Revistados
Lojas Americanas não precisa pagar indenização a funcionário por revista íntima, diz TST
Segundo testemunha, também empregado e sujeito ao procedimento, a revista acontecia todas as vezes que os empregados tinham que sair do estabelecimento. Um trabalhador era sorteado ia até uma sala "para erguer a camisa, abaixar a calça, tirar o calçado e exibir o seu interior, girar e bater nos bolsos". Conta que, dependendo dos seguranças, uns mandavam abaixar as calças até a altura das coxas e outros até a altura dos joelhos. A revista era feita visualmente, não havia contato físico entre o depoente e o segurança. Informou, ainda, que todos os empregados passavam pela revista, exceto os gerentes.
O pedido de indenização por danos morais causados pela revista íntima foi negado na primeira instância, mas deferido pelo TRT, que considerou que, mesmo não havendo contato físico, a revista causava constrangimento e humilhação ao trabalhador. Para o TRT, o procedimento, por sorteio, demonstra ser "incontroverso que não ocorria em razão de algum sério indício, mas sim, era prática adotada diariamente na ré e abrangia a todos, houvesse sobre eles alguma suspeita fundada ou não". Em sua fundamentação, o Regional afirma que há meios, atualmente, para o empresário proteger seu patrimônio de forma bastante segura, apropriada, a custo relativamente baixo, podendo ser utilizados "sem constrangimento aos trabalhadores, até, porque, propiciam a sua segurança no trabalho".
As Lojas Americanas recorreram da decisão, alegando que a medida não afrontava a dignidade, a honra ou a intimidade do trabalhador. O apelo surtiu resultado. De acordo com o relator do recurso de revista e presidente da 7ª turma, ministro Pedro Paulo Manus, "não basta que o empregado se sinta ofendido, é necessário que haja um constrangimento no âmbito interno da empresa ou no âmbito social".
Procedimento impessoal
No caso, explica o relator, a revista íntima realizada pelas Lojas Americanas "era dirigida a todos os seus empregados, sem distinção, e, portanto, era um procedimento impessoal, uma rotina destinada a desestimular furtos na empresa". O ministro registrou, ainda, que a revista ocorria em "sala própria, sem testemunhas, e que era realizada por pessoa do mesmo sexo que o empregado e sem contato físico". Por essas razões, o ministro Manus entendeu não haver abuso de direito da empresa na adoção da medida, porque "acontecia de modo não vexatório".
O relator considerou não ser constrangedor o procedimento executado pela empresa, e que "se tratava de um direito seu, decorrente do dever de salvaguardar o patrimônio, motivo pelo qual não enseja indenização por dano moral". Em sua fundamentação, o ministro informou existir, inclusive, decisão no mesmo sentido proferida no TST, ao analisar caso idêntico, em que também é parte Lojas Americanas, em processo da 6ª turma, de relatoria do ministro Aloysio Corrêa da Veiga.
Quanto ao fato de o empregador dispor de outros meios para evitar o furto dentro do estabelecimento, o relator entende que não sustenta o pedido de indenização por dano moral, pois, para que ela seja devida, "é necessária a demonstração que o ato causado pelo empregador tenha abalado a imagem, autoestima, reputação e honra do empregado".
A 7ª turma acompanhou, por unanimidade, o voto do presidente, e deu provimento ao recurso empresarial para, restabelecendo a sentença de origem quanto aos danos morais, julgar improcedente o pedido de condenação da empregadora ao pagamento da indenização.
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Leia abaixo a íntegra do acórdão.
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A C Ó R D Ã O
7ª Turma
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. DESERÇÃO DO RECURSO DE REVISTA. Decisão regional em que se fixou um novo valor à condenação. Desnecessidade de recolhimento da soma dos valores das custas arbitrados na sentença de origem e no acórdão regional. Agravo de instrumento a que se dá provimento, para determinar o processamento do recurso de revista, ante a inexistência de deserção.
RECURSO DE REVISTA. REVISTA ÍNTIMA. INDENIZAÇÃ O POR DANO MORAL
. “In casu”, ficou demonstrado que a revista íntima perpetrada pela reclamada era dirigida a todos os seus empregados, sem distinção e, portanto, era um procedimento impessoal, uma rotina destinada a desestimular furtos na empresa. Registrou-se, ainda, que a mencionada revista ocorria em sala própria, sem testemunhas, e que era realizada por pessoa do mesmo sexo do empregado e sem contato físico.
Assim, verifica-se que inexistia abuso de direito da reclamada na adoção de revista íntima, visto que esta acontecia de modo não vexatório. Deste modo, forçoso reconhecer que a revista íntima realizada pela empresa não era constrangedora, e que se tratava de um direito seu, decorrente do dever de salvaguardar o patrimônio, motivo pelo qual não enseja indenização por dano moral. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista por conversão n° TST-AIRR-1307440-75.2003.5.09.0001, em que é Recorrente LOJAS AMERICANAS S.A. e Recorrido REGINALDO AUGUSTO DE SOUZA FRANCO.
O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, mediante a decisão às fls. 50/56, complementada às fls. 61/62, deu provimento ao recurso ordinário interposto pelo reclamante, para condenar a reclamada ao pagamento, de indenização por danos morais.
Em face dessa decisão, a reclamada interpôs recurso de revista (fls. 94/103), apontando violação dos artigos 2º e 3º da CLT e 5º, XXXIX, da Constituição Federal. Transcreveu arestos para confronto de teses.
Mediante despacho à fl. 85, foi negado seguimento ao recurso de revista, o que ensejou a interposição do presente agravo de instrumento (fls. 02/06).
Houve apresentação de contrarrazões ao recurso de revista e contraminuta ao agravo de instrumento, à s fls. 89/91 e 92/95, respectivamente.
Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do art. 83, § 2º, II, do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho.
É o relatório.
V O T O
AGRAVO DE INSTRUMENTO
CONHECIMENTO
Conheço do agravo de instrumento, porque satisfeitos os requisitos de admissibilidade.
MÉRITO
DESERÇÃO DO RECURSO DE REVISTA
O Tribunal Trabalho da 9ª Região, mediante a decisão à fl. 85, denegou seguimento ao agravo de instrumento interposto pela reclamada, ante o recolhimento a menor do valor das custas; por isso, considerou-o deserto.
Em face dessa decisão, a reclamada interpôs agravo de instrumento, alegando que as custas fora m recolhidas com base no novo valor arbitrado à condenação.
Passo à análise.
A Vara do Trabalho de origem julgou parcialmente procedente a presente reclamação trabalhista, arbitrando o valor da condenação em R$ 5.500,00 e, consequentemente, das custas em R $ 110,00.
Apenas o reclamante interpôs recurso ordinário e, portanto, não houve o recolhimento das custas.
O Tribunal Regional deu provimento ao recurso ordinário, mediante o acórdão às fls. 50/56, no qual constou expressamente “custas acrescidas sobre o valor da condenação ora arbitrado de R$17.000,00, no importe de R$340,00” (fl. 55).
Ao interpor recurso de revista, a reclamada efetuou o recolhimento das custas, no valor de R$340,00, conforme guia de comprovação à fls. 82. Posteriormente, efetuou a complementação no valor de R$110,00.
Passo à análise.
Muito embora a reclamada tenha efetuado a complementação do valor das custas, entendo que a Corte Regional, fixou um novo valor à condenação. Ao determinar pagamento das custas “sobre o valor da condenação ora arbitrado em R$17.000,00” (fl. 55), o Tribunal Regional não teve a intenção de acrescentar esse valor àquele anteriormente arbitrado na Vara de origem.
Diante desse entendimento, as custas foram corretamente recolhidas, motivo pelo qual afasto o óbice contido na decisão agravada e, consequentemente, dou provimento ao agravo de instrumento, para determinar o processamento do recurso de revista.
RECURSO DE REVISTA - REVISTA ÍNTIMA - INDENIZAÇÃ O POR DANO MORAL CONHECIMENTO
O Tribunal Regional do Trabalho deu provimento ao recurso ordinário interposto pelo reclamante. No que interessa, considerou que ficou comprovado o dano moral. Consignou o seguinte entendimento, verbis:
“ (...) A testemunha trazida pela parte autora, Roberban Neves (fls. 200/201) revelou que todas as vezes que os empregados tinham que sair do estabelecimento da ré , deveriam ser revistados. Declarou que: o procedimento de revista consistia em quem fosse sorteado ia até a sala para erguer a camisa, abaixar a calça, tirar o calçado e exibir o seu interior, bater nos bolsos e para girar,...; Que alguns seguranças mandavam abaixar as calças até a altura das coxas e outros até a altura dos joelhos. Que nã o havia contato físico entre o depoente e o segurança, a revista era feita visualmente. Com exceção dos gerentes todos os empregados passavam pela revista.
Com efeito, a revista envolvia a figura da pessoa humana empregada, ou seja, daquela colocada sob o poder de comando de quem a remunerava. Desse modo, à evidência, o autor não poderia livremente manifestar sua vontade de concordar, ou não, com o procedimento imposto pela ex-empregadora, revelando-se, venia permissa, humilhante sujeitar-se a despir, ainda que parcialmente, as roupas e o calçado, expondo-se compulsoriamente perante outrem, afastando do corpo a calça, a blusa, as mangas e fim de evidenciar que sob elas o empregado nada vestia ou portava.
A revista realizada mediante sorteio torna incontroverso que não ocorria em razão de algum sério indício, mas sim, era prática adotada diariamente na ré e abrangia a todos, houve sobre eles alguma suspeita fundada ou não. (...) Com efeito, os meios de que o empresário empregador dispõe, atualmente, para a proteção de seu patrimônio, sã o bastante seguros, apropriados, de custo relativamente baixo, e podem ser empregados sem constrangimento aos trabalhadores, até porque, propiciam a sua segurança no trabalho (contra assaltos, por exemplo). Não se justifica, portanto, a revista realizada aleatoriamente (por sorteio), e a humilhação que causa, uma vez que o empregado se sente previamente acusado, e obrigado a provar a sua inocência através da submissão à revista, na qual expõe partes do próprio corpo e o conteúdo dos bolsos de sua roupa.
Entendo que a atitude adotada pela ré, ainda que não haja contato físico entre a pessoa que procede a revista e o empregado revistado, causava humilhação e constrangimento ao autor, abalando a sua honra e a sua dignidade, de forma que é devida a indenização compensatória.”
A reclamada, nas razões do recurso de revista (fls. 94/103), alegou, em síntese, que a maneira pela qual realizava revista íntima em seus empregados não afrontava a dignidade, a honra ou a intimidade da autora, razão pela qual enseja a exclusão da condenação ao pagamento da indenização por dano moral. Apontou violação dos arts. 2º e 3º da CLT. Transcreveu arestos para o confronto de teses.
No primeiro modelo transcrito à fl. 72, registra-se tese contra ria àquela contida no acórdão regional -, no sentido de que “ quando a revista do empregado, após o encerramento do expediente, faz-se pequenos grupos, apenas visualmente e de forma respeitosa pelos encarregados, sendo este procedimento justificável pela natureza do empreendimento, não se tem como configurado o dano moral”.
Diante do exposto, conheço do recurso de revista, por divergência jurisprudencial.
MÉRITO
Cinge-se a controvérsia em perquirir se a revista íntima do empregado, em local próprio, após o término do expediente, mediante sorteio do empregado e sem contato físico, pode ofender a honra e à imagem do reclamante e, consequentemente, ensejar o pagamento do dano moral.
O Tribunal Regional do Trabalho, a partir das provas existentes nos autos e em estrita observância ao princípio do livre convencimento motivado (CPC, art. 131), concluiu, em decisão devidamente fundamentada, que a prova produzida amparava o pedido de indenização por dano moral, porquanto “os meios de que o empresário empregador dispõe, atualmente, para a proteção de seu patrimônio, são bastante seguros, apropriados, de custo relativamente baixo, e podem ser empregados sem constrangimento aos trabalhadores, até porque, propiciam a sua segurança no trabalho”.
Todavia, o fato de o empregador dispor de outros meios para evitar o furto dentro do estabelecimento, não ampara o pedido de indenização por dano moral. Para que ela seja devida, é necessária a demonstração que o ato causado pelo empregador tenha abalado a imagem, auto estima, reputação e honra do empregado.
Não basta, portanto, que o empregado se sinta ofendido, é necessário que haja um constrangimento no âmbito interno da empresa ou no âmbito social.
In casu, ficou demonstrado que a revista íntima perpetrada pela reclamada era dirigida a todos os seus empregados, sem distinção e, portanto, era um procedimento impessoal, uma rotina destinada a desestimular furtos na empresa. Registrou-se, ainda, que a mencionada revista ocorria em sala própria, sem testemunhas, e que era realizada por pessoa do mesmo sexo que o empregado e sem contato físico.
Assim, verifica-se que inexistia abuso de direito da reclamada na adoção de revista íntima, visto que esta acontecia de modo não vexatório.
Deste modo, forçoso reconhecer que a revista íntima realizada pela empresa não era constrangedora, e que se tratava de um direito seu, decorrente do dever de salvaguar o patrimônio, motivo pelo qual não enseja indenização por dano moral.
Esta Corte, ao analisar caso idêntico, em que também é parte a empresa ora recorrente, assim se pronunciou, in verbis:
“Com efeito, da análise dos autos se depreende que a vistoria foi objeto de regulamentação formal. A revista obedecia a critérios anteriores e objetivos, sendo procedida por meio de sorteio, fato incontroverso e que se constitui em circunstância, por si só, garantidora do respeito ao princípio constitucional da igualdade, vez que obstaculiza a possibilidade de discriminação entre os empregados.
A escolha do sistema de sorteio denota e ratifica, ainda, a finalidade objetivada pela Empresa com a revista, qual seja, a proteção ao seu patrimônio, e não a submissão deste ou daquele empregado a situações desumanas ou vexatórias.
Além disso, a realização de sorteio demonstra outro aspecto em relação à empresa: ausência de rigorismo sobre a questão, já que não eram individualmente revistados todos os empregados, de forma dia ria, como ordinariamente ocorre em diversos estabelecimentos.
Importante ressaltar, também, que o procedimento adotado para a vistoria era estritamente visual, não submetendo o empregado a toques físicos por parte do encarregado. Ademais, a revista era realizada individual mente, sem a presença de outros funcionários, por pessoa do mesmo sexo e em local apartado, preservando, assim, a individualidade do empregado. Logo, a submissão do obreiro ao sistema de revisão não impunha dano a sua honra, integridade ou intimidade.
(...)
Não há notícia de que tenha ocorrido excesso da empresa nos me todos de revista, nem há qualquer remissão a tratamento discriminatório dado a apenas um empregado no momento em que a empresa efetivou revistas com o fim de preservar o patrimônio, não tendo se verificado qualquer irregularidade na atuação da empresa, sendo impossível conferir ao empregado o dano moral, por se tratar tão-somente do exercício atinente à administração negocial.
Faz-se essa digressão apenas com o fim de demonstrar que a prática, longe de ferir a dignidade e a intimidade da pessoa, é necessária e vem tradicionalmente sendo utilizada em diversos ambientes profissionais e comerciais, como em aeroportos, com o fim de combater o transporte de armas e drogas, ou nos Tribunais Superiores, com o fim de proteger a repartição pública também quanto a esse aspecto, da segurança de seus empregados.
De um modo ou de outro, deve estar demonstrado o abuso quanto ao exercício regular de um direito, não havendo como se caracterizar dano moral sem que estejam demonstrados os requisitos contidos no art. 159 do Código Civil, atual art. 186: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
E, no caso, não se pode ter como caracterizado o dano moral, porque inexistente ato ilícito ou abuso de direito do empregador, diante da moderada revista do empregado. A realização da revista mediante sorteio não constitui, por si só, motivo a provar o constrangimento, nem violação da intimidade da pessoa, além de restar consignado no v. acórdão recorrido que não havia contato físico e não havia exposição dos empregados.
Diante de tais circunstâncias, não há como se considerar configurado o dano moral, uma vez ausente a comprovação de que o empregado teria sido submetido a situação constrangedora ou vexatória, tendo havido apenas o exercício regular do direito da reclamada de defesa do seu patrimônio.
Incólumes os arts. 186 do Código Civil e 5º , V e X, da Constituição Federal.” (TST-AIRR-17383/2004-652-09-40, Ministro Aloysio Corrêa Veiga, DJ 09/10/2009)
Diante exposto, dou provimento ao recurso de revista, para, restabelecendo a sentença de origem, nesse particular, julgar improcedente o pedido de condenação da reclamada ao pagamento da indenização por dano moral.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, para determinar o processamento do recurso de revista. Também à unanimidade, conhecer do recurso de revista, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, dar-lhe provimento, para, restabelecendo a sentença de origem, nesse particular, julgar improcedente a ação, quanto ao pedido de condenação da reclamada ao pagamento da indenização por dano moral.
Brasília, 10 de agosto de 2010.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
PEDRO PAULO MANUS
Ministro Relator
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