroladas declararam-se amigas íntimas do autor, o que já é suficiente para comprometer a imparcialidade de seus depoimentos, nos termos do art. 405, § 3º, inciso III, do Código de Processo Civil. Por outro lado, a negativa do co-réu Alexandre Paes dos Santos, como já dito, tampouco é confiável, diante de sua condição não controvertida de lobista atuante no cenário político nacional.
Por fim, vale repetir entendimento manifestado no processo anterior de que uma ou outra inexatidão nas informações veiculadas pela revista ou que não possa ser cabalmente comprovada não basta para implicar abuso no exercício da atividade de imprensa.
Quanto à pertinência ou continência da matéria, é importante repetir ressalva feita no início dessa fundamentação de que a reportagem “O Fábio ficava mais ali” apenas foi publicada pela Revista Veja em razão das notas enviadas aos órgãos de imprensa, tanto pela empresa da qual o autor é sócio, GameCorp, quanto pelo co-réu Alexandre Paes dos Santos, desmentindo o conteúdo da reportagem veiculada na semana anterior, intitulada “O Ronaldo de Lula”. Tratou-se, portanto, de mera resposta da ré às críticas e acusações manifestadas pelo autor e pela “fonte” Alexandre Paes dos Santos.
Consigne-se, ainda, que, por se tratar de complementação à reportagem anterior e por haver expressa menção às negativas manifestadas pelos envolvidos, seria até desnecessário que a revista buscasse nova e prévia manifestação do autor. De qualquer modo, assim como na reportagem anterior, os réus informaram que entraram em contato com a assessoria de imprensa do autor, que preferiu não se manifestar sobre o caso.
Assim, considerando-se o conflito dos interesses constitucionais envolvidos na publicação da matéria, a prevalência da liberdade de expressão em face do interesse público da matéria e diante da ausência de conduta abusiva da Revista Veja e do repórter Alexandre Oltramari, inexiste direito à reparação civil. O mesmo ocorre, embora por motivos distintos, com relação ao co-réu Alexandre Paes dos Santos.
É preciso ressaltar que, não obstante o desmentido dele, não há como ele ser responsabilizado por indenizar o autor por eventuais danos morais. Afora uma ou outra alusão deselegante ao autor, Alexandre Paes dos Santos nada disse que pudesse comprometer a honra do filho do Presidente da República. E não pode ser condenado pelo mero fato de o autor não desejar ter sua imagem ligada à dele. Ora, o réu não tem qualquer responsabilidade ou controle sobre essa prevenção do autor.
Além disso, não obstante haja duas versões conflitantes a cargo do réu, esse fato, isoladamente, não causa potencial dano ao autor. Aliás, é necessário dizer que, a rigor, há até dificuldade de se compreender qual a causa de pedir que fundamenta o pedido em face de Alexandre Paes dos Santos. O autor, em sua narrativa, parece fundamentar o pedido, em relação a todos os réus, na mesma causa de pedir. Todavia, o fundamento das responsabilidades é absolutamente distinto. O réu Alexandre Paes dos Santos só seria passível de condenação se, de maneira comprovadamente ilícita, tivesse imputado ao autor algum ato ou fato capaz de lhe acarretar danos morais. Mas, como dito, ele não tem controle sobre a conotação dada à reportagem ou sobre as inferências relacionadas a ela. Trata-se, no caso, de responsabilidade subjetiva, e não objetiva.
Enfim, por qualquer ângulo que se analise a questão, o fato é que a presente reportagem, por si só, não ostenta qualquer potencial ofensivo à honra do autor. Na medida em que já se decidiu, em face da reportagem anterior, que o seu pedido era improcedente, não haveria qualquer sentido em que, da análise conjunta ou isolada da segunda reportagem, se chegasse a outra conclusão. Em ambos os casos, deve-se compreender que a liberdade de expressão, corolário do Estado Democrático de Direito, é garantia inafastável de civilidade e desenvolvimento de um país.
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, nos termos do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil. Em razão da sucumbência, arcará o autor com o pagamento das custas e despesas processuais e de honorários advocatícios, que fixo, por equidade, em R$ 10.000,00 para cada réu.
P.R.I.C.
São Paulo, 17 de setembro de 2010
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