Territorialidade ?
Tal se dá, em grande parte, pela facilidade com que hoje se tem crédito.
Mas o fato é que esse boom de negócios traz consigo o aumento da grandeza numérica da inadimplência.
E as reformulações que se fizeram na permissibilidade de crédito, simplificando condutas, não foram as mesmas que se deram quando o assunto é recuperação deste crédito.
Com efeito, é um decreto-lei de 1969 (clique aqui), com a assinatura de Gama e Silva (o autor do AI-5), que rege as normas para a alienação fiduciária.
E o que diz, no caso de inadimplência, esse decreto ? Ele diz que para comprovar a mora, o credor poderá fazê-lo por meio de "carta registrada expedida por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos ou pelo protesto do título" (§ 2º, do art. 2º, decreto-lei 911/69).
Pois bem, ocorre que, como se sabe, o crédito muitas vezes é concedido pelas instituições financeiras por meio de agentes comissionados nas concessionárias, estacionamentos, garagens, feirões, etc. Dessa forma, as instituições não possuem equipes adrede montadas para recuperar crédito em todos os lugares, mesmo porque isso significaria aumento de custo e, consequentemente, encarecimento das operações, algo que consumidor nenhum deseja.
Nesse sentido, as empresas de crédito, reféns desta forma de notificação cartorial, ao notificarem os devedores valem-se dos cartórios que estão pertos de suas matrizes, ou das unidades responsáveis pela recuperação de crédito. Mesmo porque, trata-se apenas de uma carta registrada com selo do cartório, algo bem comum no dia-a-dia dos correios.
Mas o que era uma coisa bem simples está se transformando num verdadeiro inferno para as instituições financeiras. E isso se dá porque o CNJ, há alguns meses, tomou uma decisão – talvez sem imaginar o tamanho do barulho – estabelecendo regras de um jogo que já tinha a pelota rolando.
Em maio do ano passado, o Estado de Santa Catarina entrou com um pedido de providência (PCA 642 - clique aqui) no CNJ com "o objetivo de denunciar a suposta prática de atividades ilegais, pelos registradores de São Paulo, consistente em 'monopolizar as notificações extrajudiciais nos diversos municípios brasileiros'".
Alegavam os catarinenses que ocorria a violação do princípio da territorialidade, visto que as notificações somente poderiam ser expedidas aos destinatários com residência localizada na respectiva circunscrição do cartório.
O plenário do CNJ julgou procedente o pedido. Em seu voto, o relator do Procedimento de Controle Administrativo, Mairan Gonçalves Maia Júnior, diz que "a não-incidência do princípio da territorialidade constitui exceção e deve vir expressamente mencionada pela legislação."
E com o intuito de estender a proibição a todo território nacional, o Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil (IRTDPJ-Brasil) encaminhou uma reclamação ao CNJ (clique aqui), afirmando que ainda havia, por parte de alguns Oficiais de Registro, a prática dessas expedições para qualquer município do país.
Novamente, o CNJ deferiu o pedido, o que se deu em abril deste ano, para determinar que os "Oficiais de Títulos e Documentos de todo o País obedeçam ao princípio da territorialidade".
Neste ponto, coloca-se – acerca do princípio da territorialidade – a questão de se ele é absoluto, e se em tempos de era virtual ele deve ser observado cegamente ?
Como já se disse, de fato alguns cartórios são mais utilizados por instituições financeiras ou porque cobram menos, ou por qualquer outra facilidade logística. E que mal há nisso ?
O cliente, ao tomar um empréstimo, não consulta os diversos emprestadores para saber suas taxas e condições ? Por quê, então, o recuperador do crédito não pode fazer o mesmo ?
O fato é que, tendo em vista a elevada disparidade dos valores cobrados pelos Cartórios, e também a trabalhosa logística operacional para que as notificações sejam realizadas no município devido, as operações têm sido, desde abril/2010, substancial e indesejadamente oneradas.
Mas, em verdade, a questão central não foi enfrentada pelo CNJ. Trata-se de saber, abrindo uma fechadíssima caixa-preta, por que há uma disparidade tão grande na cobrança de serviços por parte dos cartórios ? Por que uma ordinária carta registrada pode variar tanto de valor de um ente federativo para outro, se nos Correios o preço é o mesmo ?
Assim, a decisão do CNJ é como cobertor pequeno, satisfaz um lado, mas desnuda outro.
Afora isso, é forçoso convir que qualquer aumento de custo vai ser repassado ao consumidor. E, assim, quem perde com a decisão territorial (isso porque vivemos numa era virtual), são os tomadores de crédito.
Como se não bastasse, há também grande transtorno com o fato de que há diferentes prazos nos cartórios para a realização dos atos, variando de 48h para 54 dias.
Como se vê, o CNJ tem nas mãos o desafio de encontrar um meio termo para essa questão.
Se há a territorialidade (o que não se compreende em tempos virtuais), não deveria haver também uma uniformidade ?
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