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Justiça condena Rede Record a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 93 mil à juíza

O juiz Alexandre Carvalho e Silva de Almeida julgou parcialmente procedente o pedido feito pela juíza Patrícia Álvarez Cruz em ação de reparação de danos morais contra e Rede Record.

22/3/2010


Condenação

Justiça condena Rede Record a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 93 mil à juíza

O juiz Alexandre Carvalho e Silva de Almeida julgou parcialmente procedente o pedido feito pela juíza Patrícia Álvarez Cruz em ação de reparação de danos morais contra a Rede Record. A magistrada acusou a emissora de ter divulgado, em uma reportagem de TV, a suspeita de que ela teria atuado de forma irregular em uma ação penal, para favorecer um promotor com quem teria mantido um relacionamento amoroso.

A reportagem veiculada no programa "Repórter Record" questionou a isenção do promotor Roberto Porto, do Gaeco. Porto e mais quatro promotores apresentaram à Justiça uma acusação formal contra o bispo fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo, e mais nove pessoas. A denúncia levou à abertura de ação penal contra os acusados.

A sentença favorável a Cruz é do juiz Alexandre Carvalho e Silva de Almeida, da 24ª vara Cível da capital.

  • Confira abaixo a sentença na íntegra :

__________________

VISTOS. PATRÍCIA ÁLVARES CRUZ, qualificada na inicial, ajuizou a presente ação de reparação de danos morais em face da RÁDIO E TELEVISÃO RECORD S/A, alegando, em síntese, que é Juíza de Direito e atualmente responde pela 9ª Vara Criminal Central da Comarca da Capital. Acrescenta que é do conhecimento geral que são dois os magistrados responsáveis pelas Varas Criminais de São Paulo e que a distribuição é feita pelo sistema de sorteio eletrônico computadorizado no Departamento de Inquéritos Policiais – DIPO.

Acontece que já tramitava perante o DIPO um inquérito policial que investigava condutas criminosas imputadas a integrantes da Igreja Universal do Reino de Deus, que foi distribuído para a 9ª Vara Criminal desde 28 de maio de 2007, por força de medida cautelar para quebra de sigilo telefônico. Posteriormente foi oferecida denúncia e o processo distribuído ao MM. Juiz Dr. Gláucio Roberto Brittes de Araújo que também atua perante o mesmo juízo e a requerida, inconformada com o fato dedicou-se à defesa de seu interesse privado no programa “Repórter Record” veiculado em 16 de agosto de 2009. Neste programa, também fez insinuações indevidas sobre a requerente, invadindo sua privacidade através de acusações levianas e caluniosas, expondo-a ao público de milhões de pessoas que não tinham condições de verificar que os fatos não correspondiam à verdade. Informa que a reportagem insinuava um relacionamento entre a juíza e o promotor de justiça sem esclarecer que não era designada para atuar no caso, de sorte que a informação – que foi veiculada mais de uma vez – foi feita como evidente má-fé, com edição de entrevistas, que lhe geraram prejuízo moral. Isto porque, na medida em que sua integridade foi colocada em dúvida, assim como a seriedade do Poder Judiciário, pede a procedência do pedido para a condenação da requerida ao pagamento de indenização pelos danos morais estimados em R$ 500.000,00, bem como à obrigação de fazer veicular com o mesmo destaque da ofensa em seu programa “Repórter Record” a sentença a ser proferida. Juntou os documentos de fls. 31/128. Regularmente citada (fls. 136), a requerida apresentou a contestação de fls. 144/159, onde afirma que o nome da requerente foi citado nas reportagens exibidas, mas em momento algum sua imagem foi abalada ou deturpada a ponto de justificar a indenização pretendida. Tudo porque na sua visão as informações eram verdadeiras, pois a requerente assume que manteve relacionamento com o promotor e que a denúncia foi distribuída para a 9ª Vara Criminal da Capital onde atua como Magistrada.

Como, então, as reportagens se limitaram a narrar os acontecimentos não houve abuso, mas simples exercício do direito constitucional de informação, mesmo porque a requernete é pessoa pública a ponto de sua imagem sujeitar-se à exposição. Questiona, outrossim, o dano moral postulado entendendo que ele não restou provado, além do valor da indenização que não pode acarretar enriquecimento indevido do ofendido. Réplica a fls. 161/175. Designada audiência de tentativa de conciliação, ela restou infrutífera (fls. 183, 187 e 193/194).

É O RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO. Cuida-se de ação de reparação de danos morais ajuizada por Patrícia Álvares Cruz em face da Rádio e Televisão Record S/A. Pretende a autora a condenação da requerida ao pagamento de indenização em razão da indevida exposição de sua imagem e invasão da privacidade em programas veiculados pela televisão, onde teria veiculado fatos que não correspondiam à verdade.

O feito prescinde de outras provas, pois bastam aquelas existentes nos autos para a formação da convicção do julgador. Assim, na medida em que remanescem apenas questões de direito, passo ao julgamento da lide no estado em que se encontra o processo (art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil).

Os fatos, em sua essência, são incontroversos, já que não há contestação da ré a propósito das reportagens questionadas pela autora, onde houve evidente menção ao seu nome por ocasião da distribuição de processo criminal para a 9ª Vara Criminal Central da Capital onde ela exerce o cargo de Juíza de Direito. Também não de discute o conteúdo dessas reportagens, uma vez que a ré nem mesmo impugna as transcrições apresentadas pela autora com a inicial (fls. 41/53), de sorte que resta apenas analisar se a exposição do nome da requerente, na forma em que colocada pela requerida, acarretou o dano moral indenizável. E isso, no meu sentir, é evidente, diante da indevida conotação trazida na reportagem a propósito de suspeita de alguma irregularidade envolvendo a autora em razão de anterior relacionamento que ela manteve com o promotor de justiça que atua no caso. Esta deturpação da realidade – além de totalmente descabida porque envolveu magistrada que não atuava no processo – ultrapassou a mera intenção de noticiar os telespectadores sobre os fatos que levaram à propositura de ação penal contra integrantes da Igreja Universal do Reino de Deus.

E, sendo assim, ainda que noticiasse fatos a princípio verdadeiros, a forma como foi veiculada a reportagem, insinuando a existência de irregularidades na distribuição do processo, atingiu de maneira direta a honra da requerente. Os autos, é verdade, trazem à tona questão tormentosa que busca estabelecer os limites da atuação dos órgãos de imprensa no dever de investigar e informar a população acerca de fatos relevantes à sociedade. No caso dos autos, repita-se, é incontroverso que a notícia foi veiculada pela empresa ré e que o nome da autora foi ligado às insinuações a propósito da legalidade da distribuição do processo para a vara criminal onde atua como magistrada, já que havia mantido relacionamento com o promotor do caso. A partir daí, o que se deve analisar é se a requerida, como sustenta, agiu no estrito dever de informação aos telespectadores, narrando e noticiando fato relevante e de repercussão ou agiu com culpa, praticando ato ilícito e atingindo a honra subjetiva da autora. Ora, por aqui, o nome da autora foi ligado a um dos promotores de justiça responsáveis pelo oferecimento da denúncia contra membros da Igreja Universal do Reino de Deus, sendo que a notícia afirmava a suspeita a propósito da lisura da distribuição e da atuação da requerente no processo. Colocou em dúvida, portanto, não só a legitimidade da distribuição, como insinuou que a autora poderia ter alguma participação no fato, tendo em conta o antigo relacionamento que manteve com o promotor. Tal afirmação, não refletiu a estrita verdade sobre como realmente aconteceram os fatos. Afinal a autora, ao que parece, estava afastada das funções quando a denúncia foi apresentada a juízo e, a despeito disso, não tem participação ou influência na distribuição do processo. Com isso, a atitude da ré ultrapassa o chamado animus narrandi, na medida em que restou evidenciado – até porque jamais questionado pela requerida – que a autora, ainda que tivesse mantido algum relacionamento com o promotor, jamais funcionou no processo criminal que estava sob a presidência de outro magistrado. Portanto, forçoso concluir que a maneira como foi veiculada a reportagem trouxe a falsa impressão aos telespectadores de que a autora teve alguma participação no processo, pois seria “ex-mulher” (sic.) do promotor, a ponto de justificar, nos termos da notícia veiculada, a investigação profunda do caso, porque capaz de causar alguma irregularidade ou nulidade (fls. 47).

Anote-se que o fato da notícia veicular fatos e acontecimentos verdadeiros não afasta a responsabilidade da requerida pelos danos morais suportados pela autora se está bem caracterizada a intenção de deturpar os fatos a ponto de levantar suspeitas sobre a atuação da requerente em procedimento penal a respeito do qual nem mesmo manifestou alguma posição. Percebe-se, portanto, que a notícia veiculada pela ré ultrapassou o mero relato de fatos e induziu o telespectador a acreditar que o relacionamento entre a autora e o promotor de justiça poderia viciar, causar nulidades e deturpar o processo criminal envolvendo membros da instituição que detém o controle sobre a emissora de televisão. Essa circunstância, que não refletiu a verdade, causou indiscutível abalo e prejuízo moral à requerente que, mesmo sem ter atuado no processo viu seu nome envolvido e sua intimidade indevidamente exposta. Mesmo porque a vida particular da requerente jamais poderia ser abordada e exposta pela ré para tentar justificar o oferecimento da denúncia e a instauração do processo penal contra pessoas ligadas à igreja. Como se sabe a liberdade de imprensa não é absoluta, mesmo depois da revogação da Lei nº 5.250/67 pelo Col. Supremo Tribunal Federal. Ao contrário, sofre limitações impostas pela própria legislação que não ampara o indevido uso da imagem alheia especialmente para fins pessoais ou individuais, com intuito de induzir o telespectador a ver na notícia fato que é evidentemente distorcido. Bem por isso, assim agindo a empresa de televisão deve responder pelos excessos e pela indevida e vexatória exposição do nome de alguém a público. Vale anotar que já se decidiu, “Por outras palavras, a liberdade de imprensa não se confunde com o desvio da legalidade e do bom direito, muito menos com o abuso de um pretenso direito, que se revela capaz de ofender a imagem alheia ou demais direitos da personalidade.

Cabe salientar, de outra parte, as disposições do inc. X do art. 5º da CF: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação” (TJSP, RT 822/236, rel. Des. Sebastião Carlos Garcia). Para que surja o direito à indenização basta que o veículo divulgador da notícia atue com culpa, ou que deixe de tomar as cautelas necessárias para verificar a veracidade das informações. Estas circunstâncias, no caso dos autos, surgem evidentes, porque a veiculação da notícia ligou o nome da autora a fatos estranhos ao processo, com insinuações a propósito da lisura da distribuição do processo criminal que indiscutivelmente não retrataram a verdade dos acontecimentos. Aliás, o Col. Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de assentar que “A responsabilidade civil decorrente de abusos perpetrados por meio da imprensa abrange a colisão de dois direitos fundamentais: a liberdade de informação e a tutela dos direitos da personalidade (honra, imagem e vida privada). A atividade jornalística deve ser livre para informar a sociedade acerca de fatos cotidianos de interesse público, em observância ao princípio constitucional do Estado Democrático de Direito; contudo, o direito de informação não é absoluto, vedando-se a divulgação de notícias falaciosas, que exponham indevidamente a intimidade ou acarretem danos à honra e à imagem dos indivíduos, em ofensa ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.” (REsp nº 719592, 4ª Turma, rel. Min. Jorge Scartezzini, julgado em 12/12/2005, DJ de 01/02/2206). É o que acontece na hipótese dos autos, onde a requerida, ao veicular notícia que distorcia a verdade sobre os fatos, acabou por atingir – sem qualquer razão – a honra e a imagem da autora, que exerce cargo relevante onde a reputação é essencial para a credibilidade das decisões e desenvolvimento do trabalho. Inegável, repita-se, que a matéria ultrapassou o simples dever de informar a população para invadir a ceara do ato ilícito. Assim, “verificado o evento danoso, surge a necessidade da reparação, não havendo que se cogitar da prova do prejuízo, se presentes os pressupostos legais para que haja a responsabilidade civil (nexo de causalidade e culpa)” (STJ, REsp nº 23.575, rel. Min. César Asfor Rocha, julgado em 09/06/1997, RSTJ 98/270).

Bem por isso, plenamente provados a autoria, o ato ilícito e o nexo de causalidade, a procedência do pedido inicial – já que evidente o abalo psicológico, moral e o constrangimento suportados pela autora – é medida que se impõe à correta solução da questão. Resta, então, a fixação do valor da indenização. É certo que o valor do prejuízo dessa natureza é de difícil aferição, já que impossível ao juiz avaliar as conseqüências da ofensa para a vítima, ou mesmo aferir se aquela que entende justa será suficiente para reparar o prejuízo. Assim, segundo penso, como critério para sua fixação, deve ser levado em conta a gravidade da culpa e as conseqüências dela para o lesado. Deve, por outro lado, a indenização ser suficiente para punir e desestimular práticas semelhantes, além de compensar a vítima pelos prejuízos decorrente da indevida e maliciosa exposição de seu nome e imagem, sendo verdadeira retribuição pelo mal injustamente causado (Tratado de Responsabilidade Civil, Rui Stoco, 5ª Edição, Editora Revista dos Tribunais, pág. 1376). A culpa do réu deve ser considerada elevada, pois teria condições de facilmente checar a informação e, querendo, veicular a notícia de maneira correta, sem mencionar ou envolver terceiros que não estavam envolvidos no processo. As questões que envolviam a denúncia apresentada deveriam ter sido discutidas no próprio processo, com apresentação dos recursos previstos sem ofensa à honra do magistrado apenas porque o feito foi distribuído para a Vara onde trabalha ou porque antigamente manteve amizade ou relacionamento com o promotor que ofereceu a denúncia questionada. Levando em consideração essas variáveis, entendo razoável a fixação da condenação em 200 vezes o valor do salário mínimo atualmente vigente (já considerado o valor unitário de R$ 465,00), ou seja, R$ 93.000,00, com correção monetária a partir desta data e mais juros de mora de 1%, contados a partir da primeira veiculação da reportagem. É a quantia que reputo justa e suficiente à reprovação da conduta da requerida, mesmo porque a indenização não pode servir ao enriquecimento indevido do ofendido a ponto de tornar excessivo aquele montante postulado na inicial. Apenas em um ponto entendo que o pedido deve ser rejeitado. É que, no meu sentir, a pretensão de ver publicada a sentença no mesmo programa e horário em que veiculada a notícia não surtiria qualquer efeito prático, já que não faria desaparecer o prejuízo já causado, ao contrário, serviria para reacender a questão e trazer à tona fatos já esquecidos pela população. Com isso, rejeito o pedido secundário formulado na inicial para julgar parcialmente a demanda proposta. Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido e condeno a requerida ao pagamento de R$ 93.000,00 a título de danos morais causados à autora corrigidos monetariamente a partir desta data e acrescidos de juros de mora contados a partir da primeira veiculação da notícia. Arcará, ainda, a requerida vencida – mesmo porque a autora decaiu de parcela menor do pedido – com o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor corrigido da condenação, já considerado a sucumbência parcial. P. R. I.

São Paulo, 5 de março de 2010.

ALEXANDRE CARVALHO E SILVA DE ALMEIDA JUIZ DE DIREITO

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