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Goffredo, O Meio da Travessia - por Luiz Carlos Bettiol

Na cerimônia em memória do 1º ano de faecimento do Mestre Goffredo o advogado Luiz Carlos Bettiol reviveu lembranças à partir do discurso proferido há mais de 40 anos pelo saudoso Professor Goffredo em memória do professor Spencer Vampré.

29/6/2010


Homenagem

Luiz Carlos Bettiol reviveu lembranças em seu discurso na missa em memória do Mestre Goffredo

Na última quinta-feira, 24/6, no Salão Nobre da Faculdade de Direito do Largo S. Francisco, foi celebrada uma missa em registro de um ano de falecimento do querido Goffredo da Silva Telles Junior.

Na cerimônia, o advogado Luiz Carlos Bettiol reviveu lembranças à partir do discurso proferido há mais de 40 anos pelo saudoso Professor Goffredo em memória do professor Spencer Vampré.

Citou que em meados dos anos 50 Goffredo iniciou "uma fase decisiva e particularmente rica de sua vida, o meio da travessia, como diria Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas também dos anos 50: “O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia".

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Goffredo, O Meio da Travessia

Luiz Carlos Bettiol

Excelentíssimo Senhor Diretor da Faculdade de Direito;

Excelentíssimo Presidente da Associação dos Antigos Alunos;

Excelentíssimas Doutoras MARIA EUGENIA e OLIVIA SILVA TELLES;

Minhas senhoras e meus senhores;

Estudantes da gloriosa academia!

Há mais de quarenta anos, nesse mesmo Salão Nobre, a Faculdade de Direito reverenciou a memória de um dos seus mais ilustres filhos, o Professor SPENCER VAMPRÉ.

Em nome da Congregação, falou GOFFREDO DA SILVA TELLES que fora seu livre docente, e o sucedera na Cátedra. O orador abriu seu emocionado discurso lançando uma duvida:

- Não estará ele entre nós? Não ouvirá o meu chamado? Tão viva é sua lembrança! Tenho a sensação de vê-lo! Custa-me crer que ele aqui não se encontre.

Também eu enquanto preparava essas notas senti a presença de GOFFREDO ao meu lado. O mesmo jeito amigo, verdadeiro, discreto, contido, naturalmente educado, suave, elegante, de quando o conheci nos anos 50, uma década decisiva para o Mundo, para o Brasil e para ele.

O Sputnik, o DNA, a TV, a Guerra Fria, o Vietnam, a revolução tecnológica e do comportamento haviam mudado o Mundo. O Mundo e o Brasil, que naquele período parte firme rumo à industrialização com Volta Redonda, Petrobras, Furnas, Três Marias, com a Bossa Nova, a Bienal, o TBC a Vera Cruz, Brasil campeão do mundo na Suécia, com Getulio, JK e Brasília.

GOFFREDO, em 1950, não era mais o menino soldado de 32 que sonhava com uma Constituição para seu pais; nem o moço idealista de 37 na arriscada e incompreendida busca de um caminho novo para o Brasil, a salvo do totalitarismo, de qualquer totalitarismo, e do liberalismo burguês esgotado. Em 50 Goffredo tinha 35 anos, era homem feito, ferido e sofrido na vida familiar e, ao mesmo tempo ungido nas urnas. Fora eleito para a Assembléia Nacional Constituinte de 1946 com uma votação consagradora. Dera fiel cumprimento ao seu mandato de Deputado Federal. Se quisesse seria reeleito, mas sentiu que era hora de mudar.

“Era preciso que eu me dedicasse à meditação sobre o Direito e a Filosofia”

E assim iniciou uma fase decisiva e particularmente rica de sua vida, o meio da travessia, como diria Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas também dos anos 50:

“O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia"

Fase de definições, realizações e compromissos. Dela vou cuidar.

Goffredo recolheu-se aos livros, voltou-se para os seus amados filósofos, amadureceu, deu organicidade ao seu pensamento, escreveu um livro-sintese, tornou-se catedrático, e firmou um compromisso definitivo com o magistério e com sua querida Academia.

O problema da liberdade, o enigma da liberdade, sempre foi o centro das preocupações de GOFFREDO, sua angustia maior e o desafio sempre presente, ou como ele mesmo disse: a permanente e torturante duvida. Se pertenço ao Universo como posso ser livre? Como equiparar a atividade humana ao movimento dos átomos e rotação dos astros? Como compatibilizar, como conciliar, como conjugar a liberdade e o Direito com a natureza?

A resposta veio em 1953 com o livro A Criação do Direito, um verdadeiro e original tratado da Liberdade e plataforma do Direito Quântico e da Ética. Nele GOFFREDO consolidou seu pensamento. Sim, o homem é livre e o Direito é a disciplina da convivência humana. E para encerrar o livro a frase final e definitiva:

“O Direito como o amor, tem sua fonte originária no coração dos homens”

Logo a seguir, no ano seguinte, o Concurso de Catedrático. Foi um acontecimento que marcou época, dentro e fora da Academia. Todos esperavam, mais que isso, queriam vê-lo como titular da cadeira de Introdução à Ciência do Direito. Recebeu nota máxima dos cinco membros da banca, Summa cum Laude. Uma consagração. Tomou posse no dia 11 de agosto de 1954 e não foi por acaso. Quis marcar seu compromisso com as Arcadas e seus estudantes. Nem mesmo o cinqüentenário do XI de Agosto no ano anterior foi tão festejado.

A Faculdade do Largo de São Francisco era o centro de sua vida, sua casa, como dizia, e lecionar sua aspiração, sua missão, seu ideal secreto:

“No fundo de mim, no segredo de mim mesmo, eu nutria a esperança de formar gente, formar pessoas, dignas de sua humanidade: formar juristas, formar estadistas para o Brasil”

Nada, nada, para ele era mais importante que ser professor, professor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Afora um período em que foi Secretario de Cultura de São Paulo, a década de 50 GOFFREDO dedicou-a toda ao magistério, a sua gloriosa Academia e aos seus alunos.

Minha turma, em 1955, foi a primeira dele como catedrático. Cinqüenta anos depois nos reunimos para o jubileu de formatura. Como era de se esperar, lembranças, muita saudade daqueles tempos, de nós mesmos, da nossa juventude, e uma concordância, uma certeza repetida por todos: GOFFREDO. Cinqüenta anos depois era lembrado por todos. Como agora, parecia presente. Ninguém havia marcado nossas vidas como ele. E por quê?

Por que foi um professor excepcional, que se preparava para as aulas, se aplicava, se esmerava, se superava, cada aula era uma aula magna, cada aula era uma obra de arte, um momento de beleza que retribuíamos excitados e emocionados com aplausos e flores. Ele nos amava e nos o adorávamos, era o guardião da nossa alma mater, foi nosso ídolo nos anos 50, nosso mestre por toda a vida. Muito obrigado.

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