Sorteio de obra
O que significa Built to Suit ?Segundo o autor, a expressão build to suit tem origem na língua inglesa, e é uma modalidade de locação bastante utilizada nos Estados Unidos da América, a qual tem como principal característica o fato de que o imóvel objeto do contrato de locação ainda não foi construído. Além disso, o locatário tem a prerrogativa de definir o projeto e todas as características do imóvel, de acordo com as necessidades das atividades a serem desenvolvidas. Por outro lado, para que o locador tenha interesse em construir um imóvel especialmente desenvolvido para uma empresa específica, e ter como remuneração apenas o valor do aluguel mensal, é necessário que a locatária comprometa-se a permanecer no imóvel durante um período mínimo.
O desenvolvimento do mercado imobiliário, existente num país, só é possível com a agregação de recursos provenientes de investimentos de longo prazo. Uma dessas formas que os operadores deste mercado mais vêm utilizando para gerar produtos imobiliários que possam ser atrativos tanto para fundos imobiliários, criados especialmente para este fim, quanto para investidores nacionais e internacionais, ávidos a investirem neste mercado, são as chamadas das operações built to suit. Esses contratos são entabulados como resultado de uma complexa operação financeiro-imobiliária, segundo a qual o locador, a pedido e sob encomenda da locatária, projeta e constrói um imóvel, desenhado especificamente para atender às necessidades específicas da locatária, que, em contrapartida, remunerará o locador por meio de um contrato de longo prazo de aluguel. Em tais contratos se inserem várias relações contratuais, dentre as quais uma relação locatícia atípica, que não subsistiria caso todas as demais não tivessem êxito. Assim, é necessário que a locatária se comprometa a permanecer no imóvel durante um período mínimo necessário para que o locador possa recuperar o investimento.
Dessa forma, o presente trabalho tem como pretensão fazer uma análise da legalidade e executoriedade desses contratos, principalmente tendo em vista a cláusula penal compensatória inserida nesses contratos de locação atípicos, denominados built to suit, uma vez que esta estabelecem uma multa compensatória, a título de prefixação de perdas e danos, correspondente ao valor das prestações locatícias de todo o período do contrato, descontado o período transcorrido. Fato é que a grande atratividade para todos os envolvidos neste mercado está exatamente na segurança jurídica que esta cláusula contratualmente representa, uma vez que um possível questionamento ou até uma suposta invalidação dessa cláusula representaria um enorme retrocesso nesse mercado imobiliário corporativo e, consequentemente, uma insegurança jurídica para todos que dele dependem, na medida em que os operadores deste mercado utilizam e acreditam que não existam razões para o questionamento judicial deste tipo de operação.
Nesse sentido, este trabalho analisa: quais seriam os limites aceitáveis pela legislação brasileira para a cláusula penal compensatória inserida nesses contratos, uma vez que esta estabelece que, em caso de desocupação voluntária da usuária-locatária, o empreendedor-locador fará jus ao recebimento dos valores integrais dos aluguéis vincendos, mesmo tendo a usuária-locatária cumprido parcialmente o contrato; e quais os pressupostos necessários para a interpretação sistemática da cláusula penal compensatória nos contratos built to suit, segundo os novos paradigmas de interpretação do art. 413 do Código Civil, ou seja, equidade, boa-fé, função social do contrato, probidade, vedação ao enriquecimento sem causa, dentre outros.
Importantes questionamentos serão analisados e esclarecidos no decorrer deste estudo, quais sejam: o que são contratos atípicos? Qual o conceito, classificação e critérios da interpretação de cláusula penal compensatória? Qual é função da cláusula penal punir, reforçar o cumprimento da obrigação ou prefixar perdas e danos? Como deve ser entendida a possibilidade de redução equitativa da cláusula penal compensatória? Quais são os novos paradigmas de interpretação do art. 413 do, Código Civil?
Enfoque especial é dado ao novo Sistema de Financiamento Imobiliário, introduzido pela Lei 9.514/97, no que diz respeito à possibilidade de securitização de recebíveis imobiliários que esse sistema proporciona.
Serão, ainda, analisados alguns poucos julgados que, de forma transversa, analisam a validade do contrato built to suit no sistema nacional.
O que se pretende é que este estudo sirva de subsídio e apoio de ordem científica para que outras pesquisas e estudos possam advir e auxiliar a equacionar o crucial problema de interpretação da cláusula penal compensatória, inserida nos contratos built to suit, uma vez que estas operações comerciais imobiliárias são, cada dia, mais comuns no mercado nacional e não existe, até o momento, qualquer estudo mais profundo sobre esta complexa operação.
Sobre o autor :
Rodrigo Ruete Gasparetto é bacharel em Direito pela PUC-Campinas. Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Universidade São Francisco. LL.Min International Business Transaction pela American University (Washington/USA). Mestre em Direito Comercial pela PUC/SP.
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Luciana Fernandes, advogada da Deicmar S.A., de Santos/SP
Victor R. Martins, da Brookfield Incorporações S/A, do Rio de Janeiro/RJ
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Confira a entrevista com o autor :
1- Que tipo de imóvel pode ser projetado no Build To Suit?
Com a abertura do mercado brasileiro nas ultimas décadas, diversas companhias multinacionais ingressaram no país trazendo novos conceitos e parâmetros negociais e gerenciais, necessários a uma padronização internacional de suas atividades nos diversos país.
Assim como tantos outros setores, a atividade imobiliária vem passando por profundas transformações, em razão das inúmeras inovações comerciais e alterações em nossa legislação que afetam diretamente e de forma incisiva os negócios imobiliários, o que faz com que novos mecanismos jurídicos sejam implementados. Nesse contexto, que surgiu a modalidade de empreendimento denominado built to suit.
O built to suit foi criado visando principalmente futuros usuários dos segmentos de galpões industriais, comerciais e logísticos que buscam, apenas, locar espaços específicos para desenvolver suas atividades.
E é neste diapasão que surgiu grandes oportunidades para empreendedores imobiliários interessados em produzir esses galpões “por encomenda” para essa nova demanda de empresas que não pretendem possuir ativos estranhos a sua operação. Portanto o contrato built to suit nada mais é do que uma nova modalidade de investimento que surgiu com o intuito de dinamizar o mercado imobiliário no segmento empresarial e industrial.
2- O contrato built to suit é um contrato de locação regido pela lei do inquilinato?
Conforme comentado, o contrato que se forma entre empreendedor-locador e usuária-locatária se utiliza de muitos dispositivos inseridos na Lei 8.245/91, porém não pode ser considerado como de mera locação, no qual o proprietário disponibiliza imóvel de sua propriedade apenas para uso e gozo do locatário. No contrato denominado built to suit, existem outros elementos essenciais que devem ser considerados, tais como: (i) a compra do imóvel de escolha de quem vai utilizá-lo; (ii) a realização de obra por encomenda também de quem o utilizará, tudo isso demandando grande investimento do empreendedor-locador, que conta com uma remuneração mínima de longo prazo para poder fazer frente ao montante investido na operação.
A Lei de Locações, portanto, não pode ser aplicada em sua integralidade, uma vez que esta poderia descaracterizar totalmente a operação imobiliária pretendida pela partes.
Um bom exemplo é o art. 4º da Lei de Locações, que autoriza a locatária, e só ela, a não cumprir o prazo determinado na locação, podendo devolver o imóvel antes do termo fixado mediante uma multa que era prevista no art. 413 do Código Civil.
Nesse sentido, em tese, para o caso em análise a usuária-locatária poderia pleitear devolver o imóvel antes do término do prazo contratual e questionar o pagamento do valor fixado na cláusula penal compensatória a título de prefixação de perdas e danos, vindo a discutir, em juízo, a validade da cláusula do contrato de locação (built to suit) a qual estabelece que, em caso de desocupação do imóvel, a locatária deverá pagar o valor da totalidade dos aluguéis vincendos de todo o restante do contrato.
Além disso, em tese, a locatária também poderia pleitear a chamada ação revisional de aluguel, ou seja, decorrido o prazo legal de três anos para tanto estabelecido, a revisão do valor do aluguel, se superior, na época, ao valor de mercado, hipótese na qual se discutiria em juízo a validade da cláusula inserida no contrato de locação de renúncia a esse direito, que compete tanto à parte locadora, quanto à parte locatária, nas locações comuns.
Tanto a renúncia pela locatária da possibilidade de pleitear a revisão dos valores locatícios quanto a convenção da cláusula penal compensatória são condições essenciais para estruturar a operação de financiamento empreendida pelo locador, sem as quais, impossibilitaria criar um crédito imobiliário de longo prazo que pudesse ser atrativo ao mercado de capitais e, conseqüentemente, aos investidores interessados.
Nas operações built to suit, os valores recebidos a título de locação não podem e não devem ser considerados remuneração apenas pelo uso do imóvel, pois, como visto, não se tratava de bem de propriedade da contratante disponibilizado à locação no mercado, mas sim imóvel adquirido e construído por encomenda da contratada, exatamente para atender a suas exigências particulares. O valor da remuneração devida à contratada considera não apenas o uso e gozo do bem, que seria o valor de mercado do aluguel, mas também o retorno pelos investimentos realizados com a própria compra e construção do bem, por encomenda da contratante.
No caso de rescisão antecipada do contrato, por iniciativa ou culpa da contratante, a penalidade a ser aplicada é justamente o pagamento integral das parcelas vincendas, como forma de se estabelecer uma indenização pelos investimentos feitos pela contratante, não podendo ser aplicável ao art. 4º da Lei de Locações, que aponta no sentido de que a indenização pelo rompimento do contrato, por parte da locatária, é limitada a três aluguéis.
Tal argumentação legal leva em conta fatores que não estão presentes numa relação built to suit, tais como: (i) que o proprietário já dispunha do bem quando ajustou a locação com o locatário; (ii) que o proprietário pode facilmente locar novamente seu imóvel a terceiros; e (iii) que o locatário muitas vezes está em condição jurídica e economicamente inferior à do proprietário. Ora, na relação built to suit nada disso ocorre, sendo na verdade o contrário, eis que: (i) o proprietário não tinha o imóvel, mas, por encomenda da locatária e promessa desta de pagar a remuneração contratada, concordou em adquirí-lo e nele executar a construção; (ii) por ter sido feito por encomenda para atender às características próprias da locatária, pode haver grande dificuldade de locar o imóvel a terceiros, diferentemente de um apartamento ou uma simples loja; e (iii) normalmente, as partes estão em situação equivalente do ponto de vista jurídico-econômico, ou a locatária está até mesmo em superioridade, razão pela qual não haveria hipossuficiência desta ou necessidade de especial proteção.
Neste sentido, as operações built to suit permitem uma interpretação e uma aplicação da Lei de Locação sobre a relação locatícia de forma relativizada em função da própria estrutura engendrada pela operação, buscando, nesta relativização, o correto reflexo jurídico das relações avençadas, tendo como objetivo a manutenção do equilíbrio financeiro entre as partes.
Portanto a segurança das premissas das disposições contratuais é fundamental para o avanço desse mercado de ativos imobiliários e fundos imobiliários que estão sendo criados no Brasil.
3- Quais as vantagens e desvantagens de um imóvel do tipo Build To Suit?
Trata-se de um negócio jurídico por meio do qual uma empresa contrata a outra, usualmente do ramo imobiliário ou de construção, para identificar um terreno e nele construir uma unidade comercial ou industrial que atenda às exigências específicas da empresa contratante, tanto no que diz respeito à localização, como no que tange às características físicas da unidade a ser construída. Uma vez construída, tal unidade será disponibilizada, por meio de locação, à empresa contratante, por determinado tempo ajustado entre as partes.
A principal vantagem dessa operação é que cada parte atende seu interesse sem se desviar do foco do seu negócio, uma vez que a parte que adquire o terreno e constrói o empreendimento geralmente pertence ao ramo imobiliário, e/ou da construção civil e a parte que loca o empreendimento geralmente pertence ao ramo do varejo e irá se beneficiar de um empreendimento feito sob medida para atender suas necessidades.
Pois caso a empresa-usuária optasse por adquirir um terreno e proceder à construção da edificação por meio de uma empreitada normal, teria, necessariamente, um desembolso inicial muito grande, o que aumentaria exponencialmente se essa mesma empresa tivesse que obter um financiamento para a consecução desse objetivo. Ademais a construção de um galpão industrial não leva menos que seis meses.
Do ponto de vista econômico, a empresa contratante, em vez de imobilizar capital na compra de um imóvel e construção de sua unidade comercial ou industrial, pode aplicar tal montante em seu próprio negócio, ganhando assim capital de giro e não ativo imobilizado, estranho às suas atividades. Por outro lado, a empresa deixa de investir grande soma na compra e construção de uma unidade que, após determinado prazo, pode não mais atender às suas necessidades. Nesse caso, basta não renovar o contrato após decurso do prazo nele estabelecido.
Também para o empreendedor-locador esta operação é vantajosa, pois este usualmente consegue financiar a compra e a construção de um determinado empreendimento dispondo de pouco valor de capital próprio, uma vez que aproximadamente 90% do capital necessário poderá ser “adiantado” ao empreendedor-locador, por alguma instituição financeira, em contrapartida da outorga de todo o fluxo de recebíveis do contrato de locação.
Ademais, importante salientar que outros grande atrativo desta operação para a empresa-usuária, é o fato de que o pagamento mensal que faz ao empreendedor, pela ocupação do imóvel que lhe foi feito “sob medida”, pode ser contabilizado como despesa operacional, redundando numa redução da carga tributária.
A empresa tem um desembolso diluído pelo período do contrato, também as despesas podem ser reconhecidas para apuração do lucro no mesmo período, não ficando vinculadas ao prazo de 25 anos, estabelecido pela legislação brasileira.
Por fim conclui que a estrutura de built to suit traz grandes vantagens tanto fiscais quanto comerciais para a empresa que pretende desenvolver uma unidade imobiliária no Brasil, além de facilitar a relação com a matriz estrangeira no caso de multinacionais, na medida em que possibilita uma considerável redução do investimento inicial, melhorando a performance da empresa perante todo o Grupo.
4- o sr. tem o conhecimento se há no Brasil muitos contratos desse tipo?
Embora a estruturação de operações imobiliárias na modalidade built to suit seja frequente nesse mercado, não é comum se ter uma discussão mais aprofundada sobre esse tipo de operação, pois, muitas delas são realizadas diretamente entre empreendedores imobiliários e empresas locatárias, não havendo interesse de ambas as partes em divulgar as condições das operações.
O expediente mais utilizado para a não-divulgação é o legal, pois, existe instrução normativa CVM que possibilita a certos tipos de operações, direcionadas a um único investidor, a dispensa do seu registro e a dispensa da divulgação de seus dispositivos contratuais, uma vez que, o suposto investidor declara expressamente que conhece os riscos que está assumindo e que dispensa a divulgação.
Essas operações são usualmente realizadas por Companhias Securitizadoras de Créditos Imobiliários tendo como principais empreendedores imobiliários os Grupos Walter Torre, Rio Bravo e Braccor.
Não existe uma maneira única de se realizarem essas operações. Conforme mencionado, algumas poucas operações são ofertadas a Fundos Imobiliários e ao público em geral. Em decorrência disso, a divulgação dessas operações ainda é a exceção. De forma pontual, podem-se citar outras empresas que se utilizaram esta modalidade tais como: Petrobras; Volkswagen; Unilever; Goodyear do Brasil; Nestlé; Telerj Celular; Cargill Ltda; DHL; Carrefour; Ibmec.
5- A legislação brasileira cria alguma dificuldade para a execução desse tipo de contrato? Ela deveria ser modificada?
Os contratos built to suit têm-se tornado cada vez mais frequentes no mundo corporativo, e o seu uso já se faz notar em vários setores, desde prestadores de serviços e comércio até indústrias pesadas.
Grandes empresas têm procurado cada vez mais esse tipo de locação, não só por ser vantajosa em relação ao aspecto mencionado neste trabalho, mas, também, em virtude da dificuldade de se encontrar imóveis de grande porte que reúnam exatamente as características procuradas pelas empresas em fase de ampliação de seus negócios.
O contrato built to suit vem confirmar que o direito é dinâmico, questionável e polêmico no tocante às obrigações e às características acentuadas quanto às causas e aos efeitos das relações jurídicas entre as partes envolvidas.
O empreendedor-locador no caso do contrato built to suit atua tanto como titular de um direito de propriedade ao locar seu empreendimento, quando como construtor de uma instalação feita sob media para a usuária-locatária.
O empreendedor-locador irá investir seu capital na construção de um imóvel que foi especialmente projetado para um tipo específico de atividade, que é aquela desenvolvida pela locatária.
Por tal razão não se pode ser simplista e acreditar que o contrato não é de locação, mas também não se pode aplicar somente a lei de locações e não considerar as outras obrigações assumidas pelo locatário.
A locatária deverá cumprir um período mínimo de permanência, o qual constitui elemento imprescindível à viabilidade desse tipo de locação. Portanto o julgador, ao analisar estas operações deverá sempre levar em conta a preocupação do locador quanto à possibilidade de que todo o investimento realizado na construção do imóvel, objeto da locação, venha a ser extremamente prejudicado caso o locatário decida deixar o imóvel após um curto período de tempo.
O período mínimo de permanência é determinado pelo locador, com base no custo do desenvolvimento do projeto e construção da obra e vulto dos investimentos realizados.
Entretanto, apesar de, na aparência, as cláusulas e condições desse tipo de contrato serem baseadas no princípio da autonomia de vontades e no conceito de equilíbrio econômico-financeiro, existe sempre o risco de esta questão ser entendida de modo diferente pelo Poder Judiciário, pondo em risco o patrimônio do fundo imobiliário e conseqüentemente do quotista a esse pertencente.
Em parecer sobre o tema, embora a Comissão de Valores Mobiliários defende que para que não paire mais dúvida sobre o tema, seria salutar a alteração da Lei do Inquilinato, a fim de excluir de sua incidência, expressamente, os contratos built to suit, ficando estes submetidos, exclusivamente, ao Código Civil.
Aponta, ainda, a CVM que, caso o Judiciário venha a intervir na relação locatícia das operações built to suit descaracterizando-as, haveria um potencial dano a todo o sistema de securitização de créditos imobiliários no Brasil.
Não existe ainda jurisprudência consolidada sobre o tema. Alguns poucos e recentes julgados têm demonstrado que o julgador está atento a tais mudanças, reconhecendo tratar-se de um contrato atípico complexo e sui generis e não uma mera locação, fazendo prevalecer o acordo firmado pelas partes no caso de renúncia da revisional da locação, evidenciando que houve, por parte da usuária-locatária, uma encomenda específica de um empreendimento.
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