Migalhas Quentes

Os feitos de José de Alencar na política e no Direito

Migalhas apresentou ontem aos leitores um lado de José de Alencar que poucos conhecem : o jurista. O escritor foi pioneiro ao impetrar o primeiro habeas corpus preventivo da história do Direito brasileiro (clique aqui). Alencar, que se matriculou na Faculdade de Direito de SP aos 16 anos, teve outros importantes feitos na vida política e jurídica. Veja um pouco mais desta história.

11/8/2010


Dr. Alencar

Os feitos de José de Alencar na política e no Direito

Enquanto romancista, jornalista e poeta não há quem desconheça as heranças deixadas por José de Alencar.

Poucos sabem, no entanto, que o escritor foi pioneiro no exercício do Direito.

José Martiniano de Alencar nasceu em 1º de maio de 1829, em Mecejana, Ceará. Morreu jovem, sobraçando a lira, aos 48 anos, vítima de tuberculose, a 12 de dezembro de 1877, no Rio de Janeiro.

Desde pequeno, Alencar teve contato com a política por meio de seu pai, o senador José Martiniano Pereira de Alencar.

Aos 16 anos, em 1846, matricula-se

na Faculdade de Direito de São Paulo.

No ano seguinte, com o pai enfermo, o escritor muda-se para Olinda e transfere-se para a Faculdade de Direito pernambucana, em maio de 1848.

Depois de um ano, retorna a São Paulo para concluir o curso.

A Faculdade de Direito de SP lhe atesta o grau de bacharel em Direito na Turma de 1850. É, pois, egresso das Arcadas.

Em 1851, Alencar se estabeleceu no Rio de Janeiro, onde trabalhou por quatro anos no escritório do advogado Caetano Alberto, que ao lado de Barão de Penedo, Barão de Mauá, Nabuco de Araújo e José Clemente Pereira, foi co-autor do código processual de 1850.

Responsável por obras fundamentais da literatura brasileira, José de Alencar também possui uma notável bibliografia de obras jurídicas.

Os livros "Uma tese constitucional", 1867 ; "Questão de Habeas Corpus", 1868 ; "O sistema representativo", 1868 ; "A Propriedade" (obra póstuma, publicada em 1883), "Esboços Jurídicos", 1883, e "Pareceres" (também obra póstuma, publicada em 1960, pelo Ministério da Justiça) são algumas relíquias de sua autoria.

Em 1868, José de Alencar atuou na defesa de seu sogro, Tomás Cochrane, impetrando um habeas corpus preventivo no Supremo, remédio heroico que não tinha sido incorporado no Direito brasileiro (clique aqui).

Entre as publicações jurídicas de José de Alencar é possível destacar o relatório como ministro de Estado, em 1869. Neste documento, o autor analisa os problemas da Justiça brasileira no Império, propondo soluções quanto à organização judiciária, à administração da Justiça e à legislação civil, criminal e comercial.

Nesse trabalho, Alencar propõe a incorporação de uma nova modalidade do habeas corpus ao Direito, o habeas corpus ad faciendum et recipiendum :

"No projeto de reforma que terei a honra de apresentar-vos qualifico esse recurso (renvoi na jurisprudência francesa) de avocação, pois é realmente para os casos graves. A essa avocação não se opõe certamente o art. 178, que sem dúvida cogitou de espécie muito diversa, qual a usurpação da competência judiciária".

O fardo de romancista

Traçando ideologias políticas opostas às de seu pai, membro do Partido Liberal, Alencar filiou-se ao Partido Conservador, sendo eleito quatro vezes deputado pelo Ceará.

Também ocupou o cargo de ministro da Justiça durante os anos de 1868 a 1870.

Não foi por acaso que José de Alencar exerceu o cargo de ministro da Justiça. Desde 1859 acumulara experiência trabalhando na Secretaria de Estado da Justiça, na qual foi nomeado por Nabuco de Araújo para dirigir a Seção de Justiça e Estatística.

Logo depois é transferido para o cargo de Consultor da mesma secretaria, com o título de Conselheiro.

Alencar sofreu muitas críticas de senadores, tanto por trilhar o caminho diferente do pai, como por ser um literato.

Aos olhos dos senadores, ele não estaria à altura da pasta da Justiça.

Mas o escritor soube carregar o fardo de romancista, utilizando seu dom com as palavras para defender sua posição na Justiça.

Na época, em resposta à crítica de Zacarias de Góis e Vasconcelos, Alencar diz :

"O pobre senador, querendo desmerecer minha capacidade para ocupar o cargo em que atualmente me acho, insistiu por diversas vezes nos meus escritos literários, na minha qualidade de romancista e de poeta; disse o nobre senador que não o era".

Zacarias replicou :

"Ah, se o fosse, respondia-lhe em verso".

E Alencar contestou :

"Mas a verdade é que eu, romancista, e pretendido poeta, não trouxe para o Parlamento as produções da literatura, como o fez há pouco o nobre senador, e como tem feito em outras ocasiões; serei poeta e romancista, mas só no meu gabinete, desprendido inteiramente dos negócios públicos: o nobre senador gosta de ser poeta e romancista no Parlamento. Creio, por consequência" – rematou – "que as minhas diversões literárias prejudicam menos o serviço público do que as do nobre senador, que se fazem à custa da gravidade das funções legislativas e do tempo destinado a trabalhos mais sérios".

De fato, parafraseando a análise de José de Alencar feita por Josué Montello com relação ao Direito, embora o político e o romancista pudessem conciliar-se na transição da página romanesca, a verdade, entretanto, é que Alencar parece ter tido o cuidado de dissociá-los. Não fez no romance a apologia do político, nem levou para a tribuna, como deputado, a sua fantasia de romancista.


Caricatura de José de Alencar, quando ministro da Justiça. (Em Revista Ba-Ta-Clan, 29/8/1868)


Capa do Archivo Contemporaneo, Rio de Janeiro de 1873, e na qual José de Alencar e Machado de Assis aparecem lado a lado

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