O WhatsApp continuará bloqueado. Após ordem do juiz de Direito Marcel Montalvão, de Lagarto/SE, que determinou às operadoras (e elas agradeceram) a interrupção do serviço de mensagens instantâneas por 72 horas, o desembargador Cezário Siqueira Neto, do TJ/SE, negou liminar em MS, mantendo a decisão. Ele não vislumbrou pericum in mora nem fumus boni iuris, embora estivéssemos diante de um modelo destes dois apanágios. Fazer o quê?
Explicando o inexplicável
Já que não tem WhatsApp
Acerca da decisão do magistrado lagartense, extraem-se algumas considerações.
1 - A primeira, que se trata de decisão ilegítima. Com efeito, não é por ser determinação judicial que ela deve ser cegamente cumprida. As operadoras deveriam se negar a cumprir, em benefício dos consumidores, uma decisão como essa. No entanto, como estão a aplaudir a ordem, mandam às favas seus usuários. Se fosse contrário aos interesses delas, queríamos ver cumprir uma esdruxularia dessas.
2 - Segundo, que a decisão é manifestamente ilegítima porque basta fazer uma pueril análise da proporcionalidade para se ter em mente que o prejuízo é maior do que eventual benefício que se venha a obter, embora saibamos de antemão que de nada vai adiantar (v. próximos itens). A decisão, teratológica e teatróloga, deu-se para buscar provas, como se fosse possível obtê-las por quaisquer meios, mesmo que isso cause prejuízos a uma infinidade de pessoas. Como exemplo, um bandido está homiziado na cidade de São Paulo, de modo que o juiz agora vai determinar que se feche a cidade até que se encontre o facínora. Faça-nos um favor.
3 - Terceiro, a decisão mostra um lado tacanha dos seres humanos: um amor excessivo a si mesmo, que, ainda bem, aos poucos vem sendo cada vez mais raro nos distribuidores da Justiça. Fato é que, onde se encontra esse exercício autocontemplativo, comum nos apequenados, ele provoca rasgos de audácia. De fato, ao transpor os umbrais do edifício-sede do Fórum Epaminondas Silva de Andrade Lima, o magistrado só recebe loas. Ao longe, se não é verdade, ao menos imagina ouvir os populares falando: "- Lá vai o nosso Moro sergipano. Esse sim é cabra macho." Aí, diante de tanta autoridade, a polícia local pede a quebra de sigilo das mensagens do WhatsApp, o meritíssimo dá a ordem, e ela não é cumprida. "Oxente, um abestalhado, fio da moléstia, mangando assim do doutor, é de deixar qualquer um azuretado. Bora embora tirar o couro desse bexiguento." Se isso vai prejudicar 100 milhões de pessoas, isso não é problema dele. Aliás, esse bafafá todo que se criou, possibilitando que seu nome fosse reproduzido muito além dos limites lagartenses, foi a recompensa suprema. E ao se vir refletido na poça d'água que ficou ao lado de seu carro, que hoje foi especialmente encerado, certamente se surpreendeu com tanta altivez. Que maravilha! Deve ter, intimamente, dito a si mesmo.
4 - Quarto, a decisão é ineficaz. A discussão sobre o acesso às mensagens é mundial. Recentemente, correndo riscos imensos, a Apple se negou a fornecer meios de desbloquear o iPhone de terroristas. O FBI teria conseguido destravar o aparelho, mas isso ainda não se confirmou. Quanto ao WhastApp, a empresa garante que as mensagens são codificadas na origem e descodificadas no destinatário, de modo que o que existe no caminho seriam códigos indecifráveis. É a garantia do sigilo de mensagem que faz com que o aplicativo seja usado. Se a empresa pudesse xeretar as comunicações dos usuários, inevitavelmente um dia isso iria vazar, assim como Edward Snowden há pouco divulgou diversas informações da CIA. Cientes dessa possibilidade, a nova ordem mundial é de se ter acesso a outros dados, como o horário que se usa, com quem se fala, de onde se usa, mas não com relação ao conteúdo, que uma vez vazado, põe fim ao seu principal atrativo : o sigilo. Querer travar essa discussão é louvável. Mas, definitivamente, não é bloqueando todo mundo que se inicia um debate. Aliás, é assim que ele é tolhido.
Histórico
Vale lembrar que esta não é a primeira vez que o aplicativo sofre sanções deste tipo no Brasil. Em dezembro de 2015, a juíza de Direito Sandra Regina Nostre Marques, da 1ª vara Criminal de São Bernardo do Campo/SP, também determinou o bloqueio do WhatsApp em todo o país, mas a decisão não durou 48 horas. Depois disso, foi a vez do juiz de Direito Luís Moura Carvalho, da Central de Inquéritos de Teresina/PI, por entender que o aplicativo estava atrapalhando as investigações de um provável crime de pedofilia.
ABC do CDC
Falta de bom senso, assim o desembargador aposentado Rizzatto Nunes considera o bloqueio do WhatsApp por 72 horas. Para ele, a decisão é esdrúxula e a situação é bastante grave, pois são milhões de usuários que se utilizam do WhatsApp, inclusive, profissionalmente e no mundo todo. "Cortar a ligação com o Brasil é como impedir que as pessoas do mundo todo entrem em contato com os brasileiros."
Punição à sociedade
O Brasil é um dos países com maior potencial na utilização de tecnologia, mas as autoridades brasileiras parecem ter imensas dificuldades em compreender sua importância em nossas vidas. A constatação é do presidente da OAB/SP, Marcos da Costa, para quem o recente bloqueio do WhatsApp deve servir como alerta: "não se resolve a questão pendente em uma demanda, por mais grave que seja, gerando problemas para toda a sociedade".
Criminologia lagartense
"Amemos todos, amemos,
É Cupido quem o diz ;
Pois namoro não é crime,
Na opinião do juiz…"
Parafraseando o escritor, seria o caso de dizer "WhatsApp não é crime, doutor juiz".